Actos continuados de intimidação e perseguição protagonizados pela Polícia da República de Moçambique, em conivência e resposta a solicitação da Vale, culminaram com a detenção arbitrária e julgamento sumário de três importantes representantes de oleiros e líderes destacados das 1365 famílias e comunidades atingidas e reassentadas pela Vale na Região de Cateme e Unidade 6 do Bairro 25 de Setembro, no Distrito de Moatize, na Província de Tete, região centro de Moçambique.
A liderança nacional da Acção Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais – ADECRU, em resposta a solicitação das famílias atingidas, seus militantes e companheiros de luta do Distrito de Moatize, visitou a Região de Cateme e Unidade 6 do Bairro 25 de Setembro numa missão de solidariedade e manifestação de apoio as 1365 famílias e comunidades atingidas e reassentadas pela Vale, entre os dias 10 e 13 de Maio de 2013. A referida visita coincidiu com o retorno das famílias às acções de protesto contra as injustiças e reivindicação de seus direitos e interesses, expressas através de bloqueio de quase todas as vias de acesso, incluindo a linha férrea, da mina da Vale, realizadas nos dias 12, 13 e 14 de Maio, que resultaram na paralisação total de todas as operações de produção e transporte do carvão.
No prosseguimento da acção reivindicativa contra as injustiças cometidas pela Vale, três cidadãos moçambicanos identificados por Refo Agostinho, Isac António Sampanha e Chaibo Charifo, foram arbitrariamente detidos pela Polícia da República de Moçambique (PRM) quando eram 5 horas da manhã do dia 14 de Maio, junto da linha férrea que dá acesso a mina. Depois da sua detenção, os três cidadãos foram encaminhados ao comando Distrital da PRM de Moatize onde permaneceram até por volta das 14 horas, do mesmo dia, antes de ser ordenado a sua transferência para unidades penitenciárias da Cidade de Tete, supostamente em cumprimento de ordens superiores do Governador de Tete, Ratxide Abdala Gogo.
Na Cidade de Tete, Rego Agostinho, Isac António Sampanha e Chaibo Charifo foram conduzidos para a Primeira Esquadra onde de acordo com informações confirmadas, as autoridades policiais daquela unidade se recusaram a encarcera-los por entender que não havia razões consistentes para a sua transferência de Moatize para Tete. Como alternativa, os agentes da PRM de Moatize, chefiados pelo Oficial das Operações, foram forçados a levar os detidos para a cadeia civil provincial de Tete onde estes permaneceram cerca de 1hora e 30 minutos.
Confrontados com a recusa da guarda prisional de encarcerar os cidadãos em causa alegadamente pela não apresentação de auto de notícias e processo de transferência, o oficial das operações da PRM de Moatize viu-se obrigado a transferir os três líderes das famílias para a Segunda Esquadra da cidade de Tete onde permaneceram detidos até ao final do dia 16 de Maio.
“Na segunda esquadra da cidade de Tete estávamos numa cela muito apertada sem condições mínimas de humanidade. Sofremos muito com os mosquitos. Fomos colocados numa cela de 1.5 metros de comprimento e 1 metro de largura num universo de 7 presos”, disse um dos líderes detido.
Por volta das 19 horas do dia 16 de Maio, os três cidadãos foram novamente transferidos para a Esquadra do segundo Bairro de Moatize, mantendo-se em reclusão até as 12horas do dia 20 de Maio quando finalmente receberam o mandato de soltura após a sessão de julgamento realizada no tribunal Distrital de Moatize.
Num diálogo com os militantes da ADECRU durante a manhã de hoje, 21 de Maio de 2013, Isac António Sampanha, um dos três detidos que permaneceu cerca de 7 dias nas unidades prisionais da cidade de Tete e de Moatize manifestou a sua felicidade pela sua soltura e de seus companheiros. Sampanha expressou também seu optimismo em relação ao desfecho do caso que será conhecido amanhã, 22 de Maio, quando o colectivo de Juízes do Tribunal Judicial do Distrito de Moatize, responsável pelo julgamento sumário deste caso, proferir a sentença por volta das 9 horas.
“Estou muito feliz pela restituição da liberdade e poder voltar ao convívio familiar e social. Espero que amanhã sejamos absorvidos. Aliás, penso que fomos ontem absorvidos durante a sessão do julgamento quando o alegado ofendido, senhor Andrasson, funcionário da Vale e de nacionalidade brasileira, desmentiu todas as acusações que nos eram imputadas em sede do Tribunal ” disse António Sampanha.
Por outro lado, António Sampanha explicou a ADECRU as supostas razões da sua detenção e julgamento nos seguintes termos: “fomos julgados porque somos acusados de proferir ameaças de morte a um funcionário da Vale de nome Andrasson. Porém, durante o respectivo julgamento dissemos que era mentira porque o referido senhor não estava presente no local dos protestos.”
Durante o diálogo mantido com os militantes da ADECRU, os três líderes consideraram que a sua detenção e prisão durante quase sete dias e consequente julgamento, representa uma forma de ameaça para a não reivindicação de seus direitos. Entretanto, acreditam, porém, estar no exercício de um direito estabelecido na Constituição da República de Moçambique, pelo que: “continuaremos a reivindicar pacificamente como temos feito até que os nossos direitos e interesses sejam repostos e garantidos”.
“A Vale e seus funcionários nos tratam como brinquedos, não nos respeitam e não nos consideram como pessoas” denunciaram os líderes, tendo de seguida transmitido a sua indignação face as acusações da Vale: “A Vale insiste em nos acusar de termos causado enormes prejuízos avaliados em 42 milhões de dólares provocados pelas últimas duas paralisações em menos de um mês. Porém, se esquece de contabilizar os avultados prejuízos e danos materiais, patrimoniais e humanos que as 1365 famílias e comunidades atingidas têm sido sujeitas desde finais de 2009”.
A ADECRU e a opinião pública têm acompanhado, com indignação, o caso de três cidadãos que estiveram sete dias presos desumanamente, privados de sua liberdade e do convívio familiar. Em cada episódio se evidencia a conivência e cumplicidade, a fuga permanente à responsabilidade por parte da Vale e do Governo de Moçambique.
Diante dos factos apresentados, a Acção Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais – ADECRU denuncia e repudia, com urgência e veemência, o aumento de casos de criminalização de lideranças e famílias atingidas pela Vale. Igualmente, a ADECRU apela ao colectivo de Juízes do Tribunal Judicial do Distrito de Moatize para absorção dos cidadãos Refo Agostinho, Isac António Sampanha e Chaibo Charifo.
Maputo, 21 de Maio de 2013
ADECRU
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Compartilhada por Bruna Engel.