Evento colheu informações que irão subsidiar inquérito civil instaurado para apurar conflitos envolvendo indígenas na Resex Auati-Paraná
Procuradoria da República no Amazonas
A necessidade de promover o diálogo e solucionar o conflito existente em função do uso de recursos naturais da Reserva Extrativista (Resex) Auati-Paraná, principalmente pesqueiros, por uma comunidade indígena no município de Tefé, a 523 quilômetros de Manaus, levou o Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM), por meio da Procuradoria da República no Município de Tefé (PRM/Tefé), a promover audiência pública no dia 3 de abril, em Tefé.
O evento reuniu lideranças indígenas e extrativistas, representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e foi conduzido pelos procuradores da República Paula Cristine Bellotti e Marcio Castro. Cerca de 120 pessoas participaram do evento, realizado no auditório do Centro de Educação Tecnológica do Amazonas (Cetam), no centro de Tefé.
O conflito é objeto de inquérito civil público que tramita na PRM/Tefé. Para a procuradora da República Paula Bellotti, responsável pelo procedimento, a reunião de todas as partes envolvidas no caso por meio da audiência pública otimizou a coleta de informações para subsidiar a atuação do MPF. “Foi uma excelente oportunidade para abordarmos aspectos legais sobre direitos dos povos indígenas e unidades de conservação. Conseguimos reunir elementos importantes que irão auxiliar nos encaminhamentos a serem dados para o caso”, afirmou. A procuradora ressaltou ainda a necessidade de compreender o problema da pesca não somente pela ótica da fiscalização, mas sobretudo como uma questão de gestão do uso dos recursos pesqueiros.
A falta de diálogo entre as instituições voltadas à proteção do meio ambiente e dos indígenas foi mencionada na maioria das manifestações da plenária e dos componentes da mesa de debates. O antropólogo e pesquisador do Instituto de Desenvolvimento Sustentável da Reserva Mamirauá Rafael Barbi, afirmou ter alertado para o problema há anos e lamentou a necessidade de intervenção do MPF para provocar o diálogo entre órgãos ambientais e a Funai. “As unidades de conservação nessa região têm muito mais a função de regularização do uso por parte das pessoas do que a proteção ambiental. Há recursos para que todos utilizem de forma sustentável, não há motivo para conflitos. É preciso resolver esse impasse antes que ocorram casos de violência física”, disse.
O coordenador Regional do ICMBio 2 – Manaus, Sérgio Sá, destacou que a sobreposição de unidades de conservação federais e terras indígena atinge mais de 20% áreas protegidas de todo o país e informou que um grupo de trabalho atuante em Brasília se reúne mensalmente para buscar soluções para impasses como o vivido entre a Resex Auati-Paraná e a comunidade Maguari. Mais uma vez, o diálogo foi apontado como o caminho mais viável para chegar ao entendimento.
Compatibilização – A área em que está localizada a comunidade indígena Maguari, de acordo com a chefe da Coordenação Geral de Identificação e Delimitação da Funai em Brasília, Ester Souza, é objeto de reivindicação para demarcação da área como Terra Indígena Santa Maria do Inhambé e ainda está na fase preliminar de levantamento de informações, sem indicação de grupo técnico para elaborar os estudos de delimitação. Ela ressaltou que o processo de regularização fundiária é longo e demorado e alegou falta de pessoal para dar andamento célere a todas as demandas hoje existentes no órgão sobre demarcação de terras indígenas.
A gestora da Resex Auati-Paraná, Cláudia Barbosa, apresentou dados sobre o resultado do trabalho desenvolvido na região com as comunidades extrativistas e relatou casos de fiscalização que flagraram entrada de indígenas da comunidade Maguari na área da reserva sem autorização. Ela reconheceu que há dificuldades para estabelecer diálogo institucional e entre as comunidades e disse ver no diálogo a saída para solucionar o conflito. Questionada sobre a possibilidade de inclusão de representante indígena no conselho de gestão da reserva, Cláudia disse que atualmente não há assento, mas assumiu compromisso de levar para deliberação a proposta de participação de representante da comunidade Maguari no conselho deliberativo.
O coordenador local da Funai em Tefé, Tomé Fernandes Cruz, e o tuxaua da comunidade Maguari, Valdir Nogueira Moraes Filho, ressaltaram a presença centenária dos ancestrais do grupo que hoje vive na comunidade e reivindicaram a necessidade de garantir os direitos dos povos indígenas sobre os recursos naturais na área da reserva compartilhando com os ribeirinhos. Na condição de representante da Associação Agroextrativista Auati-Paraná, o pescador Isaac Castimares disse que os estudos e levantamentos feitos à época da criação da reserva não registraram reivindicação de nenhum grupo indígena na área abrangida.
Encaminhamento – De acordo com a procuradora da República Paula Cristine Bellotti, a audiência pública realizada em Tefé servirá como um marco no comprometimento das instituições envolvidas no conflito no sentido de atuarem corretamente em suas áreas. “O MPF vai atuar para que essas instituições assumam compromissos de participação da comunidade indígena na gestão da unidade de conservação e do efetivo exercício dos deveres da Funai em realizar os estudos necessários a delimitação e demarcação da terra indígena”, disse. Ela anunciou o envio de recomendações a esses órgãos nas próximas semanas para formalizar esses compromissos.