A quem interessa, neste momento, brigar pela Presidência da Funai?

Foto - Mário Vilela (Funai)

Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental

Desde a manhã de ontem, pelo menos um saite ostensivamente ruralista (soube de outro hoje, mas confesso que não quis checar) noticia a nomeação de Marcos Terena para a Presidência da Funai, em notícia grande, com dados sobre sua vida etc e tal. Trata-se do mesmo saite, aliás, que passou uma semana informando da demissão da atual presidente, Marta do Amaral Azevedo, baseada num comentário da Folha de São Paulo.

Paralelamente, na noite de ontem foi lançada uma Petição na Avaaz com o título “POR UMA PRESIDÊNCIA INDÍGENA DA FUNAI”. Neste segundo caso, conheço o bastante algumas das pessoas envolvidas para saber que não se trata de mais uma jogada ruralista. Não entanto, não assinei. E não o fiz conscientemente, pois não tenho em absoluto claro que essa seja a melhor solução.

O que mais me chocou e revoltou no depoimento de Gleisi Hoffmann na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados foi a forma anti-ética, inclusive, com que ela tratou a questão. E digo anti-ética porque, ao concordar e avalizar as críticas à Funai, era também ao seu colega do Ministério da Justiça que ela estava criticando. Por outro lado, considerando que o próprio já questionou o papel desempenhado pelo órgão a ele subordinado, parece que estão todos de acordo nesse primeiro escalão.

Cabe lembrar, porém, que não era então apenas à direção da Funai e ao seu colega que Gleisi atingia; era à própria Constituição, que estabelece ser a Fundação a responsável pela execução da política indigenista. A partir daí, a Secretária da Casa Civil abria as portas para a própria emenda constitucional: para a PEC 215.

É necessário ir mais longe, entretanto. Como escreveu Patrícia Bonilha para o CIMI, em matéria que republicamos,

Logo em sua fala de abertura, Gleisi afirmou que “a Funai é um órgão envolvido com os interesses indígenas”, e que, portanto, ela não é imparcial, colocando sob suspeição a competência da instituição para desenvolver as atribuições que estão sob a sua responsabilidade. A deixa da ministra para os ruralistas foi dada de forma bastante clara, e não podia ser mais perfeita. Mas ainda havia mais por vir.

Após inúmeras falas nervosas e contundentes em que a Funai, este órgão público do governo federal – é bom lembrar – foi chamada pelos deputados ruralistas de criminosa, vigarista, fraudulenta, incompetente, desonesta, dentre outros adjetivos, a ministra-chefe da Casa Civil afirmou que “a Funai não está preparada e não tem critérios claros para fazer a gestão de conflitos. Ela não tem a capacidade para fazer a mediação [entre índios e agricultores] pelo envolvimento que tem com os índios”. Era tudo o que os ruralistas queriam ouvir: falava contra a Funai a voz delegada pela Presidência da República.

Como já escrevi outras vezes, temos críticas à Funai, indubitavelmente. Mas com certeza a última coisa que desejamos é deslegitimá-la e, antes mesmo desse casamento espúrio entre Casa Civil e a bancada do latifúndio redundar na aprovação da PEC 215 (entre outras), entregarmos a política indigenista à Embrapa, ao Ministério da Agricultura e aos ruralistas, em resumo. Por mais que eles já a estejam determinando, de alguma forma.

Ora, se o principal argumento do latifúndio para deslegitimar a autoridade da Funai e dos antropólogos e demais funcionários que nela trabalham no tocante à determinação dos territórios indígenas é, no dizer da ministra, o fato de ela ser “um órgão envolvido com os interesses indígenas”, o que a torna incapaz de “fazer a mediação” nos litígios referentes a terras, como ficaria essa questão se ela fosse presidida por um/a indígena?

Posso estar totalmente errada, mas me parece que lutar por isso no momento atual arrisca ter como consequência, usando um ditado bem objetivo, fazer o jogo do inimigo. Ou será que, se isso acontecer, os ruralistas virarão santos e decidirão que os melhores para “fazer a gestão de conflitos” entre eles e os interesses indígenas são os próprios indígenas?

Para quem não leu:

“Nota da Associação dos Servidores da FUNAI – ANSEF”. Excelente!

Comments (6)

  1. Oi, Compas,
    a questão é que, nesse caso, deveríamos também dar o link para pelo menos um dos blogs ruralistas (cujo nome me recusei inclusive a mencionar) e ainda para outras posições (que prefiro não comentar) que apareceram ontem na internet e no face, principalmente.
    Repito: estamos andando num terreno altamente escorregadio, no qual há também, do lado não-ruralista, interesses e vaidades que podem comprometer (e muito) a luta dos povos indígenas.
    Desde sempre apoiamos a luta da Aldeia, dela participando em muitos momentos fisicamente, inclusive. Mas neste instante extremamente delicado não tenho claro (como escrevi) que essa Campanha seja a melhor estratégia…
    Enfim, como o Fernando escreveu que ela está sendo revista, inclusive, espero que achemos tod@s os melhores caminhos.
    Tania.

  2. Agora entedi, perdoem me o comentário acima. È que os comentários só aparecem quando você coloca o seu nome e e-mail. Peço excluir o comentário acima

  3. A fala da Ministra tem que ser questiona em sua própria lógica, dialéticamente. A FUNAI é um órgão de Estado que atua em defesa das minorias indígenas, um órgão do executivo federal, assim como as secretarias e ministérios de defesa dos direitos das mulheres, dos negros, etc…

    Aceitar este argumento é corroborar com uma perspectiva imparcial (neutralidade) que, defendida por Weber, no entanto, já foi desconstruída pela crítica crítica…

    Na perspectiva republicana, é a Justiça, e os ruralistas sempre terão a prerrogativa de recorre a ela quando acharem injustiçados, que deve estar ‘de fora’, sem envolvimento direto com os interesses em conflito, e, sabemos, que também isto é um idealismo.

    Por fim, compreendemos ser necessário oferecer ao leitor o link da Campanha para que este possa, reconhecendo o objeto discutido, nele próprio, e em sua dinâmica dialética, formar seu próprio juízo. Aí vai:

    http://www.avaaz.org/po/petition/POR_UMA_PRESIDENCIA_INDIGENA_DA_FUNAI/edit/

    http://www.facebook.com/events/261014750708958/?notif_t=plan_user_joined

  4. Cara Tânia,

    Entendo que seria importante você dialogar com o movimento de resistência da Aldeia Maracanã da qual você, acreditamos, é próxima senão sujeito. Vimos constituindo e reconstituindo esta Campanha como resposta à ofensiva ruralista e devido as dúvidas e questões levantadas por seus participantes estamos reformulando a Campanha. Mas que o posicionamento de alguns setores retrógrados, que inclusive lançaram uma candidatura, é uma resposta à Campanha, que deve, assim se reposicionar, o que torna a sua crítica pertinente, mas também anacrônica (pois que não houver o referido diálogo). Mas as críticas são sempre muito bem vindo e lhe convidamos a, em breve, reconhecer as mudanças na campanha propostas pelo movimento e a participar criticamente.

  5. Sobre essa questão, é que a marginalização e a discriminação dos Povos Indígenas continua da mesma maneira de quando aqui chegaram os europeus. O objetivo de 1500, explorar as riquezas naturais, continuam da mesma maneira. O movimento da Cabanagem não foi totalmente extinto, mesmo com milhares de mortos indígenas e negros. A invasão continua e a resistencia continua – ver caso dos Munduruku e vários outros inclusive dos índios isolados.
    As empresas européias, canadenses e EUA continuam obrigando as políticas de Estado a aceitarem suas explorações e impõem um sistema econômico que assim cumpram seus interesses utilizando-se para isso do FMI, Banco Mundial, OMC, Banco Interamericano, corrupção dos “políticos nacionais” etc..etc..e etc..
    No caso da presidencia da funai – seja indígena, negro, branco, amarelo qualquer desses palavras que carregam conceitos preconceituosos é tudo faixada, qualquer descendente de qualquer origem que agir em prol dos interesses indígenas, confrontando com os interesses de gêneses europisadas estão fora…. o sistema implantado precisa ser modificado, a política de desrespeito às populações, a agiotagem e o acumulo de riquezas por minorias empresariais e multinacionais são prejudiciais a todos, causam conflitos e promovem a violência para se imporem… prejudicam todos e ao planeta.

  6. Considero muito lúcida a tua argumentação. Obviamente que nomear um indígena para a FUNAI, nesse momento, levaria água ao moinho ruralista, pois se um corpo técnico está sendo deslegitimado para exercer as funções regulamentadas que lhe cabe, e que os ruralistas chamam de “mediar conflitos” deturpando as atribuições, imagine um indígena o quanto seria atacado. O objetivo é enfraquecer a FUNAI de todas as formas, isso está claro. E colocar ruralistas diretamente em confronto com os indígenas é também interesse deles. Possivelmente a estratégia seja essa mesmo: derrotar ambos – FUNAI e movimentos indígenas – de uma só vez. No tocante à pseudocrítica de Gleisi pela FUNAI representar interesses indígenas, a questão da deslegitimação fica evidente pelo contraditório que a pseudocrítica abarca: a FUNAI representa os interesses indígenas por determinação constitucional e é isso que ela tem que fazer. Queria a Sra. Gleisi o quê? Ah sim, validar sua crítica à posteriori.

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