Faxinais espalhados pelo Paraná lutam para serem reconhecidos como comunidades tradicionais, a fim de receber maior atenção e recursos
da Gazeta do Povo
Ao viajar para conhecer os faxinais localizados em Mandirituba e Quitandinha, na Região Metropolitana de Curitiba, perguntar o endereço exato aos moradores da região vai resultar numa série de negativas. Isso porque o nome é desconhecido para a maioria dos habitantes desses municípios, que chamam as terras destinadas ao uso compartilhado dos agricultores de “criadouros”, ou simplesmente “criadores”. O desconhecimento em relação ao nome revela um ponto fundamental da relação entre os grupos e o entorno. Embora o trabalho dos faxinalenses seja conhecido localmente, a importância histórica desse modo de produção ainda passa despercebida entre os vizinhos.
O faxinal é uma forma de produção pecuária em que a terra para pasto é de uso comum entre os produtores de uma região. Sua principal característica é a criação animal mantida solta junto à dos vizinhos. A vantagem desse sistema é permitir uma pecuária mais extensiva sem a necessidade de possuir grandes áreas de terra.
O uso compartilhado da terra também é apontado como uma forma de preservação ambiental. Cada faxinalense pode cercar até 20% da propriedade, onde é cultivada uma horta ou aviário. A agricultura é praticada em terrenos fora do faxinal. Toda a produção e comercialização é individual. As obrigações comuns se limitam à manutenção da cerca e das condições do pasto, embora os vizinhos acabem adotando a iniciativa de cuidar dos animais alheios.
Os faxinais se formaram no Paraná a partir do século 18, quando as fronteiras ainda eram fluidas e havia vastas áreas não colonizadas no estado. Além dos imigrantes brancos, consta a participação de negros e indígenas nos sítios. Os grupos estão concentrados na região Centro-Sul do Paraná, próximo à fronteira com Santa Catarina. (OT)
227 Faxinais
Estão espalhados no Paraná, segundo a Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses. Porém, apenas 44 estão oficialmente cadastrados no Instituto Ambiental do Paraná.
Por causa disso, os faxinalenses passaram a última década articulando organizações formais com o objetivo de firmar posição enquanto grupo e ganhar músculo para reivindicar o reconhecimento dos faxinais como comunidades tradicionais, o que permitirá a implantação de políticas públicas específicas para o segmento. Apoiadora desse movimento, a ONG Fundo Brasil de Direitos Humanos está investindo em um projeto de instrução jurídica para os agricultores comunitários. A partir de 6 de abril, eles passarão a ter aulas com professores de Direito, que abordarão desde a Constituição até a legislação específica para as comunidades tradicionais e agricultura familiar. Serão seis faxinais visitados neste primeiro convênio, nas cidades de Mandirituba e Quitandinha.
“Os faxinalenses precisam tomar conhecimento das leis que lhes amparam, para então saber do poder que têm. Ninguém vai lutar por um direito que desconhece”, aponta Amantino Sebastião de Beija, representante da coordenação executiva da Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses, que congrega os faxinais do Paraná. De acordo com a entidade, existem 227 grupos no estado, contra 44 cadastrados pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP). Os agricultores estão concentrados principalmente na região centro-sul, em Prudentópolis, Irati, Mandirituba e Quitandinha, onde se reúnem até 50 mil faxinalenses.
Mobilização
Com o apoio do Instituto Equipe de Educadores Populares, uma associação sediada em Irati, os primeiros faxinais começaram a se unir no Puxirão, que caminha a passos lentos, porém firmes. Trinta grupos estão oficialmente articulados, com alguns outros em vias de ser oficializados na entidade.
As demandas são diferentes, mas aproximadas. O Faxinal Meleiro, por exemplo, quer ser reconhecido como Área Especial de Uso Regulamentado (Aresur), o que permite à comunidade gerar o ICMS ecológico. Esse valor é repassado pelo governo estadual ao município, que tem obrigação de reinvestir parte do dinheiro em melhorias para a comunidade.
Um par de arreios a cada 15 dias
A paralisia infantil fez com que José Sedemir Cruz, morador do Faxinal Meleiro, nascesse com pernas frágeis. Andando desde a infância com o apoio de muletas, estava incapacitado para o trabalho na lavoura.
Mas a deficiência fez com que Sedemir, hoje com 54 anos, desenvolvesse mãos muito fortes. Sustentando o peso do corpo desde sempre, tornaram-se praticamente um par de tornos, e é com elas que José fura couro curtido com até 50 milímetros de espessura.
Ele é o único fabricante de arreios da região. Aprendeu a profissão sozinho, ao observar as peças prontas. Desde então, monta em média um par de arreios a cada 15 dias, sem pressa. É um trabalho tão lento quanto o transcorrer da vida na pacífica comunidade de Mandirituba, na Região Metropolitana de Curitiba.
Os produtos são vendidos por R$ 800. E o investimento vale a pena, defende Sedemir. Ele garante que os arreios duram, em média, 15 anos. O cliente mais assíduo fez três compras em 30 anos. “Mas isso porque ele (o cliente) não cuida dos arreios. Trabalha até na chuva”, explica.
Fotos: Jonathan Campos / Gazeta do Povo
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