ES – Poluição do ar: na audiência da sociedade civil, prevaleceu o apoio às poluidoras

Any Cometti, Século Diário

Juca, pequeno menino morador de Vitória, convive diariamente com o pó preto que suja seus pés, mesmo dentro de casa, o que faz com que sua mãe tenha que limpar a casa todos os dias. A poluição é provocada por dois grandes empresários, representados nas “gigantes” Vale e ArcelorMittal, que não são questionados pela mãe do Juca, que sofre com o trabalho doméstico excessivo, porque “geram empregos”. Na escolinha, em mais um dia de aula, vários colegas do Juca faltaram porque tiveram rinite e outros problemas respiratórios. À noite, no noticiário, o Juca ouve falar que as doenças respiratórias estão aumentando cada vez mais. Em ano eleitoral, no entanto, não se ouve falar nada sobre tudo isso. Os representantes dos órgãos supostamente ambientais e fiscalizadores nada falam, nada ouvem, nada veem. À noite, o Juca dorme, tranquilo, acreditando que seu futuro está garantido pelas “gigantes”. Só que elas pisam na cidade enquanto o Juca e toda a população dormem.

A história, com a qual a maioria dos moradores da Capital e da região metropolitana certamente se identificam, foi apresentada na forma de um curta metragem pelo grupo SOS Espírito Santo Ambiental, na quarta audiência pública sobre o pó preto, nessa quarta-feira (30) na Assembleia Legislativa. Deveria essa ser destinada à ótica da sociedade civil, como seu próprio tema sugeria. Entretanto, nunca se viu tanto apoio às poluidoras, que sequer vinham delas, mas de pessoas e órgãos que deveriam cumprir seu papel de representatividade social. Deveriam, mas não o cumprem.

Em determinado momento, o presidente da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), Marcos Guerra, chegou a exaltar que as empresas “não despediram seus funcionários durante uma queda na demanda”; que o estaleiro Jurong, “graças a Deus”, não foi transferido para outro Estado; e que a China, atualmente, é o grande concorrente não só do Espírito Santo, mas também do mundo – seria uma concorrente no quesito poluição, também?

Centralidade

O Ministério Público Estadual (MPES) esteve no debate representado pelo promotor Marcelo Lemos, que logo tomou as rédeas do processo, concedendo a Paulo Esteves a primeira fala e, depois, ainda convidando a empresa Ecosoft, na figura de seu representante Luiz Cláudio Santolin, a apresentar um estudo ainda incompleto sobre poluição do ar. Isso porque o deputado Claudio Vereza (PT), presidente da Frente Parlamentar Ambientalista e propositor das audiências públicas, compunha a mesa e parecia, até então, estar no comando da situação.

Paulo Esteves atualmente representa oito associações de moradores da Grande Vitória e é ex-funcionário da Vale, para a qual prestou depoimento positivo para a produção de um vídeo publicitário que foi exibido em uma audiência anterior. Ele defendeu a instalação das windfences na mineradora. Já a Ecosoft, depois de apresentar um sistema aparentemente razoável da influência dos poluentes na Grande Vitória, pediu ao MPES e ao Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) que, “com seu poder de polícia”, os ajudasse a conseguir os dados de monitoramento coletados pelas próprias empresas poluidoras no ano de 2012. Não à toa, teve a fidelidade de seu projeto questionada pelos cidadãos presentes.

Além de Paulo Esteves, do MPES e da Findes, compunham a mesa da noite o presidente do Iema, Tarcísio Foëger; Diane Rangel, secretária de Estado de Meio Ambiente; o vereador de Vitória, Serjão Magalhães (PSB); e Eraylton Moreschi Junior, do grupo SOS Espírito Santo Ambiental. A audiência pública também foi acompanhada, do plenário, pelo secretário de Meio Ambiente de Vitória, Cleber Guerra, e pelos gerentes de Meio Ambiente da Vale, Romildo Fracalossi, e da ArcelorMittal, Guilherme Abreu.

O SOS Ambiental, dessa vez, evidenciou a falha na afirmação de Romildo Fracalossi, da Vale, que disse desconhecer o aumento de 5g/m²/mês para cerca de 7g/m²/mês (40%) no material particulado que chegava à Ilha do Boi após implantadas na usina as tecnologias que prometiam redução do material particulado. O grupo expôs o e-mail enviado pela secretaria executiva do Grupo de Trabalhos Interinstitucionais (GTI) Respira Vitória a diversos contatos, o que incluía o representante da Vale, contendo a ata do dia em que esse estudo foi apresentado na reunião do GTI.

Moreschi ainda reforçou a confiança do grupo no sistema domus, referente ao enclausuramento total do processo produtivo dos pátios de carvão e minério de ambas as empresas da Ponta de Tubarão. O sistema já é usado pela Hyundai Steel, na Coreia do Sul, e foi encarado com bastante resistência pelos representantes das companhias – sobretudo da Vale -, que primeiro usaram o argumento de que a planta das empresas onde foi implantado o domus era nova, o que foi rapidamente contestado pelo SOS Ambiental.

A entidade mostrou que a planta da Hyundai era otimizada, e não nova; e depois insistiram em dizer que não há espaço para a instalação de tal proteção ao norte da Praia de Camburi. Assim, o SOS Ambiental finalizou a fala exigindo que a Vale apresente a proposta da instalação dos Domus, feita por empresa especializada e com aproveitamento das estruturas das windfences, até o dia 16 de abril, prazo para serem apresentados os planos para reduções de emissões.

Zero a zero

Que quase todos os deputados atuantes na Casa foram financiados pelas poluidoras que se dizem desenvolvimentistas e sustentáveis, todos já sabiam. Entretanto, o advogado Nelson Aguiar, doutorando em direito, evidenciou a informação em um discurso inflamado, após o microfone da audiência ser aberto ao plenário. Nelson também considerou que “o ser humano não está sendo levado em consideração” em toda essa falta de cerco às emissões e de zelo com a saúde pública, e levantou novamente a importância de instalar um painel com as medições em tempo real dos poluentes emitidos na Grande Vitória.

Outra denúncia séria foi feita por Sandoval Zigoni Junior, da Associação de Moradores da Mata da Praia. Ele relatou que Otacílio Coser, do Grupo Coimex (acionista da Rodosol e de outras 10 empresas), não enviou um convite que deveria ser enviado à associação para uma audiência pública com o Iema.

Ao deputado Cláudio Vereza, ficou a sugestão de Paulo Pedrosa, representante da Associação dos Amigos da Praia de Camburi (AAPC), de que seja instalada, após a série de audiências públicas, uma nova frente parlamentar especificamente para o caso do enclausuramento da Ponta de Tubarão.

Após o microfone aberto ao plenário, e com o relógio já marcando mais de 22h em dia de jogo do Flamengo – motivo de piada durante toda a reunião –, nenhum dos representantes da mesa quis se pronunciar, mesmo após as acusações e referências diretas ao Iema e às “gigantes”. A audiência foi encaminhada por um fim silencioso, se comparada às anteriores, em meio à pressa dos flamenguistas presentes, ansiosos pelo jogo, que ainda estava no zero a zero, da mesma forma como terminou mais um debate na Assembleia.

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