MG – Relatório sobre acontecimentos na comunidade de Brejo dos Crioulos

Síntese Cronológica dos Fatos, assinada por José Carlos de Oliveira Neto, Presidente da Associação Quilombola Brejo dos Crioulos;  Elcio Pacheco, da RENAP e OAB-MG; Paulo Roberto Faccion, da Comissão Pastoral da Terra; e Roberto Rainha, da Rede de Justiça Social/RENAP:

Há 12 anos, as famílias de Brejo dos Crioulos vêm lutando pela conquista/retomada de seu território localizado entre S. J. da Ponte, Varzelândia e Verdelândia, buscando de fato o direito garantido nas Leis e na Constituição vigente.

  1. A partir de 1999  tais famílias remanescentes de quilombolas  tentaram junto aos órgãos competentes o reconhecimento do direito à titulação e regularização de suas terras ancestrais. Todavia,  diante da morosidade do poder executivo federal, em abril de 2004, realizaram a 1ª tentativa de retomada de seu território na Fazenda São Miguel, com 400 famílias.
  2.  Do ano de 2004  até setembro de 2012, foram mais de 15 ocupações  na retomada de seu território, no entanto, sofreram  até agora em torno de 15 despejos realizados  por ordem,  seja,  da   vara agrária da justiça estadual estadual, seja,  da justiça federal.
  3. Na ocupação ocorrida no ano de 2007, dois quilombolas foram atingidos, por balas de armas pesadas de pistoleiros da referida fazenda, os quais tentaram contra a vida dos quilombolas, num  ato criminoso e descabido.
  4.  Outro episódio de  violência gratuita foi o  despejo ilegal, sem mandado judicial, realizado pela PMMG, na Fazenda Vista Alegre, de Albino Ramos.
  5. Nesse mesmo episódio, outros dois quilombolas foram levados presos para Janaúba, e antes, a PMMG, com os dois presos, passou  perante o fazendeiro demonstrando as prisões como se fossem um troféu.
  6. Tão absurda essa situação de violação às garantias constitucionais dos quilombolas, que  Isso fez com que  a CPT emitisse uma nota à sociedade chamando a PMMG de braço armado do latifúndio, agindo como Capitão do Mato.
  7. Não foi só isso, no mesmo período o  IEF/MG em conluio com o fazendeiro emitiu laudos falsos sobre a propriedade para conseguir que um Juiz federal emitisse posteriormente o despejo da área.
  8. Tal fato  foi objeto da audiência da CDH/ALMG no mesmo ano em Janaúba que culminou com um procedimento aberto pelo Centro de Apoio Operacional de Conflitos Agrários do Ministério Público de Belo Horizonte.
  9.  Nesses 12 anos, ocorreram várias ocupações quilombolas, várias denúncias foram realizadas pela CPT e publicadas em vários jornais, sobre as milícias armadas na região formadas pelos fazendeiros.
  10. Em 03/11/2008, foram entregues pelos quilombolas ao Delegado da Polícia Federal,  Dr. Marcelo Eduardo Freitas, 21 cartuchos de munição calibre 9mm, 05 cartuchos calibre 12 e 9 cartuchos calibre 380, todos deflagrados, coletados na Comunidade Furado Modesto em Brejo dos Crioulos,  após atentados praticados por pistoleiros.
  11. Desses fatos,   resultaram  em ações da Polícia Federal que encontrou nessas fazendas várias armas curtas e longas de calibres restritos e munições.  Prova disso, consta, inclusive,  nas notas taquigráficas da CDH/ALMG de 17/11/2011,  ditas pelo Delegado da Polícia Federal, Dr.  Pedro Dias.
  12. Em 02 de junho de 2009, vem  à tona a história do Fazendeiro Raul Ardito Lerário, com a qual se demonstra  que um pistoleiro de sua fazenda, José dos Reis Rodrigues, aparentado de Roberto Carlos Pereira, matou atacando pelas costas, o Senhor Lídio Ferreira Rocha, irmão de Francisco Cordeiro Barbosa – Ticão, vice-presidente da Federação Quilombola de Minas Gerais. Vele destacar, que o processo penal número TJMG: 062409017967-9 e numeracão unica: 0179679.79.2009.813.0624,  está paralisado desde então, só havendo audiência de instrução e julgamento sobre esse homicídio em  agsoto de 2013. Verificou-se que o homicidio do quilombolas Lidio, ficou parado nos escaninhos do Fórum de São João da Ponte  por 4 anos,  sem a atenção devida pelo Ministério Público e  justiça local, sendo que o acusado, jagunço do Fazendeiro Raul,  responde tal processo na justiça e  nunca teve  a sua prisão  preventiva decretada, uma vez que a vítima, era pobre e  negra.
  13. Em novembro de 2009 os quilombolas ocuparam a fazenda de Raul Ardito Lerário, e paralelamente conseguem uma audiência no INCRA Nacional, resultando que,       em janeiro de 2010 o processo administrativo de desapropriação do território negro,  foi encaminhado à Casa Civil da Presidência da República, para fins de encaminhar a desapropriação do território.
  14. Neste período várias denúncias de presença de milícias armadas na região foram denunciadas publicamente, seja através de audiências realizadas pela CDH/ALMG, seja pelas redes sociais ou até mesmo pela imprensa.
  15. No dia 20 de agosto de 2011, Roberto Carlos Pereira, pistoleiro, que trabalhava há mais de 20 anos, sem registro ou contrato de trabalho, para Raul Ardito Lerário, esfaqueia Edimilson Lima Dutra – Coquinho, liderança quilombola.
  16. Coquinho foi internado às pressas em estado grave no Hospital de Brasília de Minas e por sorte não veio a falecer.
  17. Salienta-se,  que Roberto andava armado e já tinha feito ameaças de morte aos moradores de Brejo dos Crioulos, inclusive a Zé Mário conforme noticia o  BO 1122 REDS 2011-001486740-001.
  18.  Pelo  Inquérito Policial  n. 1164086  foi pedida a  prisão preventiva de Roberto Carlos Pereira e outros, que foi indeferida pela justiça local.
  19. No dia 26 de setembro de 2011 em torno de 200 quilombolas acampam na porta do Palácio do Planalto em Brasília, para pressionar a presidenta Dilma Rousseff a assinar o decreto de desapropriação do território, após 11 anos de luta e na quinta feira, dia 29/09/2011, em torno das 18 horas o decreto é assinado pela presidenta.
  20. Em Brasília/DF,  várias denúncias sobre as milícias armadas no território foram realizadas em diversos órgãos, inclusive pedindo apurações sobre a tentativa de assassinato de Coquinho (EDMILSON DE LIMA DUTRA) quilombola.
  21.  No Relatório  da Operação Vereda de 25/11/2011 a Delegada de Januária,  Dra. Andréa Pochmann,  que investigou, verificou e constatou in loco, presença de milícias armadas, para guardar propriedades, a qualquer custo, inclusive com assassinatos, alertou sobre a tensão no território quilombola. Neste relatório constatou-se  que Raul Ardito Lerário, Miguel Véo Filho, Albino Ramos, e João Gonçalves Godim,  são os fazendeiros que financiam os jagunços;  Alexandre Aguiar – Lixandão,  que é o chefe e mentor da milícia, Verício Fernandes – Virissão, Raimundo Alves Pereira, Véi Tim, Fabim de Jaíba, Original, Antonio Fernandes Souza – Tonin, Lucídio e por último, Roberto Carlos Pereira.
  22. A Ilustre Delegada, ajuíza então, Pedido de Busca e Apreensão nas 4 fazendas e pede a Prisão Temporária dos 4 Fazendeiros e 9 Pistoleiros. Instado a se manifestar, o Ministério Público local, opina e  se posiciona contrário ao pedido de prisão e favorável ao pedido de busca e apreensão, resultando, então que o judiciário local indefere ambos os pedidos.
  23. No dia 14 para 15  de setembro de 2012, Roberto Carlos Pereira é alvejado por disparo de arma de calibre menor, vindo a falecer no dia 15 de setembro no Hospital de Brasília de Minas.
  24.  No dia 21 de setembro de 2012,  o Delegado, Dr. Fernando dos Santos Anjo Elias,  representa pela  prisão preventiva de 9 quilombolas, conforme  Inquérito Policial  n. 1815772 e no mesmo dia às 13:07 o Juiz Marcos Antônio Ferreira  decreta as nove prisões e Coquinho já tinha sido preso nas primeiras horas daquela  manhã sem mandado judicial.
  25. Em setembro de 2012,  os quilombolas tiveram uma reunião com o Presidente do Incra Nacional e tiveram uma reunião com assessor do Ministro Chefe da Casa Civil,  Gilberto  Carvalho, relatando tais fatos e ficou  acertado que em Dezembro de 2012 seriam entregues aos quilombolas 6 fazendas maiores.  e o restante seriam entregues no primeiro semestre de 2013.
  26. Numa audiência realizada pela Comissão de Direitos Humanos da ALMG em S.J. da Ponte em dezembro de 2012,  o Superintendente do INCRA/MG,  avisou que ajuizaria as ações naquela data. Até hoje apenas 3 ou 4 fazenda foram desapropriadas, permanecendo o restante do território  no processo de desapropriação parado numa gaveta qualquer da AGU.
  27. Cansados das promessas mentirosas dos agentes públicos,  os quilombolas ocuparam a Fazenda São Miguel dentro do território e que está com mandado de despejo. Uma carta foi enviada e recebida pela Presidenta da República, determinando medidas concretas,  já que até então sua assinatura do decreto de desapropriação,  expedia há quase dois anos depois,  não tem tido até então nenhuma serventia, podendo tal decreto  caducar.
  28. Esses relatos acima descritos são fatos e não meras especulações. Se analisarmos a cronologia dos acontecimentos, veremos que todo esse ocorrido se deve a um conflito agrário existente, que por diversas vezes denúncias foram trazidas solicitando intervenções do Estado. Este Estado (Ministério Público Local e Judiciário Local) se mostra tratar diferenciadamente quando o réu é pobre e negro,  e quando os verdadeiros criminosos São ricos e  endinheirados.
  29. Roberto Carlos Pereira foi  também negro e pobre (Pistoleiro de fazendeiro, 20 anos sem registro de empregado, representante do fazendeiro). Sua morte deve ser apurada e o responsável deve ser julgado e pagar pelos seus atos. A Comissão Pastoral da Terra defende a VIDA. Se outras prisões aos fatos anteriores relatados tivessem acontecido teríamos chegado a esse ponto?  Essa história real mostra que todos os acontecimentos estão relacionados ao conflito agrário e é resultado principalmente da:

         a)  Inércia do governo federal em titular este território;

      b) De uma justiça (poder judiciário local, Ministério público local, Vara de Conflitos Agrária e polícias locais) que negou durante todos esses acontecimentos os direitos dessa população negra.

NOVOS FATOS:

  1. No INQUÉRITO POLICIAL n. PCNET 2011-624-000800-001-000989463-27 – FATO REDS 2011-000771025-001, pelo qual a Policia Civil ajuíza ação com requerimento de busca e apreensão de armas e prisão temporária, de fazendeiros e jagunços, e  que restou  indeferido pela Justiça da Comarca de S. J. da Ponte, ocorreram fatos novos após dita ação. Resta claro que houve a seguir,  prisão em flagrante delito por porte  de armas de jagunços em 15/09/2012, conforme se pode  notar no Boletim de Ocorrência da PMMG,  n. M1276-2012-0001516 e  no auto de prisão em flagrante delito – APFD e AUTO DE APREENSÃO, n. PCnet: 2012-624-000799-005-001815737-63 – FATO REDS: 2012-001912613-001.
  2.  No dia 16/09/2012, conforme BOPM n. M1276-2012-0001519, foram apreendidas armas de fogo com pessoas também ligadas aos jagunços e fazendeiros da região.
  3.  Nota-se que, com o indeferimento das prisões requeridas pela Delegada Dra Andréa Pochmann, os envolvidos se sentiram à vontade e continuaram com ameaças contra os quilombolas no Brejo dos Crioulos, ostentando armamento e portando armas em flagrante desrespeito às leis e  desafiando os cidadãos quilombolas e às autoridades locais.
  4. Nesse sentido torna-se mais do que urgente retomar as medidas adotadas pela policia civil no sentido de requerer a prisão dos infratores bem como dos seus mentores.
  5. Verifica-se, nitidamente, que há tratamento desigual por parte da justiça e  do executivo,  na questão da violência que vem ocorrendo no território quilombola. Veja que o homicídio contra vida de Lidio (quilombola) demorou quatro anos para a primeira fase do processo,  e o acusado,  o jagunço que é da fazenda de Raul ( um rico latifundiário de São Paulo) nunca foi molestado pela policia e responde ao processo solto, apesar de ter sido reconhecido por várias testemunhas e ostentar a fama de violento. Já o homicídio contra o jagunço ROBERTO, do mesmo fazendeiro Raul, ocorrido em 15/09/2012, a justiça local decretou a prisão preventiva de 9 quilombolas em 10 dias,  mesmo sem ter prova concreta da participação destes no crime. mesmo com a defesa dos quilombolas ter impetrado 4 habeas corpus, os quilombolas encontram-se presos e pronunciados ha mais de 365 dias, havendo nítida violação das garantias fundamentais da  presunção de inocência, devido processo legal, ampla defesa e forte coação ilegal do TJMG,  quanto ao excesso de prazo na manutenção da prisão provisória.
  6. Por fim pede-se,  a tomada de medidas urgentes  para a garantia dos direito humanos dos presos.

 São João da Ponte/MG, 26 de setembro de 2013.

Enviado por Élcio Pacheco para a lista do Cedefes.

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