Carta enviada por ativistas do Movimento Negro solicitando a audiência com a Presidenta Dilma Rousseff, realizada ontem

Dilma e movimento negro

À Excelentíssima Senhora Dilma Rousseff, Presidenta da República
Ao Senhor Gilberto Carvalho, Secretário Geral da Presidência da República

Ativistas do Movimento Negro Brasileiro reuniram-se em Brasília, nos dias 6 e 7 de julho de 2013, com o objetivo de promover uma avaliação da conjuntura nacional, em reflexão e escuta com a SEPPIR. Entre os resultados do encontro, definiu-se como ação de máxima urgência o agendamento de uma audiência com a Presidenta da República, Excelentíssima Senhora Dilma Rousseff, juntamente com um conjunto de Ministros/as, para que as demandas da população negra sejam apresentadas e discutidas de modo amplo e articulado.

É certo que nos últimos dez anos a sociedade brasileira tem se reorganizado como nação, fato que se verifica desde a promulgação do Decreto n. 4887/2003, que regulamenta o Artigo 68, sobre a titulação/regularização territorial das comunidades quilombolas; até o Estatuto da Igualdade Racial (Lei n. 12.888/2010); a Lei Nacional de Cotas nas Universidades Públicas (Lei n. 11.711/2012); e a Emenda Constitucional n. 72, que estendeu aos empregados domésticos vários direitos já garantidos aos demais trabalhadores urbanos e rurais. Entretanto, os dados da desigualdade não deixam dúvida quanto à necessidade de que muito seja feito para que políticas reparatórias possam reverter as consequências dos séculos de escravidão e dos encaminhamentos injustos dos pós-abolição. É inaceitável que o Estado e os órgãos de governo convivam tão bem com o racismo institucional.

De tal sorte, lideranças negras ressaltaram a necessidade de diálogo com a Presidenta, uma vez que as várias das grandes questões que impactam a vida de 51,7% da sociedade brasileira, o segmento negro, ainda não foram devidamente incluídas nas pautas até agora respondidas aos movimentos sociais pelo Governo Federal. Entre essas, destaca-se uma série de políticas que estão ameaçadas:

  • Estatuto Geral das Religiões no Brasil ? Por conta dos seguidos crimes de intolerância religiosa no país, que se fortalecem pela presença e a institucionalização de alianças neopentecostais conservadoras no âmbito do governo, é urgente que a Presidência da República, em respeito à laicidade e à diversidade religiosa nacional, priorize um marco regulatório nesta área, pois os crimes de ódio religioso nos atingem simbólica e politicamente; criminalizam práticas, crenças e vivências seculares, levando sacerdotisas e sacerdotes a profundo sofrimento em muitas Comunidades e Terreiros Brasil afora. O debate, nesse sentido, direciona-se para a interlocução com a Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República e o Ministério da Justiça.
  • A implementação das Leis n. 10.639/2003 e n. 11.645/08 – O fortalecimento desta agenda é indispensável para que a sociedade brasileira tenha garantido o direito de conhecer, incorporar e se orgulhar do legado civilizatório erguido pelas gerações de africanos sequestradas, por três séculos, do continente africano e pelas gerações de afro-brasileiras que aqui nasceram. A mudança no pensamento nacional promovida nesse sentido tende a fortalecer, a curto e médio prazos, as lutas contemporâneas contra a desumanização das pessoas negras e indígenas no Brasil, a autoestima dos indivíduos e grupos historicamente discriminados, assim como conter os impactos nefastos do ódio contra as religiões e outras expressões culturais de matriz africana. A interface com o Ministério da Educação é, portanto, imprescindível.
  • Terras Quilombolas – A PEC 215, que tramita no Congresso Nacional, visa retirar o poder da FUNAI, do INCRA e de outras instâncias do Poder Executivo de promover a demarcação, a certificação e a titulação de comunidades quilombolas, reservas de terras indígenas e unidades de conservação; e tornar isso uma competência exclusiva do Congresso Nacional. Isso nada mais é do que uma gravíssima ameaça aos territórios quilombolas por fazendeiros, grileiros, empresas do agronegócio, empreendimentos governamentais e forças militares, a exemplo dos Territórios de Rio dos Macacos, na Bahia; da Comunidade de Marambaia, no Rio de Janeiro; e da Comunidade Alcântara, no Maranhão. Simultaneamente, urge que se realizem ações de promoção do etnodesenvolvimento sustentável nas comunidades quilombolas, de modo a assegurar a assistência técnica adequada à realidade e em diálogo com as representações locais, priorizando a produção para o autossustento e colaborando para que se comercializem gêneros agroalimentares produzidos nas comunidades quilombolas, via compras institucionais do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Quanto a isso, destaca-se a interlocução com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, bem como um trabalho de assessoria parlamentar.
  • Marco Regulatório da Comunicação e Mídia no Brasil – O estabelecimento de uma lei de mídia democrática é indispensável para se fazer frente aos casos de violação dos direitos da população negra em todo o território nacional. É imprescindível que o Estado tenha um instrumento que auxilie os/as cidadãos/ãs a se defenderem dos programas sensacionalistas, de base criminalizante, que se alimentam de invasões a residências, carceragens e espaços públicos, reforçando imagens depreciativas das pessoas, em sua maioria negra. Além disso, é preciso que se fortaleça uma ação de combate ao monopólio dos meios de comunicação nas mãos de grandes empresários e se garanta a diversidade nacional entre aqueles que produzem comunicação. Tal agenda implica o estabelecimento de um trabalho conjunto com os Ministérios das Comunicações e da Justiça, e a SEPPIR.
  • Acesso e qualidade dos serviços de saúde – Dados oficiais registram que 70% dos usuários do SUS são negros (pretos e pardos). O colapso na prestação dos serviços de saúde, portanto, impacta em cheio a população negra. O reconhecimento da baixíssima qualidade, da limitação do acesso aos serviços públicos ofertados, e das ações violentas alimentadas pelo racismo institucional na saúde justificam a exigência do Movimento Negro pela criação imediata de uma Área Técnica de Saúde da População Negra no Ministério da Saúde, de modo a fortalecer institucionalmente os objetivos da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra.
  • Regularização e fortalecimento dos Programas de Proteção a testemunhas e dos Programas Nacionais de Defensores/as de Direitos Humanos – Trata-se de medidas fundamentais, assim como o enfrentamento ao mecanismo da tortura e ao genocídio da juventude negra, por esses problemas serem inadmissíveis num Estado democrático de direito. Nesse sentido, o Movimento Negro aponta para a necessidade de um diálogo imediato com a Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República.
  • Reforma Política ? O Movimento Negro Brasileiro, que historicamente tem assumido uma postura de fazer o Brasil avançar nos desdobramentos da Constituição Cidadã de 1988, pauta a Reforma Política como elemento central na agenda democrática brasileira, pois tem o entendimento de que, sem a participação equilibrada de todos os segmentos étnico-raciais que compõe nossa sociedade, não é possível garantir a equidade no poder, fazendo com que o país efetivamente tenha nas esferas do Executivo, Legislativo e Judiciário a representação diversa presente na sociedade, num cenário em que tem sido o Movimento Negro um dos sujeitos políticos que, com a pauta da Reparação Racial, forçou nos últimos vinte anos que o Brasil fosse inteiramente repensando institucionalmente para incluir as demandas das maiorias.

Por nós, população negra brasileira, pela nossa ancestralidade e pelos negros e negras que ainda vão nascer, solicitamos à Presidenta do Brasil que promova o quanto antes esta audiência, convide seus/suas ministras, em reafirme o compromisso de transformar as pautas mencionadas em políticas de Estado.

Respeitosamente,

Reconhecendo a amplitude e a diversidade do Movimento Negro Brasileiro, assinam tão somente como elaboradores/as desta carta:

Amauri Pereira – Instituto de Pesquisa Negra (IPCN) – RJ
Ana Flávia Magalhães Pinto ? Coletivo Pretas Candangas e Campanha A Cor da Marcha – DF
Cida Abreu – Secretaria Nacional de Combate ao Racismo do PT
Durval Azevedo – Instituto Cultural Steve Biko – BA
Flávio Jorge – Soweto / Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN) – SP
Gilberto Leal – Nigen Okan / Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN) – BA
Ivana Claudia Leal Souza – Movimento Negro Unificado (MNU) – GO
Ivanir dos Santos – Centro de Apoio a População Marginalizada (CEAP) – RJ
Luiz Carlos Oliveira – Centro de Estudos da Cultura Negra (CECUN) – ES
Marcos Rezende – Coletivo de Entidades Negras (CEN) – BA
Maria Lúcia da Silva – Instituto AMMA Psique e Negritude e integrante da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) – SP
Maria Noelci Homero – Maria Mulher – Organização de Mulheres Negras – RS
Nilma Bentes – Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (CEDENPA) – PA
Nuno Coelho – Agentes de Pastoral Negros (APNs) – SP
Reginaldo Bispo – Movimento Negro Unificado (MNU) – SP
Sueide Kinte – Instituto Flores de Dan (Comunicação) – BA
Valdísio Fernandes – Instituto Búzios – BA
Vilma Reis – Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra da Bahia (CDCN) e CEAFRO – Educação para a Igualdade Racial e de Gênero

Brasília, 15 de julho de 2013.

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