MG – Medo da violência leva população de rua para Zona Sul de BH

Violência leva moradores de rua a migrar para áreas mais nobres de BH em busca de segurança e evidencia multiplicação de sem-teto. PBH admite que estrutura de acolhimento está “no limite”

EM – O ex-pedreiro Milton Natividade, de 40 anos, passou a maioria das noites dos últimos quatro anos na Região Hospitalar de Belo Horizonte. Em uma dessas madrugadas, no início de 2013, foi acordado com um chute na costela. “Arreda para lá, coroa”, ele diz ter ouvido de um desconhecido. O morador de rua conseguiu se afastar da calçada, mesmo sob efeito da cachaça que havia bebido antes de dormir. Em seguida, afirma ter visto o homem jogar álcool no corpo do colega que dormia ao lado dele no passeio. “O cara riscou um fósforo e meu amigo virou uma chama viva. Morreu”, conta. Milton deixou a região hospitalar depois do episódio. Desde então, passa a maior parte das noites com mais cinco sem-teto em frente a um loja na Avenida Cristóvão Colombo, na Savassi. A mudança dele não é caso isolado.

Moradores de rua relatam que um número crescente de sem-teto migra para áreas mais nobres da cidade. Parte da população de rua tem buscado regiões onde há mais movimento, vigilância particular de edifícios e passagem de viaturas para fugir de violência, inclusive de brigas entre eles. O movimento é percebido por moradores e comerciantes dessas regiões – além da Savassi, a reportagem do EM encontrou grupos no Bairro de Lourdes e na Praça da Liberdade – e torna mais evidente o crescimento da população de rua na capital. do Movimento Nacional de População de Rua estima que há pelo menos 2.200 sem-teto em BH, o dobro do último censo oficial feito na cidade, em 2006, quando foram contados 1,1 mil moradores de rua.Na Praça da Liberdade, não é difícil encontrar moradores recém-instalados. Um deles é Célio de Paula, de 64 anos. O ex-faxineiro afirma que abandonou o Centro da cidade para se proteger. “No Centro tinha uma porção de craqueados (usuários de crack) abusados, que batiam na gente por causa de nada. A polícia uma vez me bateu demais”, conta. Na Região Centro-Sul, ele diz, é diferente. “Achava que se entrasse aqui ninguém ia deixar, mas não fizeram nada. Então vou empurrando meu carrinho”, revela ele, que batizou o carro de compras de Ferrari. “Cochilo um pouco na Praça da Liberdade. Na Savassi, você dorme até escutando música ao vivo.”

Perto dali, no jardim da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa, sete moradores de rua encontraram espaço para dormir entre folhas de papelão e cobertores. Eles contam que só saem durante o dia para não atrapalhar o funcionamento da biblioteca. O grupo consegue dinheiro para comida, cigarros, álcool e crack lavando carros durante o dia. O mais velho deles, Rodrigo de Souza, de 32 anos, veio de Santa Luzia. Ele conta que, a exemplo do ex-pedreiro que se instalou na Savassi, resolveu mudar de lugar por causa de violência. Rodrigo afirma também ter testemunhado a morte de um morador de rua. “Foi terrível. Jogaram gasolina no cara e depois botaram fogo. Por isso vim para cá”, disse. Os relatos coincidem com estatísticas do Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores de Material Reciclável (CNDDH). Segundo relatório da instituição, 54 moradores de rua foram assassinados em Belo Horizonte entre fevereiro de 2011 e maio de 2012.

Insegurança 

A migração de sem-teto para pontos mais movimentados da cidade cria sensação de insegurança e gera reação entre moradores e comerciantes dessas regiões. O comerciante Marcos Vasconcelos, de 45 anos, conta que um dupla de moradores de rua que se instalou nas proximidades da Rua Aimorés, em Lourdes, foi vista tentando arrombar sua loja. “Sei que é um problema social, mas não pode haver crimes”, reclama. Dono de um restaurante na região, Ricardo Rodrigues, de 55 anos, disse que o número de pedintes nas mesas aumentou. “A solução que encontrei foi oferecer comida aos mendigos. Não adianta bater de frente, como alguns fazem”, afirma. Moradora da Savassi, a advogada Joana Garcia, de 34, disse que passou a evitar sair à noite com o filho por causa de sete moradores de rua que se instalaram ao lado de seu prédio. “Já chamamos a PBH para levar essas pessoas para um albergue, mas ninguém veio”, afirmou.

A prefeitura não reconhece estatísticas que apontam aumento da população de rua, mas admite que o problema se agrava. “Nossa capacidade de acolhimento está no limite”, diz Soraya Romina, coordenadora do Comitê de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal para População em Situação de Rua. “Isso faz com que gente deixe de ser atendida e, sem esse acesso, passe a desconhecer as estruturas que podem beneficiá-lo”, acrescenta. Segundo ela, um novo censo de moradores de rua será feito em setembro. “Só com esse instrumento poderemos confirmar ou não que a população em situação de rua aumentou, orientar nossas políticas públicas e saber, por exemplo, quantas vagas precisaremos aumentar nos albergues”, disse Romina.A prefeitura afirma ter 712 vagas em edifícios, sendo 400 de albergue, 32 no abrigo para famílias, 200 no abrigo de indivíduos, 80 nas repúblicas, além de 297 bolsas moradia. Segundo a administração municipal, um projeto piloto com a Polícia Militar para combater a violência entre os moradores de rua no Parque Municipal resultou 190 abordagens conjuntas em 2012 no espaço, que serve de projeto-piloto e poderá se expandir para toda a cidade.

Enviada por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.

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