Por Tereza Amaral com Flávio Bittencourt, em Amazônia Legal em Foco
José Guajajara. O resistente guerreiro da emblemática foto em cima de uma árvore em protesto contra a destruição da Aldeia Maracanã, em dezembro passado, por conta do Mundial é o nosso entrevistado.
E sem seguir seguir padröes jornalísticos numa forma de subversão ao tratamento da mídia. A Imprensa não noticiou o verdadeiro significado da destruição do chão sagrado de varias etnias em detrimento de seis jogos que serão realizados no Rio de Janeiro.
Urutau foi o nome dado ao guerreiro pelo avô* da etnia Tenetehar-Guajajara. Trata-se de uma espécie de coruja com hábitos noturnos e com vários significados na região amazônica e do cerrado, tais como Ave Fantasma, Mãe da Lua, dentre outros. Leia entrevista com o guerreiro que nasceu na Aldeia Lagoa Comprida, no município de Barra do Corda no estado do Maranhão:
ALF: Chegou a Copa. Como você se sente tendo perdido sua segunda Pachamama?
Desde 1500, quando o europeu invadiu esta parte das Américas que hoje se chama Brasil, sofremos estes tipos de ação por parte da cultura dominante que se instalou por aqui ao longo desses 514 anos, exterminando aproximadamente 20 milhões de seres humanos indígenas, segundo pesquisas recentes e o Relatório Figueiredo que dá conta do maior genocídio das Américas.
ALF: O que o levou a morar no Rio de Janeiro e quanto tempo viveu na Aldeia Maracanã?
Um pouco antes das comemorações da ECO 92 estava no Rio de Janeiro vindo de Barra do Corda cidade próxima a Aldeia Lagoa Comprida – MA, onde nasci, a convite do meu irmão mais velho, que tinha vindo antes para o Rio. Participei da ECO 92, encontrando com muitas lideranças indígenas como os tamui Raoni Metuktire, parentes como Ailton Krenak, David Yanomami e muitos outros. Depois de muitas idas e vindas do Maranhão dei continuidade aos meus estudos de ensino médio e ingressei no Curso de Pedagogia, já aqui no Rio de Janeiro. Em seguida, fiz mestrado em Lingüística em Línguas Indígenas, voltado ao ze´egté, a língua do meu povo Tenetehara, no Museu Nacional da UFRJ. Vim para o RJ para estudar e para defender os direitos do meu povo.
ALF: Quando soube que o antigo Museu do Índio seria destruido?
Desde 20 de outubro de 2006, data da retomada do antigo museu do índio, temos o objetivo de preservar este patrimônio do povo brasileiro dando destinação cultural, educacional e étnica. As primeiras ameaças de despejo se efetivaram no inicio de 2007, quando aconteceriam, no Maracanã, os Jogos Pan-americanos-PAN 2007com pretexto da construção de uma passarela em frente ao portão 13 do estádio e da aldeia. Passado este susto, em 2012, as ameaças do estado se concretizaram. O Estado efetivou, sem consulta à comunidade e aos movimentos indígenas, a compra do imóvel que ainda estava sob os cuidados do MAPA-CONAB (Ministério da Agricultura e Pecuária), e sua posterior entrega para a iniciativa privada construir estacionamento e shopping.
Em 12 de janeiro de 2013 aconteceu a primeira investida do estado no sentido de retirar todos os indígenas que ali estavam morando. Mesmo com um grande aparato militar, o estado recuou, pois quem estava na posse do imóvel eram os indígenas e a LANAGRO – Laboratório de Pesquisas Agropecuárias (MAPA), dizendo que retornariam logo quando conseguissem tal documento de imissão na posse. Conseguiram tal papel, em março, por volta do dia 17, concretizando a ação violenta e truculenta de retirada, no dia 22 de março.
ALF: Fale sobre a Resistência na Aldeia Maracanã.
No início de 2000 sentimos a necessidade, nós indígenas da cidade do Rio de Janeiro, de um espaço em que pudéssemos discutir sobre problemas enfrentados num grande centro, por falta de políticas públicas voltadas para essa população completamente invisível para o estado.Ao passar de trem, ônibus e metrô pelo antigo prédio do Museu no Maracanã, percebemos o abandono deste patrimônio e, pesquisando sobre, compreendemos sua importância histórica, política e simbólica para a comunidade indígena do Rio de Janeiro. Em meados de 2004, com poucos indígenas e pouco apoio tentamos pela primeira vez retomar este território, mas não conseguimos, recuamos e, só no dia 20 de outubro de 2006, juntamos 50 lideranças indígenas de 20 povos diferentes, de todo território nacional, depois de um encontro na UERJ, o 1º Encontro Tamoio dos Povos Originários, e no final marchamos para o antigo museu do índio e entramos pelos fundos enfrentando policiais armados que protegiam os laboratórios do MAPA. Acalmamos os seguranças dizendo ser uma ocupação pacífica e com objetivo claro de defesa deste patrimônio histórico e sua destinação étnico-cultural.
ALF: O que aconteceu exatamente naquele dia em que fotografado sendo resgatado de cima da Árvore?
Já fora da Aldeia Maracanã conseguimos uma audiência com o MPF, 8ª. Vara Federal, no dia 5 de agosto de 2013. Estávamos decididos, fosse positiva ou negativa a ordem do juiz, todos os indígenas da resistência retornariam à Aldeia Maracanã, no final do encontro com o MPF. Com decisão contrária, em parte, para nós, marchamos no sentido do Maracanã e entramos na Aldeia, que tinha um grande aparato policial. O governo do estado garantia, após a retomada a permanência da comunidade na Aldeia. Nos dias 15 e 16 de dezembro, quando ocorria um encontro com indígenas e movimentos sociais o estado quebrou seu compromisso com a Aldeia. Para tentar evitar a derrubada dos prédios do Lanagro, ao lado da Aldeia, e dentro do imóvel desta que mede 14.300m2, como no Registro Geral de Imóveis – 11º RGI, assumimos o prédio ao lado para ministrarmos os cursos que já ocoriam na Universidade Aldeia Maracanã. Mas fomos surpreendidos com o despejo arbitrário e violento do Estado, sem mandado judicial.
ALF: E hoje, como está sua vida e da família?
Eu continuo ministrando aulas de línguas Tupi,no ISERJ, muito abalado ainda. A Potyra Krikati, minha companheira, esta com a pressão abalada com toda essa covardia do estado. Maynumi, 4 anos, minha filha mais nova ficou com sequelas das investidas violentas e truculentas das forças do estado, sendo mais percebido no aprendizado na escola. Mayra, 13, a minha 2ª filha, passou a comer compulsoriamente, adquirindo peso acima da média, baixou o rendimento na escola, logo depois dos acontecimentos. O Uirahu, 15, meu filho mais velho, mostrou-se mais irritado e desobediente em casa, com amigos e na escola.
ALF: voce vai participar de alguma manifestação durante a Copa e dizer aos turistas o quanto o Mundial impactou a vida de indígenas na Cidade Maravilhosa?
Construímos o COIREM – Congresso Intercultural de Resistência dos Povos Indígenas e Tradicionais do Maraká’nà, que aconteceu do dia 4 ao dia 9 de junho, na UFRRJ, em Seropedica RJ. No dia 9, no encerramento fizemos uma audiência pública na UERJ e fomos bater maraká na Aldeia Maraká’nà, então cercada pelos policiais da PM-Choque. Mas ainda vamos participar, sim, junto aos movimentos sociais, de outras manifestações.
ALF: Quem é brasileiro José Guajajara?
Ihe Tantehar. He rera Urutau ihe Tantehar-Guajajara here kohaw ypuku Barra do Corda MA pe.
(Meu nome é Urutau, sou do povo Tenetehar-Guajajara e nasci na Aldeia Lagoa Comprida, município de Barra do Corda na estado do Maranhão). Pedagogo, pós-graduado em educação indígena pela UFF, pós-graduado em línguas indígenas pela UFRJ-MN, mestre em lingüística pela UFRJ-MN, professor de língua e cultura tupi-guarani no ISERJ-FAETEC – Instituto Superior de Educação do Estado do RJ.
*O Nome original dado pelo avô foi desviado para José pela cultura dominante. O guerreiro está tentando reverter. “Só depois da Constituicão de 88 aconteceu nossa carta de alforria”.