Bebê da etnia Matis há cinco meses está em tratamento em Manaus, devido uma pneumonia, mas ocorrências verificadas durante o tempo em que ele se encontra no Icam chamaram a atenção dos médicos
Elaíze Farias e Síntia Maciel
O que seria apenas um tratamento de saúde em um bebê indígena do sexo masculino de seis meses de idade acometido de pneumonia ganhou outras proporções ao longo dos cinco meses em que a criança se encontra hospitalizada em Manaus.
O menino da etnia matis, nascido em uma aldeia da região do Vale do Javari, no município de Atalaia do Norte (a 1.138 quilômetros de Manaus), chegou à capital acompanhado dos pais em outubro de 2012, foi levado para a Casa de Apoio à Saúde do Índio (Casai) e encaminhado para tratamento no Pronto Socorro da Zona Oeste. Duas semanas depois, foi transferido para o Instituto da Criança do Amazonas (Icam), onde seu quadro se agravou.
Médicos que realizam o tratamento passaram a suspeitar que a mãe do garoto tenha contribuído para o agravamento da saúde do menino, segundo aponta trecho do relatório elaborado pela equipe do Icam. É que, durante o procedimento clínico, foi verificado que a cânula – tubo que auxilia na injeção de medicamentos no organismo – colocada na garganta da criança, por várias vezes esteve fora do lugar. Em seguida, durante uma traqueolaringoscopia, o embulo de uma seringa foi detectado na garganta do bebê.
A mãe foi afastada do filho e o hospital registrou um Boletim de Ocorrência em uma delegacia da Polícia Civil. O caso foi comunicado à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), que optou por encaminhar a ocorrência à Polícia Federal para investigações – o superintendente da PF, Sérgio Fontes, foi procurado, mas não retornou às tentativas de contato telefônico para falar de uma investigação sobre o caso.
“Existem todos os indícios de que os procedimentos de agressão à criança foram feitos pela mãe. Mas falo ‘agressão’ do nosso ponto de vista. Por isso não estou culpando a mãe. Uma pessoa é considerada culpada quando ela transgride uma determinada norma. Mas, no caso de uma mãe indígena matis, será que do ponto de vista legal eu posso atribuir a ela uma culpa por uma coisa que não faz parte das leis que regem a organização dos matis?”, destacou o secretário estadual de Saúde, Wilson Alecrim, que não forneceu cópia do relatório à reportagem pois o documento tramita em “um processo restrito”.
Conforme Alecrim, o caso foi comunicado aos responsáveis pela saúde indígena, que ficou responsável por repassar o caso aos órgãos competentes federais. Sobre o boletim de ocorrência, ele disse que isto ocorreu (sem o seu conhecimento) tão logo as lesões na criança foram identicadas, mas ele não soube informar se a polícia vai investigar.
Conversa
O Ministério Público Federal do Amazonas (MPF/AM), que possui um Ofício para atuar exclusivamente junto aos povos indígenas, não foi procurado nem pela Sesai nem pela Secretaria Estadual de Saúde (Susam).
Somente na última sexta-feira (1º) é que o órgão ficou sabendo, por meio do portal acritica.com, quando este o procurou para obter mais informações. Naquele mesmo dia, um representante do MPF/AM foi ao Icam para obter mais informações sobre a criança Matis.
O MPF/AM também solicitou ao Dsei/Vale do Javari uma cópia do relatório do Icam.
Nessa segunda-feira (4), o MPF/AM enviou nota informando que no sábado (2) o representante do órgão foi até a Casai e conversou na língua matis com os pais do menino.
Conforme o MPF, eles não souberam informar como surgiram os ferimentos na criança e demonstraram preocupação com o estado de saúde do menino e com o fato de não poderem, no momento, acompanhar o filho no hospital. O MPF também destacou que a mãe demonstrou compreender um pouco a língua portuguesa, mas com “enorme dificuldade de se expressar nela”.
Na mesma nota enviada nessa segunda-feira, o MPF/AM conta que continuará acompanhando o caso, buscando contato com a Polícia Civil do Amazonas para que informe sobre o andamento das investigações que apuram a origem dos ferimentos da criança. A assistência prestada pelo hospital e pela Casai ao menino e aos pais também será acompanhada pelo MPF/AM.
Suspeita
A reportagem obteve informações do relatório por meio do conselheiro distrital de saúde do Vale do Javari, Jorge Marubo, que, sem condições de enviar a cópia, fez a leitura por telefone, de Atalaia do Norte. No relatório consta que desde o início de fevereiro o paciente apresentou sangramento nos dois ouvidos e na boca.
A criança sofreu uma parada cardíaca e passou a apresentar uma aparência debilitada. O relatório relata que foi detectado embolo de seringa nas vias da sonda e verificou-se que o paciente teve a perda da visão.
Segundo o relatório, a cada alteração na saúde do filho a mãe “apresentava preocupação” e comunicava a situação ao médico. No entanto, uma avaliação psicológica chegou a considerar a mãe da criança “dissimulada”. Conforme o relatório, a criança não tem condições de sair do hospital e “definitivamente permanecerá hospitalizada”. Ainda de acordo com o documento, a mãe foi afastada porque é “suspeita de tentar o infanticídio”.
Polêmica
Funcionários do Dsei/Manaus foram procurados para falar sobre o assunto, mas eles orientaram a reportagem a entrar em contato com a assessoria de imprensa da Sesai, que se limitou a dar informações detalhadas anteriormente pelo secretário Wilson Alecrim.
A controvérsia em torno da possibilidade da mãe ter atentado contra a integridade física do filho também foi levantada durante as tentativas de entrevistas, mas os funcionários preferiram não se manifestar. Apenas um indigenista, morador de Atalaia do Norte, comentou que os matis não têm prática do “infanticídio e que, caso ocorra, isto acontece “na aldeia” e não quando o tratamento já foi iniciado.
Sequelas
O secretário Wilson Alecrim informou que o bebê deu entrada com um quadro de insuficiência respiratória (septicemia), o que fez com que ele fosse internado imediatamente na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), do Instituto.
“O quadro de saúde da criança se agravou na UTI, havendo a necessidade de se fazer uma traqueostomia no paciente. Em virtude da insuficiência respiratória a criança ficou com sequelas neurológicas”, explicou Alecrim.
Transferido da UTI para uma unidade de tratamento semi-intensiva, o bebê estava sendo acompanhado pela mãe, desde que deu entrada no Icam. Conforme Alecrim, alguns acontecimentos verificados com a criança após a transferência dela para o semi-intensivo contribuiram para que a indígena matis fosse afastada do acompanhamento do filho.
Dias depois a criança sofreu uma parada respiratória. Mesmo com a reanimação, a criança não voltava a respirar. O paciente foi submetido a uma traqueolaringoscopia, ocasião em que os médico encontraram o embulo de uma seringa na garganta da criança.
Na primeira semana de fevereiro, a equipe que acompanhava o bebê verificou que o mesmo apresentava sangramentos nos ouvidos e nos olhos, e após examina-lo constataram que os mesmos haviam sido perfurados.
População
Os índios matis são falantes da língua Pano e de contato relativamente recente. Nos anos 70, a população era estimada em várias centenas. A partir deste período, os matis caíram vítimas de várias epidemias que afetou principalmente idosos e crianças. Nos últimos anos, a população têm crescido.
Atualmente, segundo dados da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) reproduzidos no site do Instituto Socioambiental (ISA), sua população é de 320 pessoas (2010).
“Contudo, ainda persiste o choque demográfico e psicológico decorrente de um contato mal empreendido e desnecessariamente mortífero. Atualmente, os Matis não vivem mais em uma única aldeia e assim retomam de modo tímido o antigo padrão de ocupação territorial”, diz trecho da população dos Povos Indígenas dos Brasil do ISA.
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http://acritica.uol.com.br/amazonia/Manaus-Amazonas-Amazonia-Matis-Casai-Dsei-Susa-Vale_do_Javari-Crianca-UTI-circunstancias-misteriosas_0_876512411.html