Massacre de Felisburgo: “O conflito só será encerrado com a reforma agrária”. Entrevista especial com Silvio Netto

Felisburgo“Já assassinaram 12 trabalhadores rurais sem terra no país, e, por onde avança o agronegócio, se mantém firme o latifúndio, além de aumentar a violência. Uma das consequências disso é a morte destes trabalhadores”, afirma o integrante da direção mineira do Movimento dos Sem Terras – MST.

IHU – O adiamento foi uma manobra política; fizeram com que o juiz adiasse o júri. O juiz se sentiu ameaçado pela mobilização; ele sabia e sabe que a condenação de Adriano Chafik abrirá precedente para que se crie um processo de cobrança de justiça pelas violências que ainda acontecem no campo brasileiro”. A declaração é Silvio Netto, integrante da direção estadual do MST ao comentar o adiamento do julgamento do fazendeiro Adriano Chafik, acusado de ser o mandante e um dos executores do massacre de Felisburgo, em 20 de novembro de 2004, quando cinco trabalhadores rurais foram assassinados no acampamento Terra Prometida, dentro da Fazenda Nova Alegria, no município de Felisburgo, localizado no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais.

Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, Netto assinala que os trabalhadores rurais estão “acampados em Belo Horizonte em repúdio à postura do poder Judiciário” que, segundo ele, tem uma postura “conivente com a violência no campo, orientada pelo agronegócio e pelo latifúndio”.  Após oito anos do massacre, as famílias continuam acampadas no município de Felisburgo aguardando a legalização das terras ocupadas. “Felisburgo é um grande exemplo de que os trabalhadores rurais sem terra não vão arredar um passo da decisão de fazer a reforma agrária, mesmo diante a uma face cruel da envergadura do que foi este massacre”, conclui.

Silvio Netto é integrante da direção do MST de Minas Gerais. Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como vocês receberam a notícia de que a Justiça de Minas Gerais adiou, pela segunda vez, o julgamento do fazendeiro Adriano Chafik Luedy, acusado de ser o mandante do conhecido massacre de Felisburgo?

Sílvio Netto – Apesar de termos a compreensão de que a Justiça brasileira seja de classe, que atenda à demanda da classe dominante e, portanto, que age de forma a impedir com que os avanços dos trabalhadores aconteçam, o MST fez um grande esforço com seus advogados, com as famílias assentadas e acampadas, para que estes pudéssemos ver, no dia 15-05-2013, a condenação do fazendeiro mandante e um dos executores do massacre de Felisburgo acontecer. Porém, “tomamos uma porrada” muito forte. Essa decisão foi uma surpresa, especialmente pelo adiamento ter sido anunciado na noite de anteontem (13-05-2013), o que exigiu do MST uma capacidade organizativa muito grande para poder desmobilizar os três mil trabalhadores que estavam vindo para Belo Horizonte, e permitir que ao menos os trabalhadores do acampamento Terra Prometida pudessem se manifestar.

IHU On-Line – Qual a repercussão dessa decisão?

Sílvio Netto – Fizemos manifestações em todo o estado de Minas Gerais, abrindo pedágios no interior do estado, fechando rodovias, ocupando latifúndios. Nós organizamos manifestações na entrada dos Fóruns, e ontem (14-05-2013) e hoje (15-05-2013) realizamos uma marcha no interior do estado. Os trabalhadores estão acampados em Belo Horizonte em repúdio à postura do poder Judiciário que, em nossa avaliação, tem uma postura conivente com a violência no campo, orientada pelo agronegócio e pelo latifúndio.

O MST, hoje (15-05-2013), em reunião com o juiz, fará três reivindicações. Uma em relação à prisão preventiva de Adriano Chafik, porque manter em liberdade um assassino com o poderio político e econômico que ele tem significa o risco de mais um massacre em Minas Gerais – as famílias do Vale de Jequitinhonha e Felisburgo continuam sendo ameaçadas.

Outra reivindicação será em relação ao assentamento das famílias, porque para o MST existe uma irresponsabilidade por parte dos governos ao não se manifestarem diante de um ataque do Judiciário e por não desapropriarem a área de Nova Alegria.

Por outro lado, o poder Judiciário vem tentando impedir, com várias manobras jurídicas, que o assentamento das famílias aconteça na antiga fazenda Nova Alegria, no acampamento Terra Prometida, no município de Felisburgo.

E uma terceira reinvindicação será feita em relação à remarcação imediata do julgamento, porque não é possível que quase depois de nove anos de impunidade o poder Judiciário não tenha condições de marcar um júri para condenar um fazendeiro que matou cinco pessoas e feriu dezenas, e que até hoje está solto.

IHU On-Line – Segundo notícias da imprensa, o julgamento foi adiado porque o juiz Glauco Soares Fernandes atendeu ao pedido do advogado dos réus, Antônio Francisco Patente, para ouvir 60 testemunhas em uma audiência realizada no dia 14-05-2013, na Comarca de Jequitinhonha. Como vê essa decisão?

Sílvio Netto – O adiamento foi uma manobra política; fizeram com que o juiz adiasse o júri. O juiz se sentiu ameaçado pela mobilização; ele sabia e sabe que a condenação de Adriano Chafik abrirá precedente para que se crie um processo de cobrança de justiça pelo tanto de violência que ainda acontece no campo brasileiro. Só para você ter ideia, esse ano já assassinaram 12 trabalhadores rurais sem terra no país, e, por onde avança o agronegócio, se mantém firme o latifúndio, além de aumentar a violência. Uma das consequências disso é a morte destes trabalhadores.

IHU On-Line – Oito anos depois do massacre, as famílias ainda vivem no assentamento sem a regularização das terras, esperando que a área seja desapropriada. Como está essa questão?

Sílvio Neto – Fico impressionado com a coragem dessas famílias organizadas pelo MST lá no município de Felisburgo. Depois de viverem o inferno na terra, de passarem por um dos massacres mais cruéis na história do país, eles reocuparam a área e, hoje, o Acampamento Terra Prometida é responsável pela produção de 70% do alimento consumido em Felisburgo. No acampamento, temos rádio comunitária, escola, biblioteca, um bom debate com as famílias. Felisburgo é um grande exemplo de que os trabalhadores rurais sem terra não vão arredar um passo da decisão de fazer a reforma agrária, mesmo diante a uma face cruel da envergadura do que foi o massacre de Felisburgo.

Há um processo correndo na Justiça Federal para regularizar essa área, mas, paralelamente a isso, os governos já deveriam ter assinado e desapropriado essas terras por interesse público social do Estado para a reforma agrária.

IHU On-Line – Pesquisa feita pela Comissão Pastoral da Terra – CPT em 2011 aponta que apenas 8% dos casos de assassinatos ocorridos desde 1985 em conflitos agrários foram julgados, pelo menos em primeira instância, até abril de 2011. A que você atribui isso? Há um aumento ou continuidade da violência no campo ao longo desses anos?

Sílvio Neto – Existe uma carta branca do Estado brasileiro para a violência no campo, para que ela não cesse. Portanto, o Estado brasileiro é conivente com o aumento da violência no campo e com as mortes que vêm acontecendo. Nós, do MST, não temos dúvida: o conflito do povo brasileiro só será encerrado com a reforma agrária.

IHU On-Line – Como a questão da terra é abordada em Minas Gerais?

Sílvio Neto – Em Minas Gerais ainda há presença de latifúndios, e um avanço grande de empresas multinacionais de agronegócio no Triângulo Mineiro e na região sul do estado. Em outras regiões predominam grandes empreendimentos de barragens e mineração. Então, fazer a luta pela reforma agrária em MG é fazer a luta por outro modelo no campo, diferente do modelo hegemônico e apoiado pelo Estado brasileiro, do agronegócio, da mineração e das barragens. Nós já apresentamos um projeto popular para o campo e esse projeto precisa ser implementado com luta social, a qual não vai sessar enquanto isso não acontecer.

IHU On-Line – Os manifestantes do MST exigem a remarcação da data do julgamento. Já há previsão?

Sílvio Neto – Hoje em audiência com o juiz foi sinalizada nova data para agosto, mas ainda não há nada oficial.

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