‘Estamos salvando pessoas’, diz Ministra de Políticas para Mulher

A ministra Eleonora Menicucci fala sobre o II Plano Nacional de Enfretamento ao Tráfico de Pessoas anunciado pelo Governo Federal para combater o crime (Foto: Divulgação/Agência Brasil)

“Mesmo sem uma legislação mais forte, o Estado brasileiro está atuando no combate ao tráfico de pessoas. E começamos a inverter o jogo, estamos salvando pessoas”, afirma, em entrevista, a Ministra-chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci. Ela também dá detalhes do novo plano federal de enfrentamento ao tráfico humano

O tráfico humano é a terceira atividade criminosa mais lucrativa do mundo. Só perde para o comércio ilegal de armas e de drogas. Para combater este grave delito, cujas redes aliciam vítimas principalmente para exploração sexual e trabalho escravo, o governo federal lançou na última semana de fevereiro o 2º Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. 

O problema ganhou visibilidade no país a partir da novela Salve Jorge. Tanto que uma das quadrilhas desbaratadas recentemente pela Polícia Federal, com a colaboração de autoridades espanholas, foi descoberta depois da denúncia feita pela mãe de uma das vítimas, que reconheceu que sua filha vivia situação semelhante a das personagens da trama.

Para Eleonora Menicucci, ministra-chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres e uma das articuladoras do projeto federal, a obra de Gloria Perez reproduz parte do que as brasileiras aliciadas vivem no exterior. “A realidade se apresenta de maneira mais perversa e cruel”, afirmou.

Confira, a seguir, a entrevista concedida à Marie Claire Online.

A senhora declarou que a situação real é muito pior do que a novela Salve Jorge mostra. Por que o tráfico humano demorou tanto para ser combatido no Brasil?
Eleonora Menicucci – O tráfico de mulheres ocorre porque existem redes articuladas e bem estruturadas para fins de exploração sexual. A novela Salve Jorge está ajudando a dar visibilidade a um negócio criminoso altamente lucrativo e até então invisível. É uma ficção baseada em fatos reais e reproduz parte do que brasileiras aliciadas vivem no exterior. Mas a realidade se apresenta de maneira mais perversa e cruel. A novela tem colaborado na sensibilização da sociedade brasileira. A quadrilha desbaratada recentemente na Espanha é um exemplo disso. Tudo começou com a denúncia de uma mãe que reconheceu nas personagens situações semelhantes ao que a filha estava vivendo e ligou para a nossa Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180. A denúncia é o primeiro passo para que o crime venha à luz e os criminosos sejam punidos.

Foi noticiado recentemente que a presidenta Dilma teria pedido para alguns ministros trabalharem no aperfeiçoamento da legislação no que diz respeito ao tráfico humano. Há projetos de lei sobre o tema no Congresso. A ideia é que o Executivo elabore uma lei sobre isso ou que o Congresso apresse a votação dos projetos existentes?
EM – O governo federal acabou de lançar o 2º Plano Nacional de Enfretamento ao Tráfico de Pessoas, coordenado pelo Ministério da Justiça, a SPM e a Secretaria de Direitos Humanos, a partir de um amplo debate estabelecido com especialistas e sociedade civil. Nosso objetivo é promover a integração e o fortalecimento das políticas públicas, redes de atendimento e organizações para prestação de serviços. A presidenta Dilma está empenhada para que o Brasil tenha a estrutura eficiente para o combate aos crimes decorrentes do tráfico de pessoas. Em parceria com o Ministério das Relações Exteriores, a SPM tem desenvolvido capacitações para os servidores da área diplomática com o objetivo de garantir o atendimento consular adequado às mulheres brasileiras que estejam em situação de tráfico de pessoas e violência de gênero no exterior.

Como?
EM – Em novembro de 2010, foram realizados dois cursos de capacitação aos agentes consulares e multiplicadores, um em Barcelona, Espanha, outro em Zurique, Suíça. Em 2010, foram organizadas em conjunto com a Divisão de Assuntos Consulares do MRE missões na Suíça, Holanda, Espanha e Portugal, com o objetivo de promover o enfrentamento à violência contra as mulheres brasileiras no exterior em países de destinos das mulheres em situação de tráfico de pessoas. Como resultado da missão foi elaborado o “Guia de retorno ao Brasil” contendo informações sobre Rede de Atendimento e os programas nacionais de inclusão social, a ser entregue pelos serviços consulares brasileiros e pelas autoridades migratórias dos países parceiros às pessoas que retornam ao Brasil, se ja voluntariamente ou deportadas. As missões em parceria com o MRE tiveram continuidade em 2012 e 2013. Atualmente, a coordenadora do Ligue 180 encontra-se em missão interministerial na Itália para dar seguimento aos esforços de mapeamento da situação do tráfico de brasileiros para a Europa e ampliação da assistência às vítimas.

A legislação brasileira atual é fraca? Por quê?
EM – Nesta semana, o Senado Federal entregou relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre Tráfico de Pessoas ao governo federal. O tema também é objeto de CPI na Câmara Federal. Há entendimento entre o Executivo e o Legislativo de que é preciso melhorar a tipificação do crime de tráfico humano, incluindo mulheres e população LGBT. É crucial ter definição na legislação para que o poder público possa atuar. Mas é bom frisar que, mesmo sem uma legislação mais forte, o Estado brasileiro está atuando no combate ao tráfico de pessoas. E começamos a inverter o jogo, estamos salvando pessoas.

Seria necessário elaborar uma lei específica, como a Maria da Penha, para que operadores do direito trabalhassem melhor essa questão, desde a identificação do crime até a punição?
EM – Podemos dizer que o Brasil tem inteligência, estratégia e capacidade de articulação para enfrentar o crescente tráfico de pessoas, em que as mulheres são alvo principal mesmo com as brechas atuais que a legislação apresenta. A SPM tem orgulho de dizer que o Ligue 180 faz parte dessa rede e é a porta de entrada para um trabalho de resgate de vítimas e repressão ao crime. Uma ação que envolve de modo inovador o sistema de justiça e a segurança pública.

Os profissionais de saúde estão despreparados para lidar com as vítimas?
EM – A maneira adequada e humanizada como as pessoas serão tratadas pelos serviços públicos é um dos objetivos do 2º Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. No Mercosul, a SPM lidera a integração de serviços a mulheres em situação de violência. Estamos unificando conceitos e padrões de atendimento à população feminina, em especial àquela que precisa de suporte nas regiões de fronteira do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Essa ação faz parte da estratégia da SPM de reforçar os serviços especializados, envolvendo também os governos estaduais e municipais por meio do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. A integração da rede é determinante para o acolhimento e encaminhamento das vítimas aos serviços.

Existe muito preconceito e discriminação com as vítimas, principalmente com as que foram exploradas sexualmente, como se, de alguma forma, elas tivessem caído nessas redes de tráfico humano voluntariamente?
EM – Sim, o preconceito é um dos grandes obstáculos que todas as pessoas devem derrubar. Por parte da vítima, o medo e a vergonha de denunciar são bloqueios importantes. O tráfico e o aliciamento de pessoas estão mais próximos do que se imagina e a denúncia é determinante para o enfrentamento a esses crimes. Em menos de sete meses, tivemos dois casos internacionais com prisão de criminosos, que se iniciaram com denúncias ao Ligue 180. Por isso, entendemos que a população começa a fazer bom uso do serviço, fornecendo informações precisas que ajudam o trabalho da polícia e a localização das pessoas, como verificado nas duas operações – Palmera e Planeta, em junho de 2012 e janeiro de 2013, respectivamente, da Polícia Federal. Ambas tiveram como destino final a Espanha, com o fechamento de estabelecimentos de exploração sexual, em Ibiza e em Salamanca, em resgate das vítimas.

As vítimas, em geral, têm muito medo de denunciar e como muitas acabam sendo exploradas sexualmente, elas também podem sentir vergonha. O que tem sido feito para que elas sejam encorajadas a denunciar?
EM – Estamos pedindo para que as pessoas denunciem. As mulheres em situação de violência na Espanha devem ligar para 900 990 055, discar a opção 1 e, em seguida, informar a atendente (em Português) o número 61-3799.0180. Em Portugal, devem ligar para 800 800 550, também discar a opção 1 e informar o número 61-3799.0180. E, na Itália, as brasileiras podem ligar para o 800 172 211, escolher a opção 1 e, depois, informar o número 61-3799.0180. No Brasil, as denúncias podem ser feitas diretamente ao Ligue 180. A estratégia mais forte e competente para quebrar o medo e a vergonha das vítimas é o atendimento respeitoso, digno e humanizado.

Embora o tráfico internacional tenha maior visibilidade, especialistas dizem que o tráfico interno é igualmente preocupante. O que tem sido feito para coibi-lo?
EM – As ações da SPM na Coordenação Tripartite do 2º Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas têm como foco assegurar o atendimento humanizado das mulheres vítima de tráfico de pessoas em toda a rede especializada de atendimento, integrando-a à Rede de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, do Ministério da Justiça. Para tanto, a SPM tem ampliado os canais de entrada dessas demandas por meio do Ligue 180, que articula os atores necessários da demanda apresentada. No âmbito nacional, o tráfico de pessoas também é rigoroso com medidas, que possibilitam o mesmo atendimento às vítimas.

Quais são as principais cidades de origem e de destino nos casos de tráfico interno?
EM – O tráfico de pessoas é uma realidade no país inteiro. O aliciamento é feito em todas as regiões. Infelizmente, não é possível mais identificar pontos de partida e chegada. Um alerta deve ser feito: além de não ter medo de denunciar para que o crime seja descoberto e os criminosos punidos, é necessário reafirmar que os e as traficantes podem ser pessoas conhecidas.

Fonte: Marie Claire Online

http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=207897&id_secao=1#.UT3XxlK23lY.gmail

Enviada por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.

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