Política Indígena

Jairo LimaIndigenista Especializado

Retornando de Pirenópolis – GO após uma cansativa e promissora oficina de planejamento da FUNAI demos uma “paradinha” no sítio da Comissão Pró-Índio do Acre (CPI/AC) para acompanhar o encontro de lideranças indígenas do Acre. Este encontro foi promovido pela OPIAC (Organização dos professores Indígenas do Acre) e pela AMAAIAC (Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre) e iniciou no dia 5 de março, estendendo-se até o dia 6.

Este encontro teve como pauta a análise do movimento indígena e das políticas de apoio e fomento para os povos indígenas e contou com a participação de várias lideranças indígenas do Estado, uns mais novos e outros já bastante conhecidos e que há muitos anos vem lutando em prol de suas comunidades e do movimento indígena como um todo: Fernando Katukina, Isaac Piyanko, Joaquim Yawanawá, Joel Poyanawa, Inácio Kaxinawá, Manoel Gomes Kaxinawá, entre outros. No total, cerca de 100 lideranças se fizeram presentes no evento.

Os debates giraram em torno das politicas de apoio aos professores indígenas através da OPIAC, do reconhecimento e apoio a aos agroflorestais indígenas, do trabalho e representatividade da Assessoria Especial dos Povos Indígenas (AEPI) e da FUNAI.

Como papo de índio não é curto, a conversa se estendeu bastante e todos tiveram a oportunidade de expor suas reflexões e opiniões sobre como veem as ações de governo (federal, estadual e municipal) e como o movimento indígena deve se apresentar ante estas demandas. Não ficou de fora a análise sobre o próprio movimento indígena em si.

Em um dos momentos do encontro ocorreu a visita da presidenta da FUNAI, profª. Dra Marta e sua equipe de assessoria que apresentaram o processo de reestruturação da FUNAI e também, ouviram as solicitações das lideranças presentes.

A CR Juruá se fez representada pelo seu coordenador, Luiz Valdenir e por mim. Na ocasião foi bastante citada no encontro, tanto por parte das lideranças como da própria presidência da FUNAI que citou o comprometimento da instituição na implementação e aparelhamento desta regional.

Como desdobramentos do encontro houve a sistematização de uma carta aos órgãos do governo do Estado do Acre e a própria FUNAI, sistematizando a reflexão e as demandas que o movimento vê como estratégicas para o fortalecimento das comunidades indígenas. Segue abaixo, na íntegra, o texto da carta. Este documento foi entregue diretamente aos órgãos e pude acompanhar uma destas incursões, na Secretaria de Educação onde um grande número de lideranças entregaram diretamente às mãos do Secretário, Daniel Zen, suas reivindicações, num evento tranquilo e sem demonstrações hostis ou desnecessárias como citado nas palavras do prof. José Luiz Yawanawá durante a entrega: Sr secretário, estamos aqui lhe passando estas demandas, na paz, com tranquilidade e cientes de que há espaços do governo que não precisamos fazer ameaças ou invadir para que sejamos atendidos e ouvidos, a história de nosso movimento sempre mostrou que procuramos o debate, a conciliação …

O evento continuou, no dia seguinte, mas sem nossa participação, pois já era hora de “subir o rio” e seguir para Cruzeiro do Sul para darmos conta de nosso planejamento anual e para atendermos a inúmeras demandas dos povos que acompanhamos. Para nós, da CR Juruá, foi um importante momento de contato e apresentação da regional, bem como um importante espaço para firmar alianças e comprometimento com as lideranças presentes.

Acreditamos que este encontro representa o início de um novo capítulo no apoio aos povos indígenas.

CARTA DAS LIDERANÇAS INDÍGENAS PARA OS GOVERNOS E SOCIEDADE

Nós lideranças indígenas dos povos Ashaninka, Yawanawa, HuniKu / Kaxinawa, Katukina / NokeKu, Manchineri, Shawãdawa, Shenenawa, Jaminawa, Nukini, Puyanawa, Nawa, Apolima-Arara, Kuntanawa, de 24 Terras Indígenas, reunidos na cidade de Rio Branco, no Centro de Formação dos Povos da Floresta, nos dias 4 a 6 de março de 2013, aceitando uma convocação da AMAAIAC e da OPIAC, como organizações  legítimas, manifestamos o que segue:

A partir deste momento retomamos coletivamente a organização da nossa luta pela defesa de nossos direitos. Faremos isso a partir de encontros anuais e pelo fortalecimento das associações nas nossas terras indígenas.

A decisão de reorganizar os povos indígenas se deu porque sentimos na pele os entraves, que pela falta de diálogo, estão interferindo na  qualidade das ações públicas para nossas terras e comunidades,que estão chegando sem  o cuidado necessário.

Temos a nosso favor, somente a certeza de que queremos defender nossos povos e que só assim poderemos ter garantias de nossas terras indígenas e demais direitos culturais e sociais.

Pesam sobre nós afirmações de que, nós indígenas, queremos discutir apenas os direitos, mas nunca os deveres. Com este encontro, começamos um caminho firme para enterrar essa falsa ideia. A verdade é que temos pouca atenção por parte do poder público governamental e a atenção que temos é, na maioria das vezes, de dentro para fora, sem conversar, sem debater, sem decisão conjunta.

Nestes dias discutimos também sobre o movimento indígena, as responsabilidades e as representações e o que é ser uma liderança hoje, as que têm compromisso com a comunidade e as que não têm.

Com seriedade e com responsabilidade discutimos que é verdade que avançamos em direitos e que conquistamos muitas coisas com os governos, mas hoje vimos que tudo pode ir por água abaixo, as políticas públicas estão fracas ou não existem mais! Hoje enfrentamos vários problemas e obstáculos referentes à sustentabilidade das nossas terras indígenas e de nossas comunidades. Hoje temos, aqui no Acre, uma situação triste na educação, na saúde e,a gestão territorial,pode retroceder. Muitas ações chegam sem obedecer minimamente a diversidade, sem considerar a sustentabilidade, e muita coisa da política pública chega de um jeito inadequado, por falta de consulta e de planejamento participativo.

Avaliamos o quanto os governos não sabem lidar com as diferenças, coisa que ensinamos para eles há mais de 40 anos, ainda com nossos avós e nossos pais lutando pela demarcação das terras indígenas; o quanto ainda existe preconceito e o quanto os governos aceitam propostas equivocadas, às vezes vindas dos próprios parentes, para sair generalizando com afirmativas do tipo “os índios pediram”, “os índios quiseram”, ou ainda, “os índios não se entendem em lugar nenhum”. Agora, nós decidimos acabar com isso, “os índios” não existe! Existem povos indígenas com culturas diferentes, necessidades, modos e interesses diferentes.

Avaliamos também que a situação hoje no Brasil e no Acre é muito ameaçadora para as garantias das nossas terras indígenas. Estamos muito preocupados com isso. Temos também a situação da educação escolar indígena, que está andando para trás; temos a desumanidade da saúde indígena; as grandes obras de estrada, ferrovia, a prospecção de petróleo e gás; temos os benefícios sociais sem consulta e sem critérios apropriados, que estão desestruturando nossas sociedades indígenas; temos vigorando a produção insustentável.

Dentro dos governos, os órgãos de defesa dos povos indígenas estão sem força. No Acre, não podemos contar com a Assessoria Especial de Assuntos Indígenas. No Brasil, a FUNAI perde forças diante do Congresso Nacional e dos ministérios que só querem detonar nossos povos. Esta situação nós vamos mudar, com toda certeza. Para isso, propomos que os governos ouçam mais, dialoguem, consultem nossas comunidades sobre as ações para as Terras Indígenas, pois é assim que se pratica a participação, a cidadania e a obediência em cumprir os direitos indígenas.

Para começar o diálogo e alterar esta situação, propomos as seguintes medidas urgentes:

Educação Escolar Indígena

·         Agilidade imediata, por parte da SEE, dos cursos de formação inicial e continuada dos professores indígenas e assessores técnico-pedagógicos, em parceria com as instituições de ensino que tem experiência com formação de professores indígenas;

·         A SEE deve abrir  espaço nos  cursos de formação para os professores indígenas  debaterem as políticas de educação entre eles, e fortalecer a categoria professor indígena;

·         A SEE deve abrir espaço para a OPIAC ser a responsável pela formação política dos professores indígenas, seus compromissos e responsabilidades dentro e fora das Terras Indígenas;

·         A SEE deve apoiar as oficinas pedagógicas propostas pelos técnicos indígenas nas Terras Indígenas;

·     Que a SEE agilize a realização do concurso público urgente, bem como a criação, participativa, das normativas das escolas indígenas e da categoria de professor  indígena e pessoal de apoio, dentro de  critérios específicos e diferenciados, construídos em conjunto com as comunidades, com a OPIAC e outros parceiros;

·         Que a SEE dialogue e organize melhor as parcerias com as secretarias municipais de educação sobre o ingresso de professores indígenas nos concursos públicos municipais, garantindo especificidade para os professores indígenas e pessoal de apoio,evitando a concorrência desigual e que outros professores  não indígenas entrem nas vagas dos indígenas;

·         Que a SEE construa parceria com a UFAC para apoiar as demandas das Terras Indígenas de licenciatura indígena e nas diversas áreas de formação;

·         Que a SEE cumpra seu papel referente ao apoio a gestão escolar indígena como:  transporte escolar, merenda, concurso de professores indígenas, a regularização do ensino médio nas comunidades; contratação de pessoal de apoio das escolas indígenas;  material escolar e permanente;

·         Que a construção das escolas seja feita sempre após consulta aos povos indígenas, para evitar os erros e os problemas que a construção sem consulta está trazendo para as comunidades;

·         Que a SEE acompanhe, com a OPIAC, a discussão da lei de cotas, com consulta e critérios claros;

·         Que realize os acompanhamentos político-pedagógicos às aldeias e respeite a autonomia dos técnicos pedagógicos escolhidos pela comunidade, de acordo com critérios definidos;

·         Que oriente as escolas indígenas a respeito da regularização das mesmas, para ficarem aptas a certificarem seus alunos;

·         Que a SEE/AC agilize a certificação dos professores indígenas que já concluíram o magistério e inclua verdadeiramente estes como docentes nos  cursos de magistério indígena;

·         Que a SEE/AC crie a dinâmica de prestar contas dos investimentos voltados para a educação escolar indígena;

 Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas

·         Garantir o reconhecimento profissional dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre – AAFIs;

·         Garantir a formação profissional dos AAFIsque já iniciaram, e contemplando também aqueles que não receberam nenhum tipo de formação ainda;

·         Que a formação e a contratação de AAFIs seja assegurada pelo governo estadual; obedecendo os critérios estabelecidos pela  AMAAIAC e com  o reconhecimento da comunidade;

·         Garantir que o fornecimento de material e equipamentos necessários ao desempenho das atividades dos AAFIs,  de acordo com os Planos de Gestão Territorial e Ambiental das Tis e\ ou com os projetos de sustentabilidade das comunidades; .

·         Dar continuidade e priorizar a elaboração dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental e pactuar as ações com os AAFIs AMAAIAC, as comunidades e o governo com orçamento especifico;

·         Que a Seaprof retome a contratação de alguns AAFIs como técnicos indígenas para acompanhar os AAFIs nas regiões,  como aconteceu em 2010;

 Fortalecimento da AEPI

•       Que o assessor indígena assuma de fato a coordenação da AEPI exerça com competência   a sua função e que considere  como orientador das políticas de governo, voltadas  para as questões  indígenas, as organizações  indígenas  locais;

•       Que a AEPI libere as informações para os indígenas e repasse todos os anos os programas e projetos orçados  nas secretarias de governo destinados aos povos indígenas,  para que os mesmos possam conhecer e acessar com mais facilidade;

•       Que a AEPI seja mais aberta e inclua a participação dos indígenas em qualquer decisão a respeito dos povos indígenas, principalmente nas ações e projetos que geram impacto nas terras indígenas. Que crie uma agenda comum com as parcerias para isso;

•       Que AEPI acompanhe e oriente o trabalho e os recursos dentro da SEAPROF para o apoio aos AAFIS;

•       Que AEPI acompanhe de perto a portaria para a criação da categoria dos AAFIs e para a contratação permanente. Fazendo com que a Comissão Interinstitucional que foi criada não seja mais uma criação  enfraquecida, como  outros GTs e Conselhos;

•       Que AEPI faça uma intervenção junto a SESAI para resolver  a  questão da saúde indígena no estado do Acre (CASAI, Polo Base, Distrito de saúde Indígena, hospitais e recursos públicos nos municípios);

•       Para tudo isso: que o gabinete do governador realize um seminário, urgentemente, com a participação de todas as organizações indígena locais, regionais e estaduais para discutir todos os assuntos que competem a AEPI, inclusive a sua reestruturação urgente.

Fortalecimento da FUNAI

•       Que a FUNAI trabalhe com agilidade para chegar até as comunidades indígenas as informações, consultas e demais procedimentos sobre os projetos de lei que estão em tramitação no Congresso Nacional e que afetam os direitos indígenas, para que tenhamos condições de tomar decisões e posições sobre estes projetos;

•       Que a FUNAI agilize com a maior urgência os processos de demarcação e revisão das Terras Indígenas no Acre, em tramitação nas várias esferas responsáveis;

•       Que a FUNAI repasse todos os anos  os programas e projetos orçados e aprovados, por diretorias e pelos  ministérios,  destinados  aos povos indígenas para que os mesmos possam  conhecer e acessar os projetos  com mais facilidade;

•      Que a FUNAI realize um seminário, urgentemente, com a participação de todas as organizações indígena locais, regionais estaduais e as CTLs,  para discutir todos os assuntos que compete a ela,  e avance sobre a reestruturação;

•      Que faça uma atualização dos membros da CNPI, que representam os indígenas  do Estado do Acre, levando em conta que a indicação destes deve se dar pelas organizações dos povos indígenas;

•     Que a FUNAI acompanhe e direcione as políticas públicas federais, estaduais e municipais voltadas para os povos indígenas (programas, projetos e leis em geral), em especial sobre a regulamentação da “Convenção 169” no Brasil;

•       Que a FUNAI apoie o trabalho que os AAFIs fazem sobre Vigilância, Fiscalização e proteção das terras indígenas em parceria com o IBAMA, Policia Federal, IMAC, ICMBio, Exércitos Brasileiro e Peruano;

•       Que a FUNAI ajude os AAFIs na luta pelo o reconhecimento como categoria profissional;

•       Que a FUNAI garanta recursos para as ações de gestão territorial e ambiental das Terras Indígenas;

•       Que a FUNAI discuta com as lideranças indígenas das terras que dividem território com povos isolados uma estratégia de como resolver conflitos entre os mesmos;

•       Que a FUNAI acompanhe a regulamentação no Brasil sobre serviços ambientais e REDD, e apoie encontros com a parceria da AMAAIAC, OPIAC, CPI/Ac para conhecimento e tomada de decisão das lideranças indígenas sobre esse tema;

•       Que a FUNAI acompanhe os programas de etnoturismo e festivais nas terras indígenas como forma de proteger as comunidades, quanto aos turistas biopiratas e roubo do conhecimento tradicional;

•       Que a FUNAI articule junto ao MEC as parcerias com as universidades nos estados, para que os alunos selecionados nos cursos oferecidos pela mesma permaneçam no Estado para evitar o deslocamento das pessoas para Brasília;

•       Que a FUNAI ajude na realização de projetos itinerante para documentação dos índios dentro das terras indígenas inclusive a inclusão do nome de sua é tinia no registro;

•       Que a FUNAI faça uma articulação com o Banco da Amazônia, para adequar os procedimentos dos financiamentos e torna-los acessíveis as comunidades e cooperativas indígenas;

•     Que a FUNAI articule junto ao ITAMARATI, aproveitando o Núcleo de Fronteira já existente, o controle das invasões dos madeireiros e traficantes na área de fronteira Acre, Peru e Bolívia, que cortam as Terras Indígenas e seus entornos;

•       Que a FUNAI discuta a possibilidade de trabalhar a criação de pedágio nas terras indígenas que cruzam a BRs no Acre;

•       Que a FUNAI estabeleça uma parceria com as lideranças indígenas para erradicara entrada de drogas nas terras indígenas (bebidas alcoólicas, cocaína e outros);

Rio Branco, 7 de março de 2013

http://crjurua.blogspot.com.br/2013/03/politica-indigena.html?spref=fb

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