Brasília – Representantes dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) entregaram hoje (28) carta ao secretário nacional de Articulação Social da Presidência da República, Paulo Maldos, reivindicando agilidade no processo de reforma agrária e o assentamento das 90 mil famílias acampadas em todo o país.
Segundo a assessoria da Secretaria-Geral da Presidência da República, representantes do MST pediram uma audiência com o ministro Gilberto Carvalho. A assessoria informou que o encontro deve acontecer na próxima semana.
Trecho da carta argumenta que, para os trabalhadores, o acesso à reforma agrária é primordial para o suprimento dos direitos básicos previstos na Constituição Federal. “Entendemos que é de extrema necessidade o assentamento destas famílias para a democratização do acesso à terra e a produção de alimentos saudáveis”, assinala a carta.
De acordo com o documento, a prioridade da reforma agrária é também permitir que a agricultura tenha base ecológica. E acrescenta: os trabalhadores rurais necessitam de apoio para ter acesso à educação, à saúde e à cultura.
Cerca de 300 pessoas, das 400 instaladas há quase 80 dias no Acampamento Nacional Hugo Chávez, marcharam – antes da entrega da carta – pela Esplanada dos Ministérios e fizeram ato em frente ao Congresso Nacional ao som de tambores e apitos.
Depois do Congresso, os manifestantes seguiram até o Palácio do Planalto.
Leia abaixo a carta do MST à presidenta Dilma:
À presidenta Dilma Rousseff,
Nós, acampados do Acampamento Nacional Hugo Chávez do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), viemos, por meio desta, manifestar a nossa insatisfação em relação à paralisia da Reforma Agrária em nosso país.
O Brasil é o país de maior concentração da propriedade fundiária em todo o mundo. São 360 milhões de hectares, sob a forma de propriedade privada, sendo que apenas 60 milhões são utilizados pela agricultura. O que resta é pecuária extensiva, área inutilizada, ou mesmo área para especulação. Ou seja, os latifundiários e as grandes empresas querem terra apenas como reserva de valor.
Mesmo com esta conjuntura, o modelo atual da agricultura tem beneficiado as políticas estruturantes do agronegócio. Essa escolha causa impactos diretos em qualquer processo de democratização do acesso à terra. A realidade, hoje, mostra que a política de criação de assentamentos está parada, mesmo existindo 69.233 grandes propriedades improdutivas no país, que controlam 228 milhões de hectares de terra (IBGE/Censo de 2010), que deveriam ser destinadas à Reforma Agrária pela Constituição.
A paralisação da política de criação de assentamentos abriu margem para os latifundiários intensificarem a sua ofensiva política e ideológica contra a Reforma Agrária. Utilizam a sua força no Congresso Nacional para aprovar projetos para desmontar as leis que garantem liberdade para organização e luta social, o cumprimento da função social da propriedade e direitos para os camponeses, indígenas e quilombolas, na maioria das vezes, afrontando a própria Constituição Federal.
Além disso, o agronegócio lança mão de projetos para flexibilizar a liberação de agrotóxicos e impedir que sejam proibidas as substâncias vetadas na Europa, nos Estados Unidos e em outros países. Mais de um bilhão de litros de venenos são jogados anualmente nas lavouras, de acordo com dados oficiais, que fazem do Brasil o maior consumidor de agrotóxicos do mundo desde 2009.
É este o modelo de produção, consorciado com a propriedade privada da terra, que denunciamos. A união do grande proprietário e das empresas transnacionais produz e controla os insumos da agricultura, dos bancos e da imprensa. Esse é o modelo do agronegócio, cuja produção agride o meio ambiente, concentra a riqueza e se volta, apenas, à exportação. Esse modelo é viável somente para uma minoria de capitalistas; a maioria da população brasileira fica à margem, comprometendo gravemente a soberania alimentar e a realização da Reforma Agrária em nosso país.
A consequência deste processo é as mais de 90 mil famílias acampadas em todo o país, muitas delas morando a mais de 10 anos nos acampamentos. Entendemos que é de extrema necessidade o assentamento destas famílias para a democratização do acesso à terra, a produção de alimentos saudáveis com base na produção agroecológica, com acesso a educação, saúde e cultura. Ou seja, a promoção da justiça social no campo brasileiro passa, necessariamente, pela Reforma Agrária.
Cara presidenta Dilma, a situação impõe a mobilização popular. Por isso, o MST e demais organizações, estão presentes a mais de 80 dias no Acampamento Nacional Hugo Chávez. É um espaço de luta permanente, cujo foco principal é a reivindicação do assentamento imediato das 90 mil famílias acampadas em todo o Brasil. Compreendemos que o assentamento das famílias é o primeiro passo para a construção de uma vida digna para o trabalhador do campo e produção de alimentos saudáveis para toda sociedade brasileira.
As políticas de desenvolvimento dos assentamentos, ainda que fundamentais, não justificam o descaso com as famílias acampadas. Mesmo para as famílias assentadas, é preciso destacar que ainda não foi resolvido o problema do crédito e a universalização de programas, como o PAA e PNAE, além do programa de instalação de agroindústrias. Os assentados melhoraram de vida e estão produzindo, mas parte deles enfrenta uma situação bastante difícil, com a falta de investimento público para crédito rural e infraestrutura, como casa, saneamento básico, escola e hospital, criando um eixo para o desenvolvimento do interior do país.
Cobramos que Vossa Excelência cumpra com o compromisso de realizar a Reforma Agrária no país. Estamos convictos de que um novo modelo de produção agrícola é necessário em nosso país e que a Reforma Agrária é o principal instrumento para a solução dos problemas que ainda persistem no campo brasileiro. No entanto, compreendemos que é urgente uma ação efetiva do Governo Federal para reverter o atual quadro de paralisia, que compromete a vida de milhares de trabalhadores rurais no Brasil.
Seguimos em luta,
Acampamento Nacional Hugo Chávez
Edição: José Romildo