Vivendo em uma área castigada por longos períodos de estiagem, agricultores do assentamento Chuquê, implantado pelo Incra na zona rural do município de do município de Jeremoabo (a 192km de Aracaju(SE) e a 340Km de Salvador(BA), buscavam uma alternativa de renda para driblarem as dificuldades causadas pela seca. Aliados a outros três agricultores familiares vizinhos ao assentamento, aceitaram, no final de 2011, participar de uma oficina de artesanato, que apresentou ao grupo o artesanato em adeira de umburana para produzir pequenos animais típicos da região. Os bichinhos de madeira seca colhida despertam o interesse de turistas e moradores da região, é, na verdade, peça-chave em um projeto idealizado por uma parceria entre o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (Cemav) – gerido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) – e Loro Parque Fundación, da Espanha, que vem ajudando a reverter o processo de extinção de uma das aves símbolo da região: a arara-azul-de-lear.
“Na oficina que tivemos em 2011, a Loro Parque e o Cemav apresentaram uma proposta para a comunidade. Nós aprenderíamos técnicas para produzir artesanato e obter uma nova fonte de renda, e, em troca, nos tornaríamos parceiros na proteção à arara-azul”, explicou Flávio Luiz Silva Passos, uma das lideranças da comunidade. Depois de aderir à ideia, o grupo passou a ter aulas com artesãos de Santa Brígida (município vizinho à Jeremoabo), apreendendo técnicas para o trabalho com madeira e palha de licuri, originada de uma palmeira cujos frutos servem de alimento à arara azul. A contrapartida dos agricultores veio com o abandono de práticas como a queima das áreas com palmeiras licuri (visando à abertura de pastos para a criação de gado) e a proteção à arara-azul, antes caçada para a venda ilegal de seus filhotes ou perseguida por destruir lavouras de milho em busca de alimento.
Em poucos meses, o grupo passou a produzir um vasto catálogo de peças, centrado em uma temática única: a fauna da região. “Nós tivemos uma orientação das instituições e começamos a produzir peças baseadas nos animais que encontramos aqui na região. Além da arara azul, surgiram o joão-de-barro, o caburé, a garça, o beija-flor, o tatu-bola e muitos outros. São mais de 20 espécies diferentes e todas podem ser vistas nas matas daqui”, contou Passos.
Frutos
O trabalho com a palha do licuri também ganhou adeptos e rendeu bons frutos. Apreendidas em pouco tempo, as técnicas de extração, preparação, trançado e amarração do material foram incorporadas ao dia-a-dia das mulheres do grupo, modificando até mesmo a rotina das agricultoras. “Hoje, eu divido minha semana. Trabalho na roça alguns dias e a partir de quarta ou quinta-feira me dedico ao artesanato. É um trabalho gostoso e espero um dia poder me dedicar só a ele”, afirmou a agricultora Maria do Carmo Nascimento Santos, moradora do assentamento Chuquê. Da palha do licuri, extraída com uma técnica que preserva a palmeira, são produzidos cestos, bolsas, boleiras, jogos americanos, fruteiras, porta-jóias e muitas outras peças.
Com o auxílio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), que também aderiu ao projeto, o grupo de agricultores fundou a Associação dos Artesãos da Arara-Azul-de-Lear de Chuquê e, com a instituição formalizada, passou a receber um acompanhamento mensal, que garante a qualidade das peças produzidas. “Todo mês a gente recebe a visita de um consultor do Sebrae. Ele faz o controle de qualidade, analisa as peças, repassa técnicas e orienta todo o processo, da produção à venda do nosso material”, contou Fabiano Ribeiro Lima, presidente da associação.
Buscando uma produção totalmente sustentável e a conquista de um mercado consumidor, os artesãos seguem regras bastante rígidas para a produção das peças. “As peças de marcenaria são feitas com apenas três tipos de madeira (a umburana, o pereiro e a sacatinga), que são coletadas secas na mata e não podem ser cortadas. Elas não devem ser pintadas e só podem retratar os bichos que existem na região. Com a palha, também é assim. Não usamos nada artificial e até as tintas são retiradas da natureza, de plantas, frutos e sementes como o urucum, o jenipapo, o jamelão e a castanhola, por exemplo”, explicou Lima.
Tanto cuidado com o processo de produção ajudou a promover uma redução drástica nas queimadas e no corte da palmeira que gera a palha utilizada nas peças e colaborou com a interrupção do processo de extinção da arara-azul-de- learn nas matas da região. A qualidade e a beleza das peças produzidas pelos agricultores vêm chamando a atenção de compradores de Jeremoabo e de algumas cidades da região. “As peças têm tido boa saída. Muita gente gosta e quer comprar. Eu mesmo, quando vou a uma cidade vizinha daqui, levo sempre os materiais e acabo vendendo tudo”, contou a agricultora familiar Maria Edilene Pereira dos Santos, que integra o grupo.
Um começo promissor que estimula o trabalho na associação. “Eu tenho fé que um dia as peças vão render mais para a gente do que o milho”, afirmou, sorrindo, a assentada Maria Silvestre de Jesus.
Reconhecimento
As peças do grupo começam a ganhar espaço, também, em exposições e eventos de arte. Em novembro de 2012, o grupo foi convidado a mostrar seu trabalho em uma exposição montada na Assembleia Legislativa do estado da Bahia, em Salvador. No local, boa parte das peças produzidas foram vendidas pelos artesãos. “Foi nossa primeira experiência e valeu muito, conseguimos vender bastante”, lembrou Maria Silvestre. Um reconhecimento que também começa a gerar frutos na própria região. Em janeiro, o grupo foi convidado a “estrelar” uma nova exposição, em Jeremoabo.
A mostra “Relação de Equilíbrio entre Homem e Natureza”, aberta no Espaço Nordeste, no centro de Jeremoabo, apresenta parte do catálogo de peças do grupo à população local. Promovido pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB), o evento, que seguirá até o próximo dia 17 de abril, vem ajudando a projetar o grupo e o seu trabalho em todo o município. “Somente em fevereiro, tivemos mais de 500 visitas à exposição. O pessoal, que não conhecia esse tipo de artesanato e nem a própria comunidade de Chuquê, tem ficado impressionado. Algumas peças já estão até encomendadas”, contou Bianca Mirele Araújo Silva, assessora cultural do Espaço Nordeste, em Jeremoabo.
Apoio do Incra
Assentados pelo Incra em 2009, 13 dos 16 agricultores que compõem o grupo de artesãos começam a receber os primeiros benefícios da reforma agrária. Além do crédito Apoio Inicial, que ajudou o grupo a se estabelecer e iniciar sua produção agrícola no assentamento Chuquê, ainda este ano os agricultores-artesãos deverão ser beneficiados com novos créditos.
Segundo o chefe da Divisão de Desenvolvimento de Projetos de Assentamento do Incra/SE, Douglas Souza, em 2013, além do ingresso no Programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal, que irá oferecer um crédito de R$ 28,5 mil para a construção de cada uma das casas do assentamento, os trabalhadores também serão contemplados com o créditos Fomento, destinado à produção agropecuária, e Semi-Árido, que oferece recursos para obras e adaptações para o combate à seca.
Para impulsionar o trabalho com o artesanato, as mulheres do grupo também receberão o crédito Apoio Mulher, que oferece recursos que podem ser empregados na compra de equipamentos e ferramentas de trabalho. Um apoio que pode ser ampliado, com a adesão do grupo a um novo programa desenvolvido pela autarquia, o Terra Forte. “Aproveitando o talento e a organização que esse grupo tem, eles podem se unir e, com o apoio da equipe de assistência técnica, apresentar um projeto ao Programa Terra Forte. Por meio dele, o Incra oferece recursos que podem contribuir com a adaptação ou a construção de uma área para a execução dos trabalhos, além da compra de todo o material para estruturar a atividade desenvolvida por eles”, explicou Souza.
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http://www.incra.gov.br/index.php/noticias-sala-de-imprensa/noticias/12762-assentados-no-nordeste-baiano-ajudam-a-salvar-arara-azul-de-extincao-e-encontram-nova-fonte-de-renda
Enviada por Mayron Borges.