Vinte anos após Massacre de Haximu, Davi Kopenawa teme novo conflito

Líder yanomami diz que garimpeiros ilegais ameaçam comunidade em RR. Em 93, 12 índios foram mortos após conflito na fronteira com a Venezuela.

Por Vanessa Lima, do G1 RR

Vinte anos após 12 índios serem mortos em um conflito com garimpeiros na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, o líder indígena Davi Kopenawa diz que um novo “Massacre de Haximu”, como ficou conhecido o episódio, é iminente. O alerta também é feito pelo Instituto Socioambiental (ISA), que aponta uma nova “corrida do ouro” na região, similar à ocorrida nos anos 80 e 90 e que culminou na morte dos nativos.

Uma das situações mais delicadas ocorre na Maloca do Papiú, no centro da reserva indígena. O local é considerado o “coração do garimpo ilegal”. Segundo Kopenawa, os índios elaboraram uma carta cobrando ações mais efetivas de retirada dos garimpeiros da área.

“Os índios estão revoltados. Se a Funai não tomar providência de retirar esses garimpeiros da comunidade, vai acontecer igual ao Massacre de Haximu, uma grande matança do meu povo. O clima entre os indígenas e os garimpeiros é tenso”, diz o líder indígena.

Kopenawa ainda se lembra do massacre em Haximu. Acompanhado pelo então ministro da Justiça, Maurício Correa, na década de 90, ele esteve no local do genocídio. Malocas queimadas, restos de fogueira onde foram cremados os corpos (que faz parte da tradição indígena) e, posteriormente, o local onde ocorreram as mortes foram encontrados.

“Eu nunca esqueço daquela imagem. São meus parentes, meus familiares que morreram. Muitas crianças foram vítimas”, conta. Para ele, os culpados pelo massacre não tiveram uma punição justa. Atualmente, apenas um dos garimpeiros que foram condenados em 1996 não está em liberdade – e devido a outro crime.

‘Iminência de conflito sangrento’

Segundo o ISA, a invasão de garimpeiros vem se agravando há três anos, impulsionada pela alta do preço do ouro no mercado internacional. “O garimpo tem potencial de causar danos permanentes aos povos yanomami. Existem hoje problemas de saúde e de desestabilização de comunidades, mas a iminência de conflito sangrento é algo que pode eclodir a qualquer momento”, diz a advogada da ONG Ana Paula Souto Maior.

Ela destaca o baixo poder de fiscalização do estado e reforça a necessidade de ações efetivas para fechar a chamada “cadeia do ouro”. Segundo Ana Paula, a Operação Xawara, deflagrada pela Polícia Federal em julho do ano passado com o objetivo de reprimir e desarticular o motor econômico do garimpo ilegal na área indígena, foi apenas o primeiro passo.

O coordenador do ISA em Roraima, Marcos Wesley de Oliveira, diz que devem ser realizadas ações de inteligência para identificar os empresários do garimpo.

Procuradas pelo G1, a Superintendência da Polícia Federal em Roraima e a Funai (Fundação Nacional do Índio) dizem que não irão se manifestar sobre o assunto.

Entenda o caso

Segundo a antiga Comissão Pró-Yanomami (CCPY), incorporada ao ISA, no início de agosto de 93, iniciaram-se os boatos sobre o massacre dos indígenas. A primeira notícia concreta tratando do caso chegou ao conhecimento das autoridades por meio de um bilhete de uma freira que estava em uma região próxima, datado de 17 de agosto de 1993. No dia seguinte, o genocídio foi notícia na mídia nacional e estrangeira, como no New York Times.

De acordo com o inquérito policial, 12 pessoas foram mortas a tiros e mutiladas com facão – sendo um homem adulto, duas idosas, uma mulher, três adolescentes, quatro crianças e um bebê. Pelo menos 22 garimpeiros foram acusados de participar da execução dos indígenas.

Em 1996, João Pereira de Morais, Pedro Emiliano Garcia, Eliézio Monteiro Neri, Juvenal Silva e Francisco Alves Rodrigues (que morreu antes de ser preso) foram condenados pela Justiça Federal de Boa Vista entre 19 e 20 anos de prisão pelo massacre dos indígenas da comunidade Haximu. Além do crime de genocídio, eles também foram condenados por outros delitos, como contrabando e garimpo ilegal. A primeira sentença condenou apenas os cinco garimpeiros. Os outros continuam livres por falta de provas.

Em 1998, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região anulou o julgamento. Em sua decisão, o TRF alegou que se tratava também de crime doloso contra a vida, e que cabia, portanto, o julgamento ao Tribunal do Júri. O Ministério Público Federal recorreu da decisão ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Em 2000, a 5ª Turma do  STJ, em Brasília, rejeitou por unanimidade o recurso para rever a condenação dos garimpeiros. Diante da segunda decisão desfavorável, os garimpeiros entraram com embargos alegando que, ao analisar o pedido do Ministério Público Federal, o STJ não havia se manifestado sobre questões constitucionais referentes ao julgamento do crime de genocídio. Entretanto, o ministro Jorge Scartezzini, relator do novo recurso, rejeitou o pedido dos garimpeiros afirmando que a decisão anterior tinha “abordado por completo o tema”.

A última decisão sobre o caso de Haximu foi proferida em 2006. O plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu, por unanimidade, que o crime foi um genocídio e manteve a condenação da Justiça Federal de Boa Vista.

Índios seguram cinzas dos mortos na época do massacre, na década de 90 (Foto: Carlo Zacquini/Acervo do Instituto Socioambiental)

Os condenados

Dos cinco garimpeiros condenados em 1996 pelo Massacre de Haximu, apenas João Pereira de Morais, que pegou 19 anos e 6 meses de reclusão em regime fechado pelo crime de genocídio e 6 meses de detenção pelo crime de dano qualificado, continua preso.

A Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania (Sejuc) diz que em 2002 houve uma progressão para o regime semiaberto. Em 2007, ele foi colocado em liberdade condicional, mas pouco tempo depois foi preso e condenado a 10 anos de prisão por tráfico de drogas.

O garimpeiro Pedro Emiliano Garcia, conhecido como “Pedro Prancheta”, foi condenado a 20 anos de reclusão pelo crime de genocídio e a seis meses de detenção pelo crime de dano qualificado. Em julho do ano passado, ele foi detido pela PF durante a Operação Xawara. As investigações apontaram que ele era o dono de uma das balsas de garimpo ativas na terra indígena.

De acordo com o Ministério Público Federal em Roraima, assim como os demais investigados, ele cumpriu apenas prisão temporária determinada na época da operação pela Justiça e foi liberado. O processo ainda tramita e não foi oferecida denúncia contra os envolvidos.

Para Kopenawa, a reincidência do garimpeiro no crime é prova de que a condenação arbitrada foi insuficiente. “Não mudou nada depois do Massacre de Haximu. Os garimpeiros estão voltando para a terra indígena e o governo sabe, mas não tem vontade de tirar.” O G1 não conseguiu localizar os advogados de Garcia.

Eliézio Monteiro Neri, conhecido como “Eliezer”, foi condenado a 19 anos e 6 meses de reclusão pelo crime de genocídio e a 6 meses de detenção pelo crime de dano qualificado. Juvenal Silva, chamado de “Curupira”, também foi condenado à mesma pena.

Compartilhada por Sonia Mariza Martuscelli.

http://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2013/03/vinte-anos-apos-massacre-de-haximu-indios-temem-novo-conflito.html

Comments (1)

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.