Isabela Vieira – Repórter da Agência Brasil
Remanescentes de quilombos sofrem racismo do Estado brasileiro, segundo a Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Para os especialistas, as decisões técnicas e políticas do governo federal estariam impedindo a regularização fundiária dessas comunidades, pilar de uma série de outros direitos. O racismo das instituições públicas é determinante para que os quilombolas continuem à margem da cidadania, denunciam os antropólogos.
Lançado no início do ano pela ABA, o abaixo-assinado na internet chama a atenção para as comunidades que aguardam por até dez anos uma definição do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), órgão responsável pela regularização das terras. Entre elas, a do Rio dos Macacos (BA) e a da Ilha de Marambaia (RJ), que convivem com bases da Marinha, instituição que recorrentemente entra com ações na Justiça para que as comunidades sejam despejadas ou para que não possam reformar as casas.
Segundo o coordenador do Comitê Quilombos da ABA, Osvaldo Martins de Oliveira, a regularização fundiária dos quilombos é um a garantia constitucional que não está sendo cumprida. Ele cobra atuação incisiva do Ministério Público Federal (MPF) para assegurar o direito à terra, do qual derivam os demais. “Sem o território, os quilombolas não podem desenvolver atividades produtivas e manter tradições socioculturais que asseguram sua existência e autonomia”, justificou.
A vice-presidenta da Associação de Comunidades Quilombolas do Rio de Janeiro (Acquilerj), Ivone Mattos, endossa a campanha da ABA. Ela acompanha a situação em Marambaia – antigo ponto de desembarque de negros escravizados na costa fluminense – e esclarece que sem os seus territórios os quilombolas tendem a permanecer sem condições de “vida livre, com dignidade e sem romper com as relações de trabalho precário, de racismo e de ausência de serviços públicos”.
Além de buscar uma solução para os casos em que há conflitos com as Forças Armadas em áreas quilombolas, a ABA cobra comprometimento político do governo com as demais comunidades. “No Espírito Santo, o proprietário saiu da terra, mas o Incra não o indenizou pela propriedade. Ele pediu reintegração de posse e a Justiça deu”, relatou Oliveira. Para o especialista, professor da Universidade Federal do Espírito Santos (Ufes), a falta de vontade política se traduz em racismo.
A coordenadora de regularização de terras quilombolas do Incra, Givânia Maria da Silva, confirmou que os processos são lentos porque há “interesses diferentes de órgãos do governo”. “O Incra não tem condições de tocar os processos sem a participação de outros órgãos em casos onde há sobreposição das comunidades e áreas das Forças Armadas ou unidades de conservação, por exemplo.” Sobre a comunidade no Espírito Santo, ela disse que o proprietário voltou atrás.
Givânia informou ainda que o Incra estabeleceu um grupo de trabalho para “dialogar” com as instituições de governo instaladas “de boa-fé” nas terras quilombolas e assegurou que o órgão “busca uma saída conciliada”. No caso das comunidades de Marambaia e do Rio dos Macacos, ela declarou que há avanço. “É verdade que não temos uma solução para Alcântara (Maranhão)”, completou, sobre a comunidade ocupada pela Aeronáutica e pela base de lançamento de foguetes. O Ministério da Defesa e a Casa Civil, que participam de reuniões periódicas com o Incra, foram procurados pela reportagem e ainda não se pronunciaram sobre as negociações.
A campanha da ABA ficará disponível na internet pelos próximos meses e depois a associação pretende entregar o documento em mãos para os órgãos de governo e para o MPF.
Edição: Andréa Quintiere.