Anteontem o Brasil foi campeão da Copa das Confederações, em meio a manifestações e reivindicações que têm surpreendido o país e o mundo. A combinação de indignações que marcaram – e ainda marcam – estas manifestações merece uma avaliação mais aprofundada, mas não há dúvida de que algumas delas têm a ver com a preparação das nossas cidades para receber os jogos da Copa do Mundo de 2014. Os gastos, a ditadura consentida da FIFA, as prioridades discutíveis estão presentes na agenda das ruas. Por trás de tudo isso, estão processos decisórios que têm afetado a vida de milhares de pessoas e que até agora contaram com participação zero dos cidadãos. Muitas comunidades já foram removidas ou estão ameaçadas de remoção por conta de obras relacionadas aos jogos e, no geral, não tem existido nenhuma transparência nem respeito aos direitos humanos nesses processos.
Na semana passada, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), entre outras organizações, reuniu-se com a presidenta Dilma Rousseff para apresentar sua pauta de reivindicações. De acordo com integrantes do movimento, o único ponto com que a presidenta de fato se comprometeu, no sentido de uma ação imediata, foi justamente o da necessidade de regular os projetos que envolvem deslocamentos de comunidades, impedindo os despejos forçados. Há mais de um ano, inclusive, está em discussão uma portaria que regulamenta os procedimentos a serem adotados em casos de remoção de famílias decorrente da execução de programas e ações financiadas pelo Ministério das Cidades/Caixa. Mas até agora, infelizmente, esta portaria não foi publicada. E os governos locais continuam agindo de forma discricionária…
É importante lembrar, ainda, que, no âmbito do governo federal, foi criado um grupo de trabalho no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana para receber e apurar denúncias de violação do direito à moradia no contexto da preparação do país tanto para a Copa do Mundo, como para as Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro. Os membros do GT – que inclui representantes de movimentos e organizações da sociedade civil – realizaram uma série de visitas no ano passado e no início deste ano e já está mais do que na hora de se manifestarem sobre o assunto.
Um dos casos emblemáticos, que certamente aparecerá no relatório do Conselho, é o da Vila Autódromo, no Rio de Janeiro, que desde a época dos Jogos Pan-Americanos vem sofrendo ameaças de remoção, nunca realmente justificadas. A Secretaria de Direitos Humanos da presidência chegou inclusive a enviar um ofício ao prefeito Eduardo Paes, em dezembro de 2012, solicitando informações sobre a situação da comunidade, mas nunca recebeu resposta. No último fim de semana, enquanto o país estava atento à Copa das Confederações, a comunidade da Vila Autódromo denunciava em sua página no Facebook a tentativa de demolição de algumas casas e a presença de PMs e agentes da subprefeitura que pressionavam os moradores a se cadastrar para que a remoção seja executada.
A mão bruta da prefeitura nas remoções encontra eco na violência exercida pela PM do Rio de Janeiro, que também claramente discrimina a favela e seus moradores em suas ações – vejam o que ocorreu na Maré semana passada. Apesar de tudo, neste tema – Copa e Olimpíadas – ainda há tempo de ouvir a voz das ruas!
*Em tempo: na relatoria da ONU para o Direito à Moradia Adequada produzimos alguns materiais sobre o tema das remoções e dos megaeventos esportivos. Confira:
– Folheto: Minha cidade virou sede de um megaevento esportivo. O que pode acontecer com meu direito à moradia?
– Folheto: Querem nos despejar. E agora?
– Guia: Como atuar em projetos que envolvem despejos e remoções?
* Confira também o último press release da relatoria sobre os megaeventos esportivos no Brasil.Clique aqui.
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*Urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada.