Contag aprova Carta Aberta contra a violência no campo

Compondo a agenda de atividades do 11º Congresso Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (CNTTR), a Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) realizou nesta segunda-feira (4), em Brasília, o “Seminário Internacional sobre a Violência no Campo – Cenários Vítimas e Agressores”. O evento teve como objetivo debater os altos índices de violência no campo

Joanne Mota, do Vermelho, com informações da Contag

Em entrevista, Alessandra Lunas, vice-presidente e secretária de Relações Internacionais da Contag, explicou que o seminário marca a retomada da Campanha Mundial contra a Violência no Campo e a construção de uma agenda conjunta entre os países e organizações sociais. Segundo ela, o Brasil chama atenção nesse momento para estas questões apresentadas. 

“Estamos instalando a Comissão do Direito à Verdade e à Memória Camponesa, pois ainda lutamos por crimes do tempo da ditadura. Hoje, o cenário não é diferente, estamos vivendo momentos tão violentos quanto os que nós vivemos no tempo da ditadura, com expulsões de famílias no campo e assassinatos de lideranças. Isso é muito forte em nossos estados e é por isso que precisamos chamar a atenção para este debate e discutir estratégias conjuntas sobre o tema”, pontua.

Ao final do seminário, as entidades representantes do Brasil, Colômbia, Guatemala, Nicarágua, Paraguai e Chile aprovaram Carta Aberta intitulada “Violência no Meio Rural: A Favor da Vida e da Paz” que será entregue aos governos da América Latina e às organizações da sociedade civil. O documento é um instrumento de pressão e de proposição de políticas públicas que visam diminuir os conflitos no meio rural.

Leia abaixo o documento:

Violência no Meio Rural: A favor da vida e da paz

Nós do Movimento Sindical, cidadãos da América Latina, produtores familiares, trabalhadores assalariados (as), indígenas, acadêmicos, pesquisadores e instituições que atuam na área rural, vimos de público trazer um breve relato da violência no meio rural em suas diversas vertentes, e suas consequências que estão diretamente vinculadas à concentração da terra, de poder, da mecanização e precarização das relações de trabalho, e da ausência e imparcialidade do Estado. Viemos expressar nossa solidariedade, nossa indignação, e ao mesmo tempo exigir providências imediatas da Justiça.

Vários dos casos expostos durante o Seminário Internacional sobre Violência no Campo: Cenários – Vítimas e Agressores, e também aqueles objetos de pesquisas e denúncias, da violência direta e indireta, infelizmente têm se tornado uma prática comum em todo o continente.

Os grandes proprietários, o agronegócio e as transnacionais atuam como uma verdadeira rede de crime organizado transnacional, uma vez que essa violência é funcional em sua ofensiva pela privatização da natureza, a concentração de terras e produção em larga escala.

A concentração fundiária no Brasil é uma das maiores do mundo. Menos de 50 mil proprietários rurais possuem áreas superiores a mil hectares e controlam 50% das terras cadastradas. Cerca de 1% dos proprietários detém 46% de todas as terras. Segundo dados do INCRA, existem cerca de 100 milhões de hectares de terras ociosas no Brasil. Ao mesmo tempo, mais de quatro milhões e meio de famílias de trabalhadores e trabalhadoras rurais não possuem terra e vivem num estado de pobreza extrema.

A concentração de terra está diretamente relacionada com a concentração do poder. Os poucos donos das terras, que sempre receberam privilégios e exerceram influência sobre as instâncias governamentais em nome de seus interesses pessoais, financeiros e políticos, exploram, escravizam, ameaçam, torturam e matam aqueles e aquelas que ousam lutar contra seus privilégios.

Na América Latina milhares de assalariados e assalariadas rurais têm seus direitos violados, em relações de trabalho informais que muitas vezes os tornam escravos do latifúndio. Apenas no Brasil foram libertados, de 1995 a 2012, 44.230 trabalhadores e trabalhadoras rurais, estimando-se que outros 25 mil encontram-se hoje nesta situação.

Em muitos países, especialmente na Colômbia e Guatemala, existem severas restrições para exercer o direito à liberdade sindical. Muitas tentativas das organizações foram e são violentamente reprimidas e centena de dirigentes e ativistas tem sido assassinada.

Dentre as várias soluções, Trabalho Decente, Reforma Agrária justa, e distribuição de renda representam um importante instrumento para amenizar esses problemas. O que falta para isso ser solucionado é vontade política e um olhar mais humano em relação aos pobres que vivem nas situações e regiões de risco, onde o que impera é a lei de quem tem mais. A omissão do governo que procura responder pelos interesses dos poderosos, os grandes latifundiários é notória: só vale quem tem poder aquisitivo!

Esta ferocidade atroz do capitalismo, do neoliberalismo, está desencadeando uma violência aos direitos territoriais, onde os direitos humanos e coletivos não existem neste mundo, com a cumplicidade dos Estados.

As terras de cultivos e os bens naturais como a água são a ultima fronteira de dominação e não importa se no caminho se extermina centenas de povos. E, já não é apenas uma ameaça, é uma guerra silenciosa e de baixa intensidade, venda de carbono, transgênicos, represas, hidroelétricas, militarização, concentração de terras, água, mangues e mares.

O aumento da violência no meio rural não se limita aos conflitos de disputa pela terra, atualmente há assassinatos sistemáticos daqueles que dedicam suas vidas à defesa e proteção da natureza e à utilização racional dos recursos naturais. O avanço do agronegócio potencializa o aumento dos crimes ambientais, em claro desrespeito à legislação vigente e compromete a preservação e conservação da biodiversidade.

O cenário histórico da estrutura fundiária do país é sem dúvida o responsável pelo desequilíbrio no meio rural, a formação histórica voltada para a exploração, onde se criou o latifúndio, o plantio voltado para a monocultura e a economia de exportação. Forma-se então uma categoria de trabalhadores rurais sem terra para plantar e sem trabalho digno para viver. Soma-se a esses fatos, a mecanização, a erradicação de lavouras, a ausência de crédito agrícola e assessoria técnica, a pressão do latifúndio, a dificuldade de provar a posse via regularização fundiária, a falta de infraestrutura educacional, sanitária e de lazer que ao fim provocam a migração rural, inchando as cidades e formando os cinturões da miséria.

A violência do latifúndio se constitui na violência estrutural que marginaliza, obriga a assalariados e assalariadas do campo a empregos indignos, mata milhões de crianças de desnutrição, trabalho escravo, formando um verdadeiro sacrifício humano. Ficam, portanto, claras as estratégias que este latifúndio utiliza: eliminam lideranças, criam medo e pânico para pôr fim aos trabalhos de reivindicações, denunciam trabalhadores por práticas por eles não cometidas, e contratam milícias fortemente armadas para eliminar dos trabalhadores e trabalhadoras rurais.

Em nossa América, não há um espaço onde não existam conflitos sociais devido à terra, aos rios, aos mares, às costas, ao subsolo, ou seja, aos bens comuns das comunidades camponesas, territórios indígenas, quilombolas e pescadores artesanais.

Já não há mais país nem região onde não haja assassinatos ou expulsão de indígenas e camponeses de suas terras. No Brasil, para construir represas e hidroelétricas dezenas de povos são afetados como os Guaraní-Kaiowá e outros. No Paraguai com o assassinato de 11 camponeses durante as desapropriações em Curuguaty; em Honduras mais de 55 camponeses assassinados no Bajo-Aguán; Na Colômbia que tem 6 de cada 10 dirigentes assassinados, e o recente assassinato de Juan Carlos Pérez Muñoz, trabalhador cortador de cana e dirigente de SINTRAINAGRO; No Brasil o recente assassinato de Cícero Gudes dos Santos do MST; as negligenciadas lutas indígenas no Equador, Perú, Chile e na Guatemala, onde os Mapuches são considerados pelas leis como terroristas e são presos por defenderem seu território e povo tradicional do Vale do Polochic onde 769 famílias são expulsas de sua terra.

Exigimos que as autoridades competentes e organizações internacionais de defesa dos direitos humanos tomem as medidas pertinentes para garantir a segurança dos trabalhadores e trabalhadoras e suas famílias, bem como para a implementação a legislação vigente e mecanismos punitivos mais eficientes, garantindo que os autores e mentores sejam julgados e condenados, acabando com a impunidade.

Exigimos ainda de todos os governantes o avanço nas investigações dos casos de assassinatos, e nas expulsões irregulares e injustas que vem sendo praticadas no meio rural.

Convocamos as organizações de trabalhadores e trabalhadoras, e a sociedade civil da America Latina, em geral, e do Brasil, em particular, para participar e colaborar na CAMPANHA INTERNACIONAL CONTRA A VIOLÊNCIA NO CAMPO.

Por trabalho decente, terra e soberania de nossos povos!

http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=207485&id_secao=7#.UTaUlRKMDJk.gmail

Enviada por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.

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