Por Reynaldo Turollo Jr., enviado especial a Vitória – Folha/UOL
Na capital com maior taxa de homicídios femininos do Brasil, os principais órgãos responsáveis pelo combate à violência não se entendem sobre as causas do problema. Vitória (ES) registra uma taxa de 13,2 homicídios por 100 mil mulheres, índice que fica em 4,6 no país e 5,3 no conjunto das capitais.
Enquanto o governo capixaba atribui o número alarmante ao tráfico de drogas, o Judiciário aponta como causa a violência doméstica e de gênero. O resultado dessa “bateção de cabeça” são medidas distintas de enfrentamento e um problema social ainda longe de uma solução.
Daiane, Ana e Maria foram mortas no centro de Vitória no início do ano passado. Segundo a polícia, as três eram prostitutas. De início, sinalizou-se para mais um caso de violência de gênero.
Mas, após apuração, a Delegacia de Homicídios e Proteção à Mulher concluiu que elas foram vítimas de traficantes, pois vendiam crack em área “que era deles”.
O caso resume a conclusão geral da polícia, após dois anos e meio de trabalho dessa delegacia, a primeira do país especializada em homicídios de mulheres.
“Achamos que iríamos prender maridos e namorados frustrados, e, no final, estamos prendendo traficantes”, diz o chefe da unidade, Paulo Antônio Patrocínio.
Do alto de 243 inquéritos abertos desde 2010 para apurar mortes de mulheres na Grande Vitória, o delegado crava: 50% dos casos são ligados ao tráfico e apenas 18,6% a crimes passionais – os demais seriam episódios como balas perdidas e brigas entre vizinhos.
O secretário da Segurança Pública, Henrique Herkenhoff, acrescenta mais um fator à equação do governo. Segundo ele, muitas mulheres comandam hoje o tráfico no lugar de companheiros presos ou mortos. “Assumem com a violência inclusa.”
SISTEMA JUDICIAL
A lógica se inverte aos olhos do Judiciário local, para quem os crimes passionais respondem por até 70% das mortes de mulheres.Casos como o da costureira Anita Sampaio, 47, morta em 2011 pelo ex-marido após 32 anos de união. O homem descumpriu uma ordem judicial de não se aproximar dela e a matou a facadas.
“O marido não chega ao homicídio no primeiro dia. Há todo um histórico de violências impunes e omissões do Judiciário e do Executivo”, diz o presidente do Tribunal de Justiça do ES, Pedro Rosa.
Os juízes querem ainda criar centros onde policiais e juízes trabalhem juntos para acelerar a concessão e cumprimento de medidas de proteção, como a que foi desrespeitada pelo algoz de Anita.O diagnóstico levou o TJ a lançar neste ano o “botão do pânico”, mecanismo que permite à mulher avisar a polícia quando o homem contra o qual obteve medida protetiva se aproximar. Portátil, o equipamento envia à polícia e à Justiça, por mensagem, dados de localização da vítima, para socorro rápido.
A cúpula da segurança no Estado vê com ressalvas as iniciativas do Judiciário. No caso do “botão do pânico”, por exemplo, avalia que a medida cria uma demanda que a polícia não tem como atender, apurou a Folha.
Não há estudos sobre a motivação das mortes de mulheres em Vitória, diz Vanda Valadão, do Núcleo de Estudos de Violência da UFES. “Queremos acessar os inquéritos e observar qual é o tamanho de cada coisa.”
SEM SOLUÇÃO
No ano passado, 93 mulheres foram mortas na Grande Vitória –três a menos que em 2011. Segundo o delegado Orly Fraga Filho, especializado nesse tipo de investigação, apesar de o governo ter contratado mais policiais, as mortes não diminuíram.
“Os números não estão retrocedendo. Se abaixam, é quase imperceptível”, diz, diante da foto, sobre a mesa, do corpo de uma mulher decapitada, localizado horas antes na baía de Vitória.
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Para o governo do Espírito Santo, há mais notificações, não violência
Por Reynaldo Turollo Jr., enviado especial a Vitória – Folha/UOL
O governo do Espírito Santo reconhece a alta taxa de homicídios de mulheres em Vitória, mas a situa no contexto do elevado índice de assassinatos do Estado.
Para o secretário de Segurança Pública, Henrique Herkenhoff, o que cresceu foram as notificações de violência doméstica, não os crimes.
Isso se deu, segundo ele, porque a conscientização das mulheres se elevou e a tendência é que as notificações subam ainda mais.
Herkenhoff diz que a criação de uma delegacia especializada “não muda uma cultura de violência do dia para a noite”, mas facilita a punição de autores.
“Com o tempo, essa diminuição da impunidade vai ser sentida pelo agressor”, diz.
Ele enfatiza que o grande desafio do Estado é combater o tráfico, mas afirma que o governo mantém ações permanentes de combate à violência doméstica e familiar.
Entre elas, diz, está a manutenção de uma Casa Abrigo para mulheres em situação de risco, a realização de campanhas educativas e a um novo plantão 24 horas.
O Ministério Público informou que está realizando cursos de capacitação para policiais civis e militares trabalharem em conformidade com a Lei Maria da Penha.
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Para pesquisadora, mortes de mulheres no ES são ‘anunciadas’
Por Reynaldo Turollo Jr., enviado especial a Vitória – Folha/UOL
Casos de violência doméstica e familiar são “mortes anunciadas”, avalia a professora Vanda Valadão, do Núcleo de Estudos de Violência e Segurança Pública da Universidade Federal da Espírito Santo.
“Existem condições de se antecipar [ao crime] que não são utilizadas devidamente”, afirma.
“O poder público conhece, sabe, mas não desenvolveu instrumento para fazer o que na assistência social se chama ‘busca ativa’ [das mulheres]. A vítima acaba tendo que buscar ajuda, e, por ser tão recorrente na delegacia, é transformada num estorvo”, diz.
Pesquisas mostram, segundo Valadão, que mulheres sob ameaça apresentam sinais físicos de que algo está errado, como obesidade, dor crônica, distúrbios gastrointestinais e abortos espontâneos, além de fumarem e beberem mais.
PERFIL DAS VÍTIMAS
Em 2010 e 2011, o Núcleo de Estudos de Violência entrevistou 152 mulheres internadas na Casa Abrigo mantida pelo governo do Espírito Santo para vítimas de parceiros agressores.
A maioria se declarou solteira, mas vivendo relação com parceiro; primeiro grau incompleto; 58% tinham entre 18 e 29 anos; 41% tinham trabalho regular quando foram abrigadas; e a grande maioria recebia algum benefício social, como o Bolsa Família.
“Descobrimos que as mulheres procuravam a delegacia com frequência, que nem sempre eram bem tratadas, e até que fossem levadas a sério precisavam mostrar sinais muito visíveis [sangue, olho roxo], pela insensibilidade [dos agentes do Estado] em relação aos tipos de dano que sofre uma mulher”, afirma.
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Enviadas por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.