Denúncias são de presidentes de colônias e de associações de cinco estados
Alessandra Duarte – O Globo
RIO – Federações de pesca da Confederação Nacional de Pescadores e Aquicultores (CNPA) — comandada por Abraão Lincoln Ferreira da Cruz Jr., que em abril se tornou presidente no Rio Grande do Norte do PRB, partido do ministro Marcelo Crivella — estariam exigindo a filiação de pescadores a colônias das federações para fazerem o recadastramento deles no Registro Geral da Pesca, o primeiro passo para o pescador poder receber o Bolsa Pesca. As denúncias são do presidente da Confederação das Federações de Pescadores e Aquicultores do Brasil (Confapesca) e de presidentes de colônias e associações de pesca de Rio, Minas, Piauí, Amazonas e Bahia.
Segundo essas denúncias — que já geraram representações no Ministério Público Federal e mandados de segurança na Justiça Federal —, ao exigirem a filiação, federações estariam cobrando taxas equivalentes a 12% do que a colônia recebe de anuidade de cada pescador associado. De acordo com a Comissão Nacional de Direitos Sociais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), é ilegal e inconstitucional exigência de filiação a entidades de classe para recebimento de benefícios sociais.
Cooptado pelo PRB, o presidente da CNPA também se tornou, na gestão de Crivella, superintendente da Pesca no RN, enquanto a CNPA passou a ser responsável pelo recadastramento dos pescadores no país, por meio de um termo de cooperação com a pasta assinado em 2012. Semana passada, a Comissão de Ética da Presidência da República abriu procedimento para analisar a conduta de Crivella, pedido feito pelo MD com base em reportagens do GLOBO que mostraram que líderes sindicais do setor de pesca passaram a se filiar ao PRB após ele virar ministro; que o ministro participou de atos do seu projeto Cimento Social, de habitação popular, em dias úteis; e que superintendentes da Pesca são do PRB em 16 estados.
Não bastasse a exigência de filiação, que ocorreria desde o segundo semestre de 2012, federações também estariam cobrando imposto sindical, segundo as denúncias. A comprovação de pagamento de contribuição sindical, inicialmente prevista pela gestão de Crivella na lista de documentos para o registro, foi considerada inconstitucional pela Advocacia Geral da União em parecer de 2012; por isso foi retirada das exigências para 2013 na instrução normativa 13 de 2012.
O recadastramento prevê que o pescador registre a impressão digital num selo da empresa Digiselo, contratada por inexigibilidade de licitação pela pasta em novembro de 2012. Como os selos, pela parceria, são enviados só às entidades cooperadas com a pasta, estas só estariam coletando, segundo as denúncias, as digitais dos que pagam imposto sindical ou se filiam.
A Confapesca é uma confederação que, como a CNPA, representa nacionalmente os pescadores; seu presidente, Misael de Lima, é filiado ao PT, enquanto Abraão Lincoln, da CNPA, foi para o PRB em 2012. No entanto, a exigência de filiação em federações da CNPA estaria ocorrendo não só para pescadores da rival, mas também entre aqueles de entidades que não são da Confapesca, como em Minas e Piauí. Em Minas, colônias da federação da CNPA que estejam inadimplentes estariam sendo obrigadas a quitar as dívidas para poderem recadastrar seus pescadores.
No Rio, entidade pediu suspensão de exigência
No Rio, a Federação das Associações de Pescadores Artesanais do Estado do Rio (Fapesca) propôs em novembro de 2012 mandado de segurança na 17ª Vara Federal. No mandado, pede suspensão da exigência de cobrança de contribuição sindical para cadastramento do pescador. Misael de Lima, da Confapesca e presidente também da Fapesca, diz que estariam sendo prejudicados no Rio de 12 mil a 15 mil pescadores, representados pela Fapesca. Presidente da Associação de Pescadores Livres do Gradim, Paulo Fernando Caldas afirma ter pago o imposto sindical para poder renovar sua carteira. Juan Flores, da Colônia de Pescadores e Aquicultores Livres de São Gonçalo, diz que na Superintendência “ouvi que nossa colônia não existe para eles”.
— Liguei para a Superintendência para saber de um projeto de reforma da Z-15, de Sepetiba, e ouvi que o projeto estaria parado porque a Z-15 estava inadimplente com a federação. Uma política de Estado está se confundindo com filiação a uma entidade — diz Victor Mucare, advogado da Fapesca.
Em Minas, ata de reunião em 15 de abril, com colônias e associações de pescadores, a Superintendência e o presidente da federação da CNPA, registrou: “As colônias providenciarão os recadastramentos e para cada quantidade de recadastramento enviado à federação recibo do depósito do valor de doze por cento da arrecadação para o sistema confederativo”. A ata registra que “quanto às associações, a federação liberará os digiselos após visitas”.
— Em Minas, pescadores já perderam prazo de recadastramento. É quase uma venda dos selos do Digiselo — diz Celso Fernandes, presidente da colônia Z-4, com cerca de 2,6 mil pescadores.
Em email enviado em 16 de março ao correio eletrônico do assessor de Controle Interno do ministério, Fernandes denuncia: “A federação está condicionando o repasse (dos selos) às colônias à quitação de anuidades em atraso, ou seja, a federação, com o aval ou não do senhor ministro, está fazendo do documento do governo federal moeda de troca”. A advogada Maria Lea Morais, assessora jurídica da Z-4, também registrou boletim de ocorrência na Polícia Civil e entrou com representação no MPF em abril.
No Piauí, a presidente da Associação de Pescadores de Luís Correa, Maria Lenismar de Fátima do Nascimento, diz que a Superintendência tem cerca de 2,5 mil carteiras antigas de pescador retidas:
— As novas, a federação entrega se os pescadores pagam o imposto sindical — diz Lenismar.
Em janeiro, Lenismar entrou com mandado de segurança na 5ª Vara Federal do Piauí pedindo devolução de 33 carteiras de associados. Em março, a Justiça determinou que a Superintendência as entregasse, destacando “grave risco aos pescadores que (…) se veem impedidos de requerer o seguro defeso, sendo que o prazo se expira em 16.03.2013”. Lenismar diz que as carteiras não foram entregues.
— O pagamento do defeso foi em março. Não recebi porque minha carteira nova não está valendo, e a antiga está com o superintendente. Quando vou à superintendência, dizem que a nova é com a federação. Na federação, cobram R$ 40, dizem que é o imposto sindical. Não paguei. A gente é muito humilhado — conta o pescador Adriano Pereira da Silva, da associação de Luís Correa.
No Amazonas, Amarildo Martins, tesoureiro da Federação das Associações de Pescadores do estado, também relata a exigência de filiação:
— Cobram de R$ 50 a R$ 70 para filiar o pescador. Também cobram mensalidade de R$ 18, além do imposto sindical. E a superintendência sabe disso — diz Amarildo, destacando que mais de 40 mil pescadores estariam sendo prejudicados no estado.
Na Bahia, pescadores criaram uma nova federação como reação à exigência de filiação: em maio, foi criada a Fapesba, com 60 entidades, segundo seu presidente, Antônio Jorge Teixeira dos Santos.
— Há um mês levamos esse problema à Defensoria Pública — diz Teixeira, também afirmando que a Superintendência saberia da situação.
Presidente da Comissão Nacional de Direitos Sociais da OAB, Nilton Correia cita o artigo 8º da Constituição, que trata do direito de associação:
— Esse direito é destacado pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelo Supremo Tribunal Federal.
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Enviada por Alexandre Anderson para Combate Racismo Ambiental.