MP, Defensoria e OAB suspeitam de prisões sem provas em protestos

Suspeitas de formação de quadrilha, desacato e outras são questionadas. Polícia Militar diz que objetivo das detenções é identificar criminosos

Tahiane Stochero – Do G1, no Rio

Casos de pessoas presas por crimes como formação de quadrilha, incitação à violência, vandalismo, ataque a policias e desacato durante as manifestações no Rio estão sendo apurados por Ordem dos Advogados do Brasil, Defensoria Pública e Ministério Público sob suspeita de não terem fundamento ou terem ocorrido sem provas.

Os manifestantes alegam que foram detidos arbitrariamente e conduzidos à delegacia sem informações. Dizem também que foram ameaçados caso não pagassem a fiança em alguns casos.

A Polícia Militar diz que as detenções ocorrem com o objetivo de identificar quem pratica atos criminosos e ataques. Em nota, afirma que “a PM trabalha também para robustecer as provas com vistas a subsidiar o trabalho do Ministério Público” e que “reitera seu compromisso em garantir a segurança das pessoas que se reunirem para manifestações pacíficas, bem como de seus profissionais” (leia a íntegra).

Já a Polícia Civil diz que os casos são analisados separadamente pelo delegado.

Considerando apenas os últimos dois atos desde que os protestos começaram em junho, 22 pessoas foram detidas: 8 em Laranjeiras, no dia 22, e 15 no Leblon, no dia 17, na porta da casa do governador Sérgio Cabral.

De todos os presos em junho e julho, apenas dois foram denunciados pelo MP por emprego de artefato explosivo, dano ao patrimônio e outros crimes. O Tribunal de Justiça informou que ainda não foi notificado da denúncia do MP nesses dois casos.

“Temos observado nas ruas, nas delegacias, prisões sem fundamento, em que não está sendo preservada a lei e muitos manifestantes são conduzidos sem provas. A OAB tem observado exagero. A polícia não está prendendo quem deveria prender”, afirma o vice-presidente da OAB-RJ, Ronaldo Cramer.

Entre os casos de prisões a ser investigadas, Cramer cita que, em uma das supostas quadrilhas presas por vandalismo, havia dois mendigos, dois moradores de outro estado e duas pessoas de regiões distantes no Rio. “Havia evidências de que tinha algo de errado ali”, diz ele.

Para tentar identificar possíveis criminosos nos protestos, o governador do Rio de Janeiro criou uma comissão composta por integrantes de diversos órgãos e que teria poder de solicitar às empresas de telefonia e de internet informações e troca de telefonemas e mensagens de suspeitos investigados. Após questionamentos sobre a constitucionalidade do decreto, Cabral mudou o texto (leia reportagem).

Veja a seguir casos detenções que OAB, Defensoria e MP estão acompanhando:

17 de julho: formação de quadrilha
Seis pessoas foram levadas à delegacia sob a suspeita de formação de quadrilha por supostamente estarem depredando bancos durante protesto no dia 17.

Na ocasião, depois que um protesto que começou pacífico, houve um confronto entre PM e manifestantes em frente à casa do governador Sérgio Cabral e, na sequência, vândalos destruíram lojas e bancos em Leblon e Ipanema.

“Nos conhecemos na delegacia, quando os outros integrantes da minha quadrilha chegaram”, brinca o estudante de direito Renan Santos, de 30 anos, um dos detidos no caso, que ainda está sob análise em inquérito da 14ª Delegacia de Polícia (Leblon).

Na suposta quadrilha deles, há três professores. Um deles é Carla, de 28 anos, que leciona geografia e é mestranda na Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Um menino, que depois eu fui descobrir que era da minha mesma quadrilha, já estava no carro da polícia quando me mandaram entrar no camburão”, diz ela, que pediu para não ter o sobrenome divulgado.

“O crime de formação de quadrilha exige que haja uma formação estável de um grupo para praticar um crime. A princípio, não é o caso deles, que eram pessoas que não se conheciam antes, nunca trocaram telefonemas, não são nem amigos nas redes sociais. Que quadrilha é essa?”, questiona o defensor público Rodrigo Azambuja. Ele ainda não recebeu o depoimento dos PMs, que são as testemunhas do caso.

Carla reclama que PMs mentiram sobre o local correto prisão. O registro aponta que o grupo estava na Visconde de Pirajá, mas a detenção ocorreu na Rua Redentor, dizem eles.

“Eu estava no protesto na frente da casa do Cabral pacificamente até que a PM começou a atirar bombas de gás e dispersar. Corri de três carros policiais e, inclusive, perdi meu marido no percurso. Fui atingida por uma bala de borracha na perna e me refugiei em frente a um prédio na Redentor quando os PMs me agrediram e jogaram no chão. Só fiquei sabendo pelo que estava presa ao chegar na delegacia, quando um advogado da OAB falou que eu deveria pagar R$ 700 por formação de quadrilha”, afirma.

Ela recebeu a recomendação para pagar a fiança e lembra ter sido ameaçada por policiais: caso não pagasse, seguiria para a Penitenciária de Bangu. Segundo Ronaldo Cramer, o pagamento da fiança é um procedimento legal e o advogado analisa a situação no momento. A defensoria entende como uma garantia ao processo e que, caso comprovada a inocência, o dinheiro pode ser pedido de volta.

Para conseguir o dinheiro da fiança de dois filhos presos na mesma suposta quadrilha, Alexandre Ribeiro rodou o Leblon na madrugada atrás de caixas eletrônicos que estivessem operando, pois todos haviam sido destruídos por vândalos durante a manifestação.

Um dos filhos – Atre, de 18 anos – é professor de ioga e ator. O outro, Ananda, de 27, é professora de música. Ambos pediram para não ter o nome completo divulgado. “São uma quadrilha de professores que não pula quadrilha nem de festa junina”, brinca Ribeiro.

Atre foi alvejado por uma bala de borracha próximo ao olho e, colocado no chão, teve o rosto pisado por um policial – um tenente que, segundo a defensoria, já possui outras denúncias por abuso de autoridade nos protestos. “Não cometemos crime algum, só estamos ali nos abrigando do gás”, diz ele. “Agiram com covardia. Se quisessem, poderiam identificar quem estava quebrando. Eram grupos bem separados – quem veio para quebrar, quem veio para ser pacífico. Muitos PMs ficaram olhando sem fazer nada”, relembra Ananda.

“Não nos conhecíamos e a polícia resolveu que éramos uma quadrilha simplesmente porque nos abrigamos em frente ao mesmo prédio. Meus colegas de quadrilha eram mais jovens do que eu, de diferentes classes sociais e não se conheciam entre si. Um perigo para a sociedade”, afirma a professora Carla.

Os jovens lembram que, quando estavam na delegacia, outro manifestante, sozinho, chegou preso por formação de quadrilha. Um advogado voluntário que estava no momento até teria brincado: “Ele é uma quadrilha de um só. E os parceiros dele? Evadiram-se?”.

Questionada, a PM não se manifestou sobre o caso de formação de quadrilha dos seis jovens que dizem não se conhecer.

No dia seguinte àquela manifestação, a cúpula da segurança do Rio deu entrevista e reclamou de atitudes dos manifestantes, em resposta a críticas publicadas na imprensa sobre os suspostos excessos da PM. “É mijo o que eles jogam em cima da gente. Cospem na nossa cara. Nós somos, também, cidadãos. Estamos para dar segurança a todos vocês. Inclusive para a imprensa. E nós não estamos tendo apoio dos senhores também”, disse o coronel Erir Ribeiro, comandante da PM. “Se a PM não estiver ali, é anarquia. E todos têm que ter responsabilidades. Todos nós. Não brinque com o que está acontecendo, não. Ninguém sabe o que está por trás. Niguém sabe. Então, a responsabilidade da mídia é muito grande”, acrescentou (leia mais).

22 de julho: Mídia Ninja
Já na segunda-feira (22), após a recepção ao Papa Francisco no Palácio Guanabara, um tumulto terminou com um menor apreendido e outras sete pessoas detidas, entre eles dois integrantes da chamada Mídia Ninja, um grupo que tem se dedicado a transmitir as manifestações, ao vivo, pela internet.

Integrante da Mídia Ninja, Filipe Gonçalves registrou a própria prisão com um celular, transmitindo-a ao vivo pela internet (assista). O vídeo mostra uma discussão com um tenente da PM, que afirma: “Existem indícios de que você está participando de incitação do movimento”. O tenente afirma que Gonçalves não está sendo preso, acusa o Ninja de calúnia e afirma que pode prendê-lo por desacato porque “virou as costas para um funcionário público em serviço”.

Outro integrante da Mídia Ninja detido no dia foi Filipe Peçanha, que relata: “Na hora em que me prenderam, o PM disse apenas que eu tinha que ir para delegacia para uma vistoria de averiguação. Só me deram este argumento. Quando chegou na hora que falaram que estávamos incitando a violência. Recebemos um excelente suporte da OAB e dos policiais civis que nos atenderam. Os vídeos, as análises que eles fizeram, mostraram que não se constatou que estávamos incitando nada”.

A Polícia Civil informou que o delegado de plantão da 9ª Delegacia de Polícia (Catete) autuou os cinegrafistas da Mídia Ninja “por incitação ao crime de acordo com o depoimento dos policiais militares”. Disse também que não há determinação da chefe geral, Martha Rocha, para que suspeitos conduzidos pela PM sejam enquadrados por formação de quadrilha em bando, mas que isso só ocorre se “as pessoas estavam reunidas para praticar um crime”.

Segundo o órgão, os casos são analisados separadamente, dependendo do depoimento das testemunhas e das provas. Às vezes, diz a assessoria, o delegado avalia que não há indícios para o registro da prisão. Quando há, um inquérito é aberto para futuro indiciamento, se for comprovado o crime.

O outro detido no dia 22 foi Bruno Ferreira Teles, de 27 anos, preso em flagrante por supostamente jogar um coquetel molotov contra a polícia. Ele foi libertado depois de obter um habeas corpus.

Ele diz que estava com uma câmera filmando a manifestação pacificamente e pediu ajuda a pessoas que filmaram ele correndo da polícia para provar que não estava com o artefato nas mãos (veja vídeo).

O desembargador Paulo Baldez liberou Bruno ao entender que, “nos autos existem duas versões distintas para os fatos” e, que a prisão de Bruno “não apresentou fundamentação idônea e concreta que a justifique”. A prova do crime não foi apresentada na delegacia.

O advogado Carlos Eduardo Cunha da Silva, que defende Bruno, diz que ele foi preso sem provas e que o desembargador que concedeu o habeas corpus entendeu que “não havia argumentos legais para mantê-lo preso, não havia nada de concreto, pois nada foi apreendido”. “Essa é a versão dele, que ele não tinha nenhum artefato. E isso vai ser provado em juízo. O que queríamos era que ele respondesse em liberdade, e já conseguimos. Estamos reunindo vídeos e outras provas que mostram que ele não portava isso”, diz o advogado. Segundo ele, Bruno mora em Duque de Caxias e é voluntário em um projeto comunitário.

A PM informou que as prisões durante a manifestação na recepção ao Papa foram para identificar suspeitos e que manifestantes atiraram coquetel molotov, queimando dois policiais. Segundo a PM, dados de um policial que realizou a prisão de um cinegrafista foram expostos, colocando em risco a família dele. A corporação não se manifestou sobre os outros casos.

Conforme o MP, os inquéritos sobre as prisões realizadas durante as estão sendo acompanhados pelas promotorias criminais e um promotor da Auditoria Militar apura possíveis excessos cometidos.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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