Para ele, a palavra ‘índio’ surgiu de maneira equivocada e reduz os povos. Autor de 43 livros, Daniel Munduruku abriu o evento em Poços de Caldas.
Jéssica Balbino, do G1 Sul de Minas
Autor de 43 livros, o indígena Daniel Munduruku foi o palestrante convidado para a abertura do 10º Congresso do Meio Ambiente em Poços de Caldas (MG) nesta quarta-feira (22). O indígena, que é doutor em educação e cursa pós-doutorado em literatura na Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), falou sobre a ‘Mãe Terra e a Questão Indígena’ durante um bate-papo com os congressistas.
Em uma saudação na língua do povo ao qual pertence, abriu a fala e brincando, pediu licença a quem estava no ambiente. “Bom dia a todos os amigos aqui presentes, espero que este encontro seja tão bom para vocês como vai ser para mim”, saudou, em uma referência aos ancestrais. “Nossos avós diziam que quando vamos encontrar alguém, temos que ir com o coração aberto e alegre para que o encontro seja bom, desejando que as pessoas que estão no lugar se sintam da mesma forma”, pontuou, ao lembrar que estar conectado com o meio ambiente é estar conectado com a poesia do universo.
“Vou falar de outras tantas coisas que não são meio ambiente, mas também são. Quero olhar nos olhos e conversar. Para começar, vou destacar que não sou índio e que não existem índios no Brasil. O que existem são povos. Eu sou Munduruku e pertencer a um povo é ter participação dentro de uma tradição ancestral brasileira. Quando eu digo que não existem índios, quero dizer que existe uma diversidade muito grande de ancestralidade. São pelo menos 250 povos indígenas e são faladas pelo menos 180 línguas no Brasil”, disse.
Para ele, a palavra ‘índio’ surgiu de maneira equivocada e reduz os povos. “Está ligada a uma série de conceitos e pré-conceitos. Normalmente ela está vinculada a coisas negativas, embora haja muito romantismo na história, a maioria do pensamento quer dizer que o índio é um ser fora de moda, atrasado no tempo e selvagem. Alguém que está atrapalhando o progresso e continuamos reproduzindo um estereótipo que foi sendo passado ao longo da nossa história”, criticou.”
O bate-papo foi permeado por lembranças do indígena, que contou histórias sobre a própria vida, a fase de transição entre infância e adolescência e a perda do avô, que segundo ele, na tradição Munduruku, é quem transmite os ensinamentos dentro de uma família ou tribo. Com isso, ele chegou à dúvida dos presentes que era: como começou a escrever e se tornou acadêmico. “Quando meu avô morreu, me fez entender o que era ser Munduruku e eu sempre quis lembrar dele assim. Queria ser como ele, um contador de histórias. Demorei para saber como seria meu caminho, se seria na tribo ou na cidade, mas optei pela cidade e pela vida acadêmica e hoje estou aqui, transmitindo estas histórias que são tão cheias de sabedoria de vida e de meio ambiente”, pontuou.
Em relação ao meio ambiente e aos questionamentos feitos pelo público, o indígena destacou a questão da evolução humana e no Brasil a construção de barragens. “O povo Munduruku está sofrendo com a construção das barragens, seja em Belomonte, seja em Rondônia, enfim, eles estão lutando para viver. A natureza e o ambiente que os índios vivem fazem parte da humanidade deles. Eles lutam para se manterem e lutam por um Brasil inteiro que não tem a consciência de perceber isso. A luta pelo meio ambiente é a luta de todo povo brasileiro”, finalizou.