Irmã de Nietzsche criou colônia para alemães puros
Por Simon Romero* – New York Times
NUEVA GERMANIA, Paraguai – No ano de 1887, dois dos mais conhecidos antissemitas alemães deitaram raízes na remota selva do Paraguai, acompanhados por 14 famílias alemãs cuja pureza racial tinha sido verificada.
Os planos de Bernhard Förster e sua mulher, Elisabeth, irmã do filósofo Friedrich Nietzsche, eram ambiciosos: fundar uma colônia a partir da qual um contingente avançado de arianos pudesse reivindicar o domínio de todo o continente sul-americano.
“Alguns deles conseguiram sobreviver”, contou Lidia Fischer, 38, descendente loira de uma das primeiras famílias a se radicarem em Nueva Germania.
Aqueles pioneiros enfrentaram doenças, o fracasso de suas plantações, disputas internas e a megalomania dos Förster, que dominavam a colônia a partir da mansão elegante em que viviam, chamada Försterhof.
Em dois anos, o sonho caiu por terra. Hoje a Försterhof está em ruínas.
“Alguns deles retornaram à Alemanha”, comentou Fischer, entrevistada em seu sítio. “Outros cometeram suicídio.”
Pouco depois de fundar a colônia, Bernhard Förster perdeu a esperança de que Nueva Germania pudesse avançar. Em 1889, cometeu suicídio, consumindo um misto de morfina e estricnina. Sua mulher retornou à Alemanha quatro anos depois.
De alguma maneira, a vila que o casal deixou para trás sobreviveu. Seus moradores subsistiram graças ao cultivo do mate, árvore cujas folhas são usadas no preparo do tereré, ou chá-mate, consumido em todo o Paraguai.
Embora ainda sejam vistas algumas crianças loiras no local, após gerações de miscigenação, muitos dos 4.300 moradores de Nueva Germania têm sobrenomes alemães, mas são indistinguíveis dos paraguaios.
A língua mais ouvida em Nueva Germania é o guarani, o idioma indígena falado em todo o Paraguai. Mesmo as famílias que ainda se apegam aos costumes antigos, falando alemão em casa, misturam o alemão com o guarani e o espanhol.
“O guarani e o alemão são diferentes, mas, para mim, se combinam bem”, comentou Fischer.
O Paraguai, país que não tem saída para o mar, possui um longo histórico de atrair assentamentos utópicos.
Em 1893 uma facção abstêmia do movimento sindicalista australiano fundou a colônia Nueva Austrália, que existe até hoje. Vegetarianos finlandeses fundaram a Colonia Villa Alborada na década de 1920. Mais recentemente, Sun Myung Moon, fundador da Igreja da Unificação morto em 2012, comprou 607 mil hectares de terra no Paraguai e enviou um grupo de seus seguidores ao país para construir um “Lugar Sagrado Vitorioso”.
Um museu de uma só sala e sem luz elétrica oferece aos visitantes um relato simplista das origens de Nueva Germania, dando destaque às dificuldades que os colonos tiveram que superar.
Alguns dos moradores de Nueva Germania se espantam diante de perguntas sobre a ideologia racista que levou seus ancestrais a virem para cá em primeiro lugar.
“Não gostamos de falar sobre isso”, respondeu Brigitte Haudenschild, 60. “A vida aqui não é fácil, sabe?”
Mas outros não fazem questão de esconder o que pensam. O sitiante Guillermo Fischer, 40, explicou: “De acordo com especialistas, os alemães têm a melhor capacidade de avaliação do mundo, seguidos pelos coreanos, ou melhor, os japoneses. Os paraguaios estão no último lugar”, acrescentou, apesar de estar ao lado de sua esposa paraguaia, Delia, 28.
A primeira onda de colonos de Nueva Germania foi reforçada em décadas posteriores por outras famílias germanófonas, refletindo a disposição do Paraguai em receber imigrantes alemães, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, durante os 35 anos de ditadura do general Alfredo Stroessner, filho de um cervejeiro alemão.
Josef Mengele, o médico nazista que realizou experimentos com prisioneiros em campos de concentração, fugiu para o Paraguai após a guerra e viveu sob seu próprio nome em Hohenau, colônia agrícola alemã próxima das fronteiras com a Argentina e o Brasil. Consta que ele teria passado por Nueva Germania.
Hoje a colônia é menos isolada do que já foi. A estrada para a capital nacional, Assunção, foi asfaltada. Uma das únicas evidências ainda restantes da passagem da irmã de Nietzsche pelo local é uma placa numa rua tranquila. O nome na placa está grafado “Elizabeth Nigtz Chen”.
*Colaborou Nadia Sussman
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Enviada por José Carlos para Combate Racismo Ambiental.