Assassinato de casal de ambientalistas Maria do Espírito Santo e José Cláudio Ribeiro, no Pará, completa dois anos com pistoleiros na cadeia e mandante solto
Por Felipe Milanez, CartaCapital
Há exatos dois anos, recebi cedo pela manhã um e-mail cujo título era “URGENTE”. O autor era José Batista Afonso, advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Marabá (PA). Tinha apenas uma linha: “Assassinaram hoje pela manhã o Zé Claudio e sua esposa, do Agro extrativista em Nova Ipixuna.” Nada mais. Após alguns telefonemas e tuítes desesperados, publiquei esse texto na CartaCapital, que divulgou pela primeira vez a notícia da morte do casal de extrativista José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, em escrita truncada e ofegante. Naquele momento, enquanto dirigia-se ao assentamento na picape da CPT para acompanhar o trabalho da perícia, Batista declarou para mim por telefone: “Assassinaram o José Claudio e a Dona Maria. Esse crime não pode ficar impune”
Dois anos depois, porém, o crime permanece parcialmente impune. O mandante, ou o consórcio de mandantes, da morte de José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, está solto. Dois pistoleiros foram condenados.
Em 2011, outras 10 pessoas foram assassinadas em conflito por terras no Pará. Herivelton Pereira dos Santos foi morto na mesma semana em que o casal, dentro do mesmo assentamento. A investigação não chegou a nenhuma conclusão. Também na mesma semana, em 27 de maio, assassinaram Adelino Ramos, o Dinho, no distrito de Vista Alegre do Abunã (RO). Ele era uma das principais lideranças do campo na Amazônia, e organizava o projeto de assentamento Curuquetê, no sul do Amazonas, na violenta região de Lábrea. Denunciava madeireiros e grileiros de terra. Foi morto à luz do dia, diante de esposa e filha. Dinho conseguiu gritar o nome do suspeito antes de receber todos os tiros que o revolver podia dar: “Ozias”, um pistoleiro que teria sido contratado por madeireiros de Rondônia. Ozias Vicente foi preso logo em seguida. Carregava nas costas outras acusações de pistolagem contra lideranças de movimentos de trabalhadores rurais.
Logo em seguida à morte de Dinho, filiado ao PCdoB, e à grande repercussão que seguiu, oito madeireiros foram presos em uma operação da Polícia Federal, entre eles o irmão do deputado estadual José Eurípedes Clemente (PTN-RO), o Lebrão, e também José Genário Macedo, patrão de Ozias. Aos poucos, eles foram saindo da cadeia. Inclusive Ozias que, em 15 de janeiro de 2012, foi morto. O réu havia sido solto em dezembro anterior e foi para Vista Alegre. Corriam boatos de que ele havia ameaçado contar tudo o que sabia se continuasse preso. Solto, foi morto. E as investigações arquivadas sem nenhuma conclusão com relação aos mandantes.
Em Marabá, um mês após a morte de Zé Cláudio e Maria, dois pistoleiros mataram o líder sindical Valdemar Barbosa de Oliveira, o Piauí. Ele vivia na periferia da cidade, próximo da casa da família de Zé Cláudio. Diego Marinho e Valdenir Lima dos Santos foram presos alguns meses depois, após outras mortes violentas que chocaram a cidade. Marinho prestou depoimento em que confessa o crime e dizia que a dupla tinha recebido 3 mil reais do fazendeiro Vicente Correia pela empreitada da morte.
Este não foi o primeiro crime dos dois. Investigações da polícia apontam outras 20 mortes no currículo. Segundo a CPT, que acompanhou o processo dos réus, Marinho prestou outro depoimento no desenrolar do caso, afirmando que estava sendo ameaçado na cadeia e procurado pelo advogado do fazendeiro para mudar seu depoimento (pelo que seria recompensado). Marinho mudou o depoimento, e o juiz Murilo Lemos Simão, o mesmo do caso de Zé Cláudio e Maria, absolveu mandante e pistoleiros.
Rota da impunidade
Os dois pistoleiros que estão presos pelas mortes de Zé Cláudio e Maria são Alberto do Nascimento, condenado a 45 anos e Lindonjonson Silva Rocha, que pegou 42 anos e 8 meses. O irmão de Lindonjonson, José Rodrigues Moreira (eles possuem sobrenomes diferentes), foi absolvido. No julgamento, o duplo assassinato foi considerado uma “empreitada criminosa”.
Presos os pistoleiros, o mandante foi solto. Uma “empreitada” na qual o dono da encomenda, de acordo com a expressão utilizada pelo juiz Murilo Lemos Simão, “não concorreu para o duplo assassinato”. Em um julgamento turbulento, no qual testemunhas foram ameaçadas e uma pregação bíblica do réu pode ter influenciado dois dos sete jurados (uma delas chorou compulsivamente quando Zé Rodrigues pedia a benção), o juiz ainda considerou que o casal assassinado teria “contribuído para o crime” em razão de seu “comportamento”.
Neste caso é possível perceber alguns dos principais problemas da Amazônia brasileira hoje, um ambiente violento e foco de investimentos que alavancam a economia nacional: impunidade, a ideologia do progresso sobre os direitos humanos onde o herói é o desbravador e não a vítima desse processo, e, politicamente, a aliança de afinidades entre os donos de terras e a moral evangélica.
Impunidade é um dos motores da violência. E o clima de velho oeste na Amazônia é alimentado por esse sentimento. Perguntei a Batista, experiente advogado na causa dos direitos humanos (trabalhou como assistente de acusação no caso de Eldorado dos Carajás e na morte de irmã Dorothy Stang, entre tantos outros), o sentimento após esses dois anos: “Em relação à luta pela justiça, e a luta pela condenação dos mandantes, o sentimento da família e de todo mundo é de uma certa frustração. Frustração em razão de que não se conseguiu fazer justiça a todos os responsáveis pelo crime”, disse o advogado.
A acusação recorreu, assim como a defesa, e o Ministério Público Federal entrou com uma nova ação. José Rodrigues Moreira foi denunciado por invasão de terras públicas e pelo incêndio criminoso da moradia de um dos agricultores expulsos do assentamento. O Ministério Público Federal denunciou ainda a esposa e a sogra do pecuarista, também acusadas de invasão e ocupação de terras públicas; uma cartorária de Marabá, Neuza Maria Santis Seminotti, acusada de ter praticado estelionato por ter vendido terra pública como se fosse própria; e um co-autor do incêndio criminoso, Genival Oliveira Santos, conhecido como Gilsão.
“É uma esperança, meio desanimadora, em razão do já acontecido”, disse Batista. “Esperança de que a situação seja revertida, mas um sentimento de desânimo em razão do que aconteceu, incluindo o empenho da luta, dos familiares e dos movimentos para reverter a situação e conseguir a justiça completa em relação ao caso.”
O advogado refere-se, além da questão judicial, também ao aspecto administrativo do problema: o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O lote de terra que foi objeto da disputa acabou terminando nas mãos do acusado. José Rodrigues entrou no cadastro de assentado e recebeu o lote. Apesar da acusação de ter pago 100 mil reais pelos 144 hectares, o que configura um crime pois a área não pode ser comercializada, o Incra aceitou o pedido de assentamento. Questionado pelo MPF, o órgão alegou “erro”. Foram tomadas medidas administrativas, mas sem efeitos práticos no local.
“Não há nenhuma ação concreta, por parte do Incra, para intervir no assentamento e enfrentar o problema da configuração de terras. Esse é o problema que originou o conflito”, afirma Batista. Na visão dos movimentos sociais, o responsável pela violência, em última análise, é o Incra, ou a falta de controle do instituto sobre o assentamento que lhe cabe. “Há problemas de reconcentração fundiária e comercialização ilegal de terras, sem controle do Incra. Foi isso que resultou no conflito e na morte.Com relação a esse grave problema, não houve nenhuma ação concreta na área”, afirma o advogado da CPT. “Há uma equipe de trabalho constituída, mas na fase de estudo. Não há nenhuma ação concreta.”
A impaciência dos movimentos sociais com o órgão desencadeia uma angústia, que pode acirrar mais os ânimos. Em julho de 2012, houve uma reunião da ouvidoria agrária nacional, comandada por Gercino Filho, com os movimentos, o Incra e órgãos de segurança e ambientais. Nesse encontro, Laisa Santos Sampaio, irmã de Maria, havia acusado o Incra de abandonar o assentamento, permitindo a presença da família dos acusados da morte de sua irmã e seu cunhado, que a estariam ameaçando de morte. Na ocasião, o superintendente do órgão em Marabá havia dito que o levantamento e cadastramento dos assentados estava em dia. Ele havia prometido rever o cadastro, após as denúncias de Laisa. Em dezembro, o órgão assentou José Rodrigues e sua família alegando “erro”.
Diminuiu a violência no “Teatro da Crueladade”
Apesar da impunidade reinante, a violência diminuiu no sul do Pará. A região, famosa e marcada pela brutalidade, não registrou nenhum assassinato por conflitos fundiários ano passado. Um dado histórico. O sul do Pará foi descrito por um grupo de geógrafos, na prestigiosa revista científica Annals of the Association of American Geographers, como um “Teatro da Crueldade”. O estudo, coordenado pelo geógrafo Robert Walker, utiliza o conceito do surrealista francês Antonin Artaud para explicar o processo de desenvolvimento do mítico “sul do Pará”:
Ativamos o “Teatro da Crueldade” de Artaud, para expor a natureza violenta do conflito desta região. Sugerimos que o teatro, em sentido mais genérico, fornece a estrutura para a atuação do cruel, e que o violento conflito pela terra, paralelo com a destruição da floresta, constitui uma tragédia previsível de eventos teatrais. Em outras palavras, o conflito violento pela terra na Amazônia, com todas as suas terríveis implicações para as pessoas e meio ambiente, pode ser compreendido pela estrutura teatral, com consequências filosóficas para a mente e corpo.
Enquanto nove pessoas foram mortas em Rondônia em conflitos de terra, segundo o último relatório da CPT, em uma sequência de violentas disputas por terras, madeira e espaço, no sul do Pará, em um ambiente transformado pela chegada do programa Terra Legal, do governo, acompanhado do investimento massivo das usinas hidrelétricas do Complexo Madeira, os conflitos não resultaram em morte. Há, no entanto ameaças, 54 registradas pela CPT, e tiroteios e tentativas de assassinatos. Em recente relatório, o grupo Santa Barbara é acusado de contratar pistoleiros. A fazenda nega. Localmente, após a denúncia, algumas pessoas ouvidas disseram ter sido intimidadas. Todas pedem sigilo.
O que pode explicar a diminuição da violência na região é o contexto da situação, e não políticas públicas específicas de combate à criminalidade. “Aqui tem diminuído a violência”, afirma Batista. “Mas a relacionada à diminuição das ocupações, pois em 2012 não foi registrada nenhuma ocupação por parte do movimento social organizado, como o MST e a Fetagri”, informa o advogado. Diminuindo a luta dos movimentos, diminuem os confrontos, e também a violência explicita, essa que ganha as manchetes. Permanece a violência lenta e gradual, aquela que passa despercebida, a violência objetiva do sistema de exploração.
Por que diminuiu a violência no sul do Pará? “A conjuntura”, diz Batista. “É o reflexo do desmonte da reforma agrária e desconstrução do Incra. A reforma agrária não é mais prioridade do governo. Não é prioridade enfrentar o processo de concentração da terra no Brasil. O governo compreende que o agronegócio é o desenvolvimento para o campo, e não a reforma agrária, a agricultura familiar e camponesa.”
Em termos econômicos, faz sentido a afirmação do advogado que assessora os movimentos sociais. A agropecuária responde por menos de 10% do PIB do Pará, que é constituído em grande parte pela mineração, e foi responsável por menos de 10%, também, junto da silvicultura, das exportações do estado em 2010 (segundo o IBGE). Mas, no plano nacional, a questão é diferente, especialmente na região Norte. No último balanço, no Mato Grosso, 68,5% das exportações foram de soja e milho, apenas dois grãos. E, segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), no primeiro quadrimestre deste ano, as exportações de carne do país aumentaram 19,5% em relação ao ano passado, somando 1,9 bilhão de dóalres e segurando uma balança comercial deficitária.
No assentamento agroextrativista Praia Alta Piranheira, a pecuária de corte é proibida. Apenas é permitida a produção de leite, além de pequena agricultura e, principalmente, a coleta de frutos e essências da floresta, como a castanha, o cupuaçu, açaí, andiroba, copaíba. Os assentados que tentam seguir à risca o modelo, como o caso de José Maria Gomes Sampaio, o Zé Rondon, marido de Laisa, sentem-se excluídos dos benefícios do governo.
Na safra de castanha deste ano, a colheita foi pouca, apenas 10 hectolitros. A da andiroba, que é utilizada em cosméticos, também foi pequena. “A produção da floresta até que foi boa, mas com essa coisa toda, ficou difícil a coleta”, me disse Rondon. A coisa toda a que ele se refere são a tensão, as ameaças, as constantes viagens dele e sua esposa. O casal não consegue crédito em bancos públicos para o extrativismo, nem a regularização de terra e condições de segurança. Laisa, em razão das ameaças, foi retirada da área pelo programa de proteção a defensores de direitos humanos e transferida, após o julgamento, para Brasília. Em razão de problemas de saúde, acabou tendo que passar mais tempo fora do que havia previsto. “Não conseguimos comprar andiroba dos outros assentados para juntar a produção e trabalhar as essências”, ela disse. “É uma pena, esse projeto é tão bonito, envolve as mulheres extrativistas, não podemos deixar.”
Procurando a própria morte
Na Amazônia, quem se mobiliza, quem se manifesta, está em perigo. Disputa política, denúncia, lutar por direitos, pode significar “contribuir para o crime”. E os problemas da rua não devem ser levados para as salas das instituições. Em suma, essas são as conclusões da Justiça, nas palavras do juiz Murilo Lemos Simão, com relação à morte dos ambientalistas, ativistas, castanheiros e trabalhadores rurais Zé Cláudio e Maria.
Em uma carta, diversos movimentos sociais repudiaram as afirmações de Simão. Dizem que a parcialidade do juiz interferiu no resultado da absolvição do mandante e a decisão dos jurados foi contraditória. Sobre o fato de Zé Cláudio e Maria terem contribuído para a sua própria morte, consideram a afirmação “sem fundamento”. De acordo com as investigações e as provas existentes no processo e, portanto, confirmadas por todas as testemunhas ouvidas no tribunal de júri, foi o mandante José Rodrigues que comprou ilegalmente lotes de terras na reserva extrativista onde três famílias já residiam há quase um ano. “Foi ele que expulsou violentamente as famílias e queimou a casa de uma delas”, relatam. A afirmação de Simão é considerada leviana pelos movimentos, pois seria José Rodrigues quem teria dado início ao conflito. “O juiz tenta de forma irresponsável criminalizar as vítimas e legitimar a ação do assassino. Uma tentativa de manchar a história e a memória de José Claudio e Maria do Espírito Santo, casal reconhecido internacionalmente pela defesa da floresta”.
Zé Cláudio e Maria conheceram irmã Dorothy Stang, assassinada em 2005. Haviam trabalhado mais de um mês com ela, auxiliando reuniões para a criação do projeto de desenvolvimento sustentável Esperança (criado após a morte da religiosa). Conheceram também o sindicalista Dedé, morto em 2001 com sua família, por causa de disputa de terra com um fazendeiro, em um bairro de Marabá. A ocupação que ele organizava, me contou Zé Cláudio, era da fazenda “Três Poderes”, de José Pinheiro Lima.
Também conheceram, na trajetória de militantes ambientalistas, Ademir Fredericci, o Dema, em Altamira, também em 2001. Conheceram José Dutra da Costa, o Dézinho, morto em 2000 em Rondon do Pará. Sua esposa, Maria Joelma, é ameaçada de morte, e o fazendeiro e madeireiro suspeito, Décio José Barroso Nunes, o Delsão, está solto (em 2011, Justiça do Trabalho de Marabá, penhorou 18 veículos e 892 cabeças de gado dele).
De todos os casos, o que mais chocou o casal foi a morte do sindicalista conhecido como Geraldinho, em Nova Ipixuna, onde eles viviam. “O Geraldinho era gente boa demais. Enfrentou muita luta aqui comigo, andando nessas picadas de moto”, me contou Zé Cláudio. “O Geraldinho era meu amigo demais. Mataram ele ali do lado da Brasileira. Ele estava fazendo uma ocupação com um pessoal.” Segundo Zé Cláudio, o crime não foi sequer investigado.
Portanto, o casal sabia do risco que corria. Sabiam que deveria utilizar as autoridades para suas denúncias. Além de José Rodrigues, denunciaram carvoeiros ilegais que produziam carvão para a indústria siderúrgica. Listaram para o Ministério Público Federal, os principais madeireiros e os crimes que cometiam. Denunciaram a família Tedesco (que teria enviado pistoleiros para mata-los, segundo Maria me contou em entrevista): Aguilar Tedesco, o patriarca, Aguimar Tedesco, o filho, Marlu, Marlos Ailton Tedesco, que seria um sobrinho (grau de parentesco não confirmado). Também o engenheiro florestal responsável por planos de manejo fraudados, Edimilson Macedo dos Santos, conhecido como Bobo. A acusação data de 13 de novembro de 2007. As empresas da família Tedesco foram multadas e embargadas. A Tedesco Madeiras Ltda., de 2007 até 2011 havia sido multada em 820 mil reais. Só a Madeireira Eunápolis, uma das principais da família, que entre 1999 e 2006 foi multada em apenas 4,3 mil reais, acumula autuações em quase 180 mil reais desde 2007, após as denúncias do casal.
Não se tratava de agir pelas “próprias mãos”, como escreveu o juiz. Segundo me contou Zé Cláudio quando estive com ele no seu lote, era uma “obrigação como cidadão”: “eu jamais vou ver uma injustiça e ficar calado. Enquanto eu tiver fôlego de vida e viver aqui dentro eu combato as injustiças, seja pela depredação do meio ambiente, seja pela apropriação da terra que ninguém tem direito de ter a terra só para si. A terra tem que ser distribuída para todos.” E iria até o fim: “nem que para isso custe a minha vida.”
Sabia dos riscos. Conhecia o histórico de massacres, dizia que “Marabá é um palco de conflito”. Sabia que os assassinos de Dézinho estavam presos, mas não o mandante. Sabia que no caso do Geraldinho, em Nova Ipixuna, “ninguém sabe, ninguém descobriu, a polícia não tomou providências”. Ele tinha medo:
“Eu tenho medo, mas no mesmo instante que eu tenho medo, além de eu ter minha obrigação como cidadão, o impulso que eu tenho quando eu vejo uma injustiça me tira o medo. Me faz com que eu tenha coragem de lutar. Porque o homem é o que ele é. Então se você tem coragem de lutar, lute. Mas antes você morrer tentando, do que morrer omisso.”
Medo é uma constante, e as pessoas aprendem a conviver com o risco. Maria tinha acompanhamento psicológico, tomava remédios controlados. Laisa, sua irmã, que continua vivendo no local, passou recentemente também a ter acompanhamento psicológico. Em vez de combater a violência da estrutura que constrói um ambiente violento, o Estado tem lidado apenas com questões subjetivas, paulatinas e individuais. Em vez de regularizar a situação fundiária no assentamento e enfrentar os problemas estruturais, discute oferecer a Laisa uma proteção, e acompanhamento psicológico. O foco não está nos problemas ou nos criminosos.
“A história continua, temos que continuar nossa luta e nossa batalha”, me disse Laisa, por telefone, de Brasilia. “Estou com esperanças. Psicologicamente estou bem. Corro risco e até o último momento da minha vida eu tenho que lutar. Enquanto há vida, há esperança”.
Segundo Atanagildo Matos, Diretor da Regional Belém do CNS, a morte de José Cláudio e Maria da Silva é uma perda irreparável. “Eles nos deixam uma lição, que é o ideal dos extrativistas da Amazônia: permitir que o povo da floresta possa viver com qualidade, de forma sustentável, em harmonia com o meio ambiente”, diz Matos.