A Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares no Ceará, RENAP-CE, reuniu-se hoje de tarde com o Presidente da OAB-CE, Dr. Valdetário Monteiro para entregar representação denunciando violações das prerrogativas de advogados(as), nas apreensões de manifestantes nos dias 20 e 27 de junho de 2013. A representação é assinada por 32 advogados (as) e traz desde empecilhos ao livre acesso à delegacia, em alguns momentos, como o cerceamento de acompanhar o depoimentos de policiais militares condutores, e ainda de conversar com adolescentes apreendidos.
A RENAP-CE também denuncia que advogados (as) foram impedidos de chegar ao 16 Distrito Policial de carro, no dia 27/06, tendo que caminhar alguns quilômetros, porque seus carros não eram autorizados a entrar no perímetro da FIFA. Ressalta a Rede que a legislação que trata das Copas só fala de restrição de perímetro para o comércio e não poderia limitar a locomoção de advogados (as) no exercício da advocacia.
A RENAP-CE teme que episódios como estes sejam repetidos em outras manifestações ou durante a Copa do Mundo. Leia abaixo a representação:
Exmo. Sr. Dr. Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção Ceará
Representação
Assunto: Violação do Acesso à Justiça pelo desrespeito às prerrogativas dos (as) advogados (as) na defesa das manifestações democráticas.
A Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares no Ceará é articulação informal de assessores jurídicos a movimentos populares, na defesa da Democracia e de Direitos Humanos Fundamentais. Neste sentido, colocou- se, junto com a Defensoria Pública do Estado do Ceará, ao lado da população vulnerabilizada diante da opressão da força do Estado, em coibir as manifestações populares das últimas semanas. Destarte, vem REPRESENTAR, por meio dos (as) advogados (as) abaixo-assinados, em face do Coronel Francisco Bezerra, Secretário de Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará; do Coronel Werisleik Pontes Matias – Comandante Geral da Polícia Militar do Estado do Ceará; Dr. Luiz Carlos de Araújo Dantas, Delegado Geral da Polícia Civil do Estado do Ceará; Dra. Ana Cristina Lima, delegada da Polícia Civil do Estado do Ceará; Dr. Vitor Cosmo Ciasca Neto, Presidente da Autarquia Municipal de Trânsito, serviços Públicos e Cidadania- AMC.
A atuação dos integrantes da RENAP-CE na defesa dos presos políticos das manifestações encontra-se em sintonia com a finalidade da Ordem de defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas (art. 44, I, da Lei 8.906, de 1994). Cercear ou dificultar a atuação da advocacia termina por violar a Constituição Federal não só porque o(a) advogado (a) é indispensável à administração da justiça (art. 133, da CF); mas também que, por consequência, prejudica a garantia de Acesso à Justiça dos (as) manifestantes (art. 5º, XXXV, da CF), por se obstaculizar as suas defesas jurídicas.
Nas apreensões realizadas pela Polícia Militar e Civil do Estado do Ceará, ocorridas após a manifestação do dia 20 de junho de 2013, advogados (as) tiveram dificuldades para entrar no 2º Distrito Policial, em Fortaleza-CE, e acompanhar as pessoas ilegalmente detidas. Na ocasião, a justificativa dada pela força policial era que precisava de ordens superiores para autorizar a entrada. A Dra. Stella Maris Nogueira Pacheco OAB-CE 25.643, narra que ao chegar foi impedida, mesmo tendo se apresentado como advogada, com a alegação de que só poderia entrar após a chegada do delegado titular chegasse. Após Isto ocorreu, dentre outros profissionais, com o Dr. Henrique Botelho Frota, OAB-CE 18.477 e Dr. Rodrigo de Medeiros Silva, OAB-CE 16.193 de num primeiro momento também serem barrados de entrar na delegacia. Só depois de algum tempo e insistência que conseguiram entrar para realizar o seu mister.
Nas apreensões ocorridas no dia 27 de junho de 2013, os advogados Dr. Francisco Carlos Mourão Neto, OAB-CE 23.967, Dr. João Alfredo Telles Melo, OAB-CE 3.762, Dr. Marcio José de Souza Aguiar, OAB-CE 15.941, Dra. Maria Gabriela Lima OAB-CE 23.220, Dr. Rodrigo de Medeiros Silva, OAB-CE 16.193 e Dr. Walber Nogueira da Silva, OAB-CE 16.561 foram impedidos de chegar de carro ao 16º Distrito Policial, na Av. Alberto Cravero, em Fortaleza-CE, ficando obrigados a andar alguns quilômetros. A fundamentação apresentada pelos agentes da Autarquia Municipal de Trânsito, serviços Públicos e Cidadania- AMC foi que o veículo utilizado não tinha autorização para passar pelo perímetro da FIFA:
Art. 2o Para os fins desta Lei, serão observadas as seguintes definições:
I – Fédération Internationale de Football Association (FIFA): associação suíça de direito privado, entidade mundial que regula o esporte de futebol de associação, e suas subsidiárias não domiciliadas no Brasil;
II – Subsidiária FIFA no Brasil: pessoa jurídica de direito privado, domiciliada no Brasil, cujo capital social total pertence à FIFA;
III – Copa do Mundo FIFA 2014 – Comitê Organizador Brasileiro Ltda. (COL): pessoa jurídica de direito privado, reconhecida pela FIFA, constituída sob as leis brasileiras com o objetivo de promover a Copa das Confederações FIFA 2013 e a Copa do Mundo FIFA 2014, bem como os eventos relacionados;
IV – Confederação Brasileira de Futebol (CBF): associação brasileira de direito privado, sendo a associação nacional de futebol no Brasil;
V – Competições: a Copa das Confederações FIFA 2013 e a Copa do Mundo FIFA 2014;
VI – Eventos: as Competições e as seguintes atividades relacionadas às Competições, oficialmente organizadas, chanceladas, patrocinadas ou apoiadas pela FIFA, Subsidiárias FIFA no Brasil, COL ou CBF:
(Lei 12.6663, 2012)
Enquanto isto, veículos com turistas e imprensa passavam livremente. Obstáculo absurdo à atuação da advocacia em prol de um evento particular. Ainda assim, cabe destacar que a famigerada Lei Geral da Copa, ao falar de área e restrição, trata de questões comerciais e não do exercício da advocacia e nem de veículos:
Art. 11. A União colaborará com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que sediarão os Eventos e com as demais autoridades competentes para assegurar à FIFA e às pessoas por ela indicadas a autorização para, com exclusividade, divulgar suas marcas, distribuir, vender, dar publicidade ou realizar propaganda de produtos e serviços,
bem como outras atividades promocionais ou de comércio de rua, nos Locais Oficiais de Competição, nas suas imediações e principais vias de acesso.
§ 1o Os limites das áreas de exclusividade relacionadas aos Locais Oficiais de Competição serão tempestivamente estabelecidos pela autoridade competente, considerados os requerimentos da FIFA ou de terceiros por ela indicados, atendidos os requisitos desta Lei e observado o perímetro máximo de 2 km (dois quilômetros) ao redor dos referidos Locais Oficiais de Competição.
§ 2o A delimitação das áreas de exclusividade relacionadas aos Locais Oficiais de Competição não prejudicará as atividades dos estabelecimentos regularmente em funcionamento, desde que sem qualquer forma de associação aos Eventos e observado o disposto no art. 170 da Constituição Federal.
A aberração jurídica da Lei Municipal que trata o assunto também não veda, nem dificulta e nem poderia limitar a passagem de advogados (as) no exercício de sua profissão:
Art. 3º – O acesso, a entrada e a permanência nos locais oficiais de competição durante os períodos de competição serão restritos às pessoas autorizadas pela FIFA.
§ 1º – A FIFA tornará públicas, até 3 (três) meses antes do início de cada evento, todas as restrições e condições que definir, nos termos do caput, com respeito ao controle de entrada e permanência nos locais oficiais de competição.
§ 2º – Não se aplicam aos eventos quaisquer normas municipais que disponham sobre o controle de entrada e permanência de pessoas nos locais oficiais de competição, inclusive aquelas que disponham sobre acesso preferencial e outros benefícios atribuídos a grupos especiais de pessoas.
(LEI N° 9.987, DE 28 DE DEZEMBRO DE 2012.)
Chegando ao 16º Distrito Policial, os advogados acima referidos, também encontraram dificuldade de acessar os (as) manifestantes apreendidos, com a alegativa de que já havia 8 pessoas na defesa, dentre advogados (as) e defensores (as) públicos (as). Todavia, lá se encontravam dezenas de pessoas apreendidas indevidamente, que necessitavam de acompanhamento de advogado (a). Justo faz- ressaltar que logo o empecilho foi dirimido, mas que isto nunca poderia ter ocorrido.
Na mesma noite, a delegada Dra. Ana Cristina Lima, que respondia no plantão da Delegacia da Criança e do Adolescente, em Fortaleza-CE, conforme os policiais militares e também sua própria afirmação, deu ordem para não deixar os (as) advogados (as) se comunicarem com os (as) adolescentes apreendidos, isto apenas sendo dirimido após algum tempo. A advogada Dra. Juliana Linhares de Aguiar Lopes, OAB-CE 22.034, chegou a ser empurrada por um integrante da tropa de choque da Polícia Militar do Ceará, para cumprir manifesta ordem ilegal dada pela citada delegada de não permitir o acesso da advogada aos (às) adolescentes. A mesma delegada não permitiu que a Dra. Juliana, já em comento, acompanhasse o depoimento de certos policiais militares do Grupamento Ronda de Ações Intensivas e Ostensivas- RAIO, que seriam parte dos condutores.
A supramencionada delegada afirmava estar seguindo “ordem superiores”. Foram prejudicados (as) nesta noite, na DCA, além da já referida Dra. Juliana, também, Dra. Maria Isabel Rocha Bezerra Sousa, OAB CE 24.903, Dr. Paulo Vitor Pinheiro de Santana, OAB-CE 25.284, Dra. Soraya Fonteneles de Menezes, OAB-CE 25.276 e Dra. Talita Araújo Maciel, OAB-CE 19.502; por, em certo momento, não poderem se comunicar com os adolescentes apreendidos, como relatado acima. A Dra. Talita, ao chegar, juntamente com a Defensoria, encontrou de pronto a porta fechada para acessar os (as) adolescentes e só depois de alguma argumentação é que abriram a porta que as separavam dos (as) assistidos (as).
Como se percebe, a desordem causada pelo evento da FIFA, está também a prejudicar o exercício da advocacia. O Estatuto da OAB foi ferido nos dispositivos que seguem:
Art. 7º São direitos do advogado:
I – exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional;
[…]
III – comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis;
[…]
VI – ingressar livremente:
[…]
b) nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, ofícios de justiça, serviços notariais e de registro, e, no caso de delegacias e prisões, mesmo fora da hora de expediente e independentemente da presença de seus titulares;
c) em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do expediente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado;
[…]
XIII – examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos;
XIV – examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos;
Por todo o acima exposto, urgem medidas desta Seccional, junto aos órgãos e instituições competentes, para que episódios como estes não se repitam nem nas próximas manifestações, como também na Copa do Mundo de 2014. A comunicação com os (as) clientes e o livre acesso a todas as dependências de edificações, que o(a) advogado deva exercer seu mister, não podem ser limitados. Da mesma forma o perímetro determinado pela FIFA não pode deter veículos de advogados (as) em atuação, dada a falta de amparo legal. Solicita-se ainda desagravo público aos (às) advogados (as) por terem sido ofendidos no exercício de sua profissão, de acordo com o art. 7º, XVII, do Estatuto da Ordem.
Nestes termos,
Pede deferimento.
Fortaleza, 08 de julho de 2013.
Eric Gomes da Mota – OAB-CE 25.341
Francisco Carlos Mourão Neto – OAB-CE 26.302
Henrique Botelho Frota – OAB-CE 18.477
Ingrid Viana Soares – OAB-CE 19296
João Alfredo Telles Melo -Presidente Comissão dos Direitos Humanos da CMF – OAB-CE 3.762
Juliana Linhares de Aguiar Lopes – OAB-CE 22.034
Marcio José de Souza Aguiar – OAB-CE 15.941
Maria Gabriela Lima – OAB-CE 23.220
Maria Isabel Rocha Bezerra Sousa – OAB CE 24.903
Rafael Barreto Souza – OAB-CE 23.893
Rodrigo de Medeiros Silva – OAB-CE 16.193
Talita Araújo Maciel – OAB-CE 19.502
Walber Nogueira da Silva – OAB-CE 16.561
Paulo Vitor Pinheiro de Santana – OAB-CE 25.28
Soraya Fonteneles de Menezes – OAB-CE 25.276
Renato Roseno de Oliveira – OAB-CE 14.906
Rosinere Marques de Moura – OAB-CE 23.094
Luanna Marley – OAB-CE 25.879
Rodrigo Vieira Costa – OAB-CE 20.101
Homero Bezerra Ribeiro – OAB-CE 22.622
Jacqueline Alves Soares – OAB-CE 17.532
Jairo Rocha Ximenes Ponte – OAB-CE 15.869
Igor Moreira de Sousa Pinto – OAB-CE 15.449
Patrícia Oliveira Gomes – OAB-CE 20.594
Demitri Nobrega Cruz – OAB-CE 14.483
Márcio Alan Menezes Moreira – OAB-CE 18.728
Daniella Alencar Matias – OAB-CE 17.714
Marília Passos Apoliano Gomes – OAB-CE 24.336
Toinha Rocha – OAB-CE 9.429
Tatiana Carvalho de Araujo – OAB 16.472
Arnaldo Fernandes – OAB-CE 24.987
Ana Aline Furtado Soares – OAB-CE 22.536
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Rodrigo de Medeiros Silva.