Por Carlos Frederico Barcellos Guazzelli*
No último dia 8 de março, ao ensejo das comemorações do “Dia Internacional da Mulher”, a Comissão Estadual da Verdade realizou audiência pública, colhendo o depoimento de três mulheres gaúchas que lutaram contra a ditadura militar, nas décadas de 1960 e 1970, e que em virtude disso foram barbaramente torturadas pelos agentes do sistema montado para reprimir os que resistiam ao regime de exceção.
Durante evento, intitulado “Mulheres na resistência à ditadura militar – relatos à Comissão Estadual da Verdade”, e realizado no auditório da Escola Superior da Magistratura da AJURIS, as depoentes foram ouvidas em três momentos distintos – Ignez Maria Serpa Ramminger, pela manhã; Nilce Azevedo Cardoso, à tarde; e Eliana Lorenz Chaves, à noite. E prestaram impactantes relatos, a um tempo comoventes e lúcidos, reportando sua militância nas organizações que se opunham ao governo ditatorial e, sobretudo, as gravíssimas violências que sofreram de parte de seus beleguins, inclusive com a menção a datas, locais e autoria.
Assim, a Comissão buscou atender atingir simultaneamente a dois objetivos. O primeiro, atinente à sua própria finalidade, de apurar as “…graves violações de direitos humanos…” ocorridas no país, no período compreendido entre 18 de setembro de 1946 e 05 de outubro de 1988, em especial, durante os governos instaurados a partir do golpe militar de 1964.
E também, e não menos importante, recuperar a história da brava luta das mulheres gaúchas que dedicaram sua juventude na luta contra o arbítrio e a prepotência, mostrando como também neste aspecto a questão de gênero se revela fortemente –, já que a repressão por elas sofrida foi diferenciada, mais brutalizada ainda que aquela sofrida por seus companheiros homens.
Cabe recordar aqui que, em virtude da inegável importância e da enorme dimensão do trabalho a ser executado pela Comissão Nacional da Verdade, o Governador do Estado criou entidade congênere, no âmbito da administração pública estadual, a fim de reunir a documentação existente, promover audiências públicas, inquirir pessoas e coligir dados, visando reconstruir a história das violações aos direitos humanos ocorridas naquela quadra nefasta da vida nacional, no território gaúcho –, ou mesmo fora dele, mas contra pessoas aqui nascidas.
Dentre os fins da Comissão Estadual da Verdade, releva destacar especialmente o de “…promover o esclarecimento circunstanciado dos casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua autoria…” (artigo 3º, inciso II, grifamos); bem como “…identificar e tornar públicos as estruturas, os locais, as instituições e as circunstâncias relacionados à prática de violações de direitos humanos…” acima mencionadas.
Tais propósitos, certamente, foram atingidos com os depoimentos prestados na primeira audiência que ela acaba de realizar, elucidativos de como se constituiu, dentro das agências estatais, um conjunto de instituições e práticas (que pretendeu funcionar como um “sistema”) voltadas precipuamente à vigilância, perseguição e repressão, mediante tortura e, mesmo, desaparecimento e morte, de adversários e resistentes – reais ou presumidos – do regime então ilegitimamente instituído.
A tarefa de revelar publicamente este mecanismo perverso reveste-se de profundo significado histórico, visando à obtenção da verdadeira reconciliação nacional: de fato, nosso país somente reencontrará a paz violada pela violência do golpe sofrido em 64, quando, a exemplo do que vem fazendo há anos nossos vizinhos, vierem à tona as condições em que foram perpetrados os crimes praticados em seu nome; seus autores sejam apontados e identificados; e suas vítimas tiverem, finalmente, descanso e consolo.
*Coordenador da Comissão Estadual da Verdade (RS)
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http://www.sul21.com.br/jornal/2013/03/mulheres-na-resistencia-a-ditadura-militar-relatos-a-c-e-v/#.UT8Vkb0OmK4.gmail
Enviada por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.