Os participantes do Simpósio “Violência Sexual Infanto-Juvenil no Contexto das Grandes Obras: desafios e perspectivas”, signatários deste documento, indicam que o cenário de implantação de grandes obras de infraestrutrura e de apropriação de recursos naturais coloca a Amazônia como espaço estratégico na definição do modelo de desenvolvimento em vigor no Brasil, em que a situação das crianças e dos adolescentes precisa ser tratada com a seriedade exigida pelos princípios constitucionais da prioridade absoluta e da proteção ao meio ambiente.
O modelo atual de desenvolvimento leva em consideração um conjunto de planejamentos estratégicos governamentais que prevê a implantação de obras de infraestrutrura e de apropriação de recursos naturais na área correspondente a Amazônia legal, como partes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em suas versões um e dois.
Os espaços de implantação destas grandes obras apresentam similaridades de impactos aos territórios, às populações e às crianças e aos adolescentes que se configuram como graves violações de direito humanos, tais como: déficit de consulta às populações locais, em especial às crianças, aos adolescentes e aos povos indígenas e às comunidades tradicionais; não preparação prévia dos territórios para receber as demandas de migração populacional e as alterações socioambientais; precarização das condições de vida de crianças, adolescentes, mulheres, famílias povos indígenas e comunidades tradicionais; crescimento dos casos violência sexual e estruturação de rede de exploração sexual comercial articulada entre as grandes obras que utilizam o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, o tráfico de drogas e o trabalho análogo à condição escrava; desconsideração da realidade infanto-adolescente e das políticas públicas necessárias a este público nos Estudos de Impacto Ambientais (EIA) e nas políticas compensatórias.
Por isso, torna-se importante a articulação das instituições públicas, entidades sociais e sociedade destes territórios impactados pelas grandes obras de infraestrutura e apropriação de recursos naturais para o fortalecimento da rede de proteção e dos direitos das crianças e dos adolescentes, concebendo, desde já, o anúncio da criação da Rede de Proteção e Promoção dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes em Contextos de Grandes Obras (REPAC) que exige do governo federal do Estado Democrático de Direito do Brasil, assim como os demais entes do poder público e as empresas relacionadas à construção das grandes obras, o cumprimento das propostas que indicamos abaixo:
1. O reconhecimento e a efetivação do direito humano da criança e do adolescente ao desenvolvimento pautado na garantia de direitos, na sustentabilidade ambiental, na participação democrática das populações locais e na distribuição das riquezas, que se coloca em oposição ao modelo hegemônico de desenvolvimento adotado pelo Estado brasileiro e empresas.
2. Fortalecimento dos grupos infanto-adolescentes para participação em todos os estágios e espaços de negociação das grandes obras de infraestruturas e de apropriação dos recursos naturais, em especial nos Conselhos, Fóruns e Comitês formados para administração de ações e recursos relacionados com estas grandes obras, adotando e respeitando o princípio do melhor interesse da criança.
3. Incidência do princípio constitucional da prioridade absoluta nos EIA’s por meio da exigência de elaboração de estudos específicos e continuados da realidade e projeção de impactos à infância e adolescência, com definição de investimentos que garantam a sustentabilidade das condições sociais de vida das crianças e dos adolescentes antes, durante e depois da construção das grandes obras de infraestrutura e apropriação dos recursos naturais, além da elaboração de Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente (RIMA) em linguagem adequada e acessível à compreensão de crianças e adolescentes.
4. Modificação do modelo de audiências públicas destinado às populações locais tornando-o de caráter deliberativo e que utilize metodologia adequada para a participação social e o diálogo entre os sujeitos interessados, além da obrigatória promoção de audiências públicas nos espaços de protagonismo infanto-adolescente, como a escola, os centros de recreação, entre outros locais.
5. Incidência dos planos e dos diagnósticos dos Conselhos Municipais de Controle Social, em especial do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), na definição do conteúdo das condicionantes socioambientais e demais políticas compensatórias.
6. Registro, no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, das empresas envolvidas com o desenvolvimento de políticas compensatórias que afetem crianças e adolescentes para fiscalização das ações empreendidas, com obrigação de encaminhar
relatório de avaliação das atividades e de prestação de conta dos recursos investidos no município.
7. Quebra do monopólio fiscalizador das grandes obras de infraestrutura e de apropriação dos recursos naturais pelos órgãos competentes da esfera ambiental (IBAMA e secretarias de meio ambiente) mediante o alargamento da fiscalização para todos os Conselhos Setoriais, com repasse permanente de relatórios de cumprimento das condicionantes pelas empresas responsáveis para monitoramento.
8. Política de fixação e valorização dos profissionais que atuam nas instituições que atuam diretamente com crianças e adolescentes nos locais onde são implantados grandes obras de infraestrutura e de apropriação de recursos naturais, devido o aumento do custo de vida social que acarreta a dificuldade de permanência destes profissionais.
9. Responsabilização econômica das empresas e governos envolvidos por meio da destinação de, no mínimo, 30% (trinta por cento) do recurso econômico total das grandes obras para ser utilizado na execução das condicionantes e demais políticas compensatórias, definindo setor específico de condicionantes voltadas para a melhoria das condições de vida das crianças e dos adolescentes, assim como ocorre com os povos indígenas.
10. Formação continuada dos atores da Rede de Atendimento, Segurança Pública, Conselho Tutelar e Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente sobre ações que podem ser realizadas no enfrentamento à violência sexual de crianças, adolescentes e mulheres no cenário das grandes obras, em especial do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e do tráfico de drogas.
11. Implantação e/ou melhoria de sistema de banco de dados integrado da rede de proteção para agilização dos procedimentos de atendimento, impedimento da re-vitimização das crianças e adolescentes atendidas e monitoramento da situação e das políticas públicas destinadas ás crianças e aos adolescentes.
12. Adoção pelos meios de comunicação social de campanhas de sensibilização social para enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes que sejam adequadas para os contextos específicos encontrados nos cenários de implantação das grandes obras de infraestrutura e de apropriação dos recursos naturais, com especial atenção à sensibilização de crianças, adolescentes, trabalhadores, famílias migrantes, povos indígenas e comunidades tradicionais, e assegurando o protagonismo infanto-adolescente.
13. Implantação de mais Conselhos Tutelares, e estruturação dos existentes, e fortalecimento do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente nos locais de implantação de grandes obras de infraestrutura e de apropriação dos recursos naturais.
14. Formulação de leis e/ou decretos de fiscalização para entrada e saída de mulheres, adolescentes e grupos LGBT pelo mercado ilegal do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual nos territórios das grandes obras de infraestrutura e de apropriação dos recursos naturais, com ativa fiscalização feita pela Polícia Rodoviária Federal, Polícia Federal, Polícia Civil, Polícia Militar e Força Nacional.
15. Criação de uma Comissão Nacional composta por representantes das populações afetadas, dos trabalhadores das obras e instâncias
governamentais responsáveis, com a prerrogativa de avaliar os efeitos socioambientais e revisar os processos de licenciamento e implementação das políticas compensatórias.
16. Atendimento as crianças e adolescentes com seus direitos violados de forma interdisciplinar e qualificada.
17. Fortalecimento do trabalho de inteligência do setor de Segurança Pública para identificação, monitoramento e repressão aos agentes envolvidos com a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes em suas múltiplas modalidades, e o tráfico de drogas.
18. Identificação e punibilidade dos agressores sexuais e dos agentes responsáveis pelo tráfico de drogas.
19. Fortalecimento da mobilização e da sensibilização da população local para enfrentamento da violência sexual de crianças e adolescentes, confrontando a visão que justifica esta violência como questão cultural.
20. Criação ou fortalecimento, em todos os locais impactados por grandes obras de infraestrutura e apropriação de recursos naturais,
de Juizados, Promotorias e Defensorias especializadas nos direitos das crianças e dos adolescentes, e que contenham equipe multidisciplinar.
21. Definição de critério para repasse de porcentagem das verbas de compensação e de royalties para os Fundos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente.
22. Obrigação de criação de Centros de Prevenção e Recuperação de Dependentes Químicos que atendam a demanda decorrente do cenário de implantação das grandes obras.
Altamira, 17 de maio de 2013.
Assinam esta Carta as seguintes pessoas:
Antônia Pereira Martins – Centro de Referência em Direitos Humanos
Assis da Costa Oliveira – Universidade Federal do Pará
Célia Regina da Silva – Universidade Federal do Oeste do Pará
Charles Félix da Silva – Polícia Militar do Estado do Pará
Clarice Cohn – Universidade Federal de São Carlos
Dalila Eugênia Maranhão Dias Figueiredo – Associação Brasileira de Defesa da
Mulher, da Criança e da Juventude/ASBRAD
Eneida de Almeida Melo – Fundação Tocaia
Francisco Cordeiro Divino – Conselho Tutelar de Brasil Novo
Frandson Alves da Costa – Grêmio Estudantil “Unidos pela Educação”
Gabriela Romeu – Jornalista
Genésio Pinto de Oliveira – CMDCA Altamira/PA
Hiata A. S. Silva – CMDCA Porto Velho/RO
Leila Silva – Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos do Pará
Lucineide Santana Marques Sousa – CMDCA Parauapebas/PA
Luís Fernando Novoa Garzon – Universidade Federal de Rondônia
Marie Henriqueta Cavalcante – Comissão de Justiça e Paz/CNBB
Mônica Brito Soares – SINTEPP Altamira/PA
Raimunda Gomes da Silva – Movimento Xingu Vivo Para Sempre
Rosa Pessoa – Conselho Tutelar de Altamira/PA
Vilma Aparecida de Pinho – Universidade Federal do Pará
Crystianne Barros de Amariz
Daniela Soares da Silva
Francinete Dantes Malcher
Genian Darlen Gomes Santos
Giego Rigone
Helena Ninje Bergamim Hespanhol
Iury Charles P. Bezerra
Janete Clair Ribeiro Martins
Leila Pereira Hubner
Luena Katielly
Maini Militão
Márcia Pereira Aguiar
Marília dos Santos Gomes
Rildy Unana Acácio Queiroz
Rosamaria Loures
Rosana Rodrigues da Silva
Suelen da Silva Alves
Vanuce Cristina Rodrigies Freire
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