Diante do descumprimento dos acordos e do modo desrespeitoso com o qual os indígenas estão sendo tratados pelo governo federal, comunidades Kaingang decidiram retomar, por conta própria, partes de seus territórios tradicionais. As lideranças das comunidades afirmam que, com essa ação, pretendem também chamar a atenção dos poderes públicos para que solucionem as demandas dos pequenos agricultores que se encontram sobre as terras a serem demarcadas.
Os Kaingang da TI Passo Grande do Rio Forquilha, localizada no município de Sananduva (RS), ocuparam na noite do dia 27 o salão paroquial da capela de Bom Conselho e parte de uma área, onde residem alguns agricultores. As lideranças anunciaram, de forma definitiva, que não sairão mais de sua terra ancestral. Ao mesmo tempo, indígenas Kaingang da TI Kandóia, localizada no município de Faxinalzinho, bloquearam estradas vicinais que cortam suas terras com o intuito de chamar a atenção dos poderes públicos para a realidade em que vivem e exigem a demarcação das terras.
Durante o protesto dos Kaingang aconteceu um conflito envolvendo indígenas que bloqueavam uma das estradas e um grupo de agricultores, que pretendiam afastar à força os indígenas e liberar a via. Numa tentativa de romper com o bloqueio, segundo relato de lideranças Kaingang, um menino foi levado como refém por dois homens que estavam num caminhão carregado de ração. Na perseguição, para resgatar o menino, houve um confronto e os dois ocupantes do caminhão acabaram mortos.
O fato é lamentável e, infelizmente, faz parte de uma tragédia anunciada. Ontem, em nota (leia aqui), o Cimi Sul alertou para a gravidade da situação e que medidas fossem adotadas pelo governo no sentido de se evitar derreamento de sangue. O governo federal, uma vez mais, optou pela negligência e omissão e agora deve ser responsabilizado. A violência foi incentivada e anunciada, inclusive, pelos deputados federais Luiz Carlos Heinze (PP/RS) e Alceu Moreira (PMDB/RS) durante audiência pública no município de Vicente Dutra (assista aqui). “Reúnam verdadeiras multidões e expulsem (os índios) do jeito que for necessário”, diz Moreira.
O povo Kaingang, no norte do Rio Grande do Sul, realizou mais de quinze ocupações de terras que reivindicam como sendo parte de seu território tradicional. São em geral pequenas áreas, as quais abrigarão centenas de famílias que vivem, em sua maioria, acampadas às margens de rodovias. As terras indígenas, se comparadas às propriedades de alguns latifundiários, podem ser consideradas pequenas glebas. Por exemplo, o deputado Heinze, representante do bloco ruralista no Congresso Nacional, sozinho, possui 1.543 hectares.
É importante ressaltar que a maioria das áreas que os Kaingang reivindicam estão em processo de demarcação há mais de 10 anos, pela Funai. Nos últimos anos, dede o governo Lula, os procedimentos demarcatórios não avançaram. Com o governo Dilma a situação se agravou, pois ela determinou que todas as demarcações fossem paralisadas, acentuando os conflitos. O governo aliado aos setores do agronegócio assumiu, claramente, uma política de negação dos direitos indígenas e quilombolas, atropelando a Constituição Federal.
O ministro da Justiça José Eduardo Cardozo tem insistido que vai buscar solução para os problemas através de mesas de diálogos com os Kaingang. As tais mesas, no entender do Cimi Sul, não passam de manobras protelatórias. Somente no mês de abril de 2014, o ministro da Justiça se comprometeu, por quatro vezes, em dialogar com os indígenas em Porto Alegre. Nãocompareceu em nenhuma das vezes, sempre postergando para outras datas.
Os Kaingang, percebendo a estratégia do ministro em protelar o cumprimento dos acordos, decidiram romper com a farsa das tais mesas de diálogo e reiniciaram um processo de autodemarcação de seus territórios.
Alertamos, uma vez mais, para a gravidade do problema e conclama o ministro José Eduardo Cardoso para que cumpra com suas obrigações constitucionais demarcando as terras indígenas, bem como estabeleça um cronograma de pagamento das indenizações dos agricultores e o reassentamento em outras terras. Caso contrário os conflitos se intensificarão.
Manifestamos nossa solidariedade e apoio aos povos indígenas que legitimamente lutam pela demarcação de suas terras e ao mesmo tempo expressa seu pesar às famílias daqueles que foram vitimados nos conflitos.
Responsabilizamos o governo pelas violências em função de sua omissão e negligência, uma vez que as autoridades eram sabedoras da situação de conflito e nada fizeram, a não ser protelar suas decisões.
Chapecó, Santa Catarina, 29 de abril de 2014.
Conselho Indigenista Missionário – Regional Sul
Conselho de Missão entre os Povos Indígenas
Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas/RS