Com foco no intercâmbio de culturas, estrutura atenderá 30 alunos na reserva de Itapuã
Taís Seibt
A chuva não atrapalhou a festa na aldeia Tekoá Pindó Mirim para celebrar “o acordar do divino sol”, ou Nhamandú Nhemopu’ã, em tupi-guarani, nome escolhido para batizar a escola indígena inaugurada nesta quarta-feira no distrito de Itapuã, em Viamão.
Pelo contrário, as crianças se divertiam debaixo d’água e com os pés no barro. De mãos dadas, em círculo, entoavam cânticos em tupi-guarani, misturando brincadeiras típicas da tribo com cirandas que aprenderam na escola.
— Aqui é diferente, eles celebram a chuva — explica a professora Adriana Marques.
A diretora, Alessandra dos Santos, há um ano na comunidade, já aprendeu que na reserva, situada a cerca de 40 quilômetros do centro de Porto Alegre, o tempo passa diferente.
— Pelos costumes, pela espiritualidade, aqui se vive de forma mais intensa, cada dia é um aprendizado. Parece que estou aqui há 10 anos — compartilha.
O temor de que tradições como a conexão com a natureza percam espaço para a educação formal e a tecnologia é a principal preocupação do cacique, Vherá Potý. Diante de representantes da Secretaria Estadual de Educação (Seduc), ele defendeu um modelo pedagógico flexível, que permita o intercâmbio das culturas.
— A escola interfere bastante no cotidiano da aldeia, mas entendemos que a educação é importante para preparar a juventude para nos representar na sociedade — enfatiza.
Para o assessor em Educação Indígena do Departamento Pedagógico da Seduc, Rodrigo Venzon, estabelecer uma relação de respeito com as tradições guaranis é fundamental.
— Na educação indígena, precisamos de relações mais horizontais, de troca, e não de imposição de culturas — resume.
A estrutura inaugurada nesta quarta, erguida no mesmo local onde já funcionava uma pequena sala de aula que atendia seis alunos, ainda não é considerada ideal nem por Potý nem por Venzon: são apenas duas salas de aula, onde dividem espaço turmas do primeiro ao quinto ano das séries iniciais, num total de 30 alunos — seis deles são adultos.
Segundo Venzon, um projeto de ampliação já está em fase de aprovação na Secretaria de Obras. Esta é a terceira escola indígena de Viamão. No Estado inteiro, são 80.
Conexão com a natureza mudou a biodiversidade
Antes de ser demarcada como território indígena pela Fundação Nacional do Índio (Funai), em 2000, a área de 22 hectares onde fica a aldeia Tekoá Pindó Mirim era uma plantação de eucaliptos.
Desde então, 16 famílias descendentes de tribos guarani-mbyá estão transformando a biodiversidade local. Hoje, cerca de 75 pessoas se alimentam do que colhem e pescam na própria reserva, situada na Terra Indígena de Itapuã, em Viamão. O artesanato é outra forma de subsistência.
A conexão com a natureza serve de inspiração para alunos da Escola Amigos do Verde. Há quatro anos, alunos das séries iniciais realizam atividades de integração cultural na reserva.
— Um dos focos do nosso projeto educacional é a alimentação saudável, então é bem interessante essa troca de saberes, já que eles se alimentam com tudo o que vem da terra — comenta o diretor, Frederico Behrends.
Na inauguração da escola Nhamandú Nhemopu’ã, turmas do segundo, terceiro e quarto anos da Amigos do Verde fizeram votos de felicidade, harmonia, paz e amor à tribo, por meio de uma dança circular.
Como funciona uma escola indígena
— Conforme diretrizes estabelecidas em leis estaduais e federais, um dos critérios para a abertura de uma escola indígena é que ela seja solicitada pela própria comunidade.
— Todo o processo passa pela aprovação da aldeia, inclusive a escolha dos professores.
— Alguns profissionais são indicados pela Secretaria de Educação, responsáveis pelas disciplinas regulares. Outros educadores são integrantes da própria aldeia, que dão aulas específicas da cultura indígena, conforme as tradições de cada tribo.
— Os alunos são alfabetizados em tupi-guarani, sendo o português ensinado como segundo idioma.
— O governo do Estado está gestando uma parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para estabelecer uma formação específica para o magistério indígena.
— Em todo o RS, há 80 escolas indígenas em funcionamento.
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http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2013/03/escola-indigena-e-inaugurada-em-aldeia-de-viamao-4080768.html