Nota: nos últimos 30 dias publicamos duas denúncias sobre o estado de saúde dos Povos Indígenas do Alto Rio Negro, levando à morte de diversas crianças (Surto de virose causa mortes de crianças indígenas e agrava situação de aldeia no Alto Rio Negro (AM) e Situação dramática da saúde indígena no Alto Rio Negro; crianças estão morrendo). Em resposta, recebemos de Renato Athyas cópia do informe que a Associação Saúde sem Limites protocolou no Ministério Público do Amazonas e enviou para as autoridades sanitárias de São Gabriel e para o Ministério de Saúde, denunciando a situação. Aí vai ele. Tania Pacheco.
Documento-subsídio para uma ação eficaz de saúde entre os Hupd’äh elaborado pela Associação Saúde Sem Limites
A Associação Saúde Sem Limites (SSL) é uma organização não governamental que atua no campo da Saúde Indígena desde 1994, desenvolvendo projetos de saúde com populações indígenas e tradicionais, tendo como missão: “Atuar junto às populações socialmente excluídas para que estas possam interagir na construção de sistemas de saúde eficientes, democráticos, culturalmente adequados e capazes de atender as necessidades dessas populações”.
A SSL vem através desse documento manifestar sua preocupação e apoiar todas as iniciativas que promovam o acesso aos serviços de saúde para populações indígenas; e, se colocar a disposição da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e do Distrito Sanitário Especial Indígena do Rio Negro com informações sobre a situação de saúde dos povos indígenas do Rio Negro, em especial sobre os Hupd’äh.
A SSL vem trabalhando desde 1996, quando, a convite da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) iniciou suas atividades na organização dos serviços de saúde nessa região. Atuando diretamente na formulação da atual Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena (PNASI/1999). Com a implantação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas no país, a SSL participou ativamente nos processos de formação de conselhos de saúde, no desenho, organização e gerenciamento dos serviços de saúde que resultou na atual organização e formato do Distrito Sanitário Especial Indígena Rio Negro (DSEI RN), realizando diagnóstico de saúde de toda a região, e estimulando uma pactuação interinstitucional para o desenvolvimento de estratégias de promoção à saúde, e sobretudo na capacitação de recursos humanos indígenas. Atualmente a SSL faz parte do Conselho Distrital de Saúde Indígena do Rio Negro (CONDISI-RN), e juntamente com os outros membros desse conselho vem apontando alternativas nos serviços de saúde promovidos pelo Distrito Sanitário Especial Indígena do Rio Negro.
De 2001 a 2003 a SSL, com o apoio da FOIRN, juntamente com outras organizações não governamentais participou na organização de serviços de saúde indígena do DSEI-RN, no município de São Gabriel, Santa Isabel e Barcelos, mas especificamente nos Rios Uaupés, Tiquié e Papuri. Em, 2003 após análise da conjuntura dos convênios promovida pela FUNASA, a SSL se retira da execução direta. E, em carta aberta dirigida Federação das Organizações do Rio Negro, e ao Conselho Distrital alerta sobre a situação dos convênios e denuncia o desmantelamento dos serviços de saúde caso perdurasse o tratamento que a FUNASA vinha promovendo com relação aos Planos Distritais de Saúde.
A partir desse ano a SSL passa atuar em projetos complementares de prevenção e promoção da saúde indígena com financiamentos, tanto de agências de cooperação internacionais como a Health Unlimited, Christian Aid (Reino Unido), NOVID (Holanda), Manos Unidas (Espanha), Pan American Health Education Fundation (USA), bem como, recursos governamentais como do Ministério da Saúde, do Meio Ambiente transitando em variados temas e atividades específicas relacionados á sua missão, e a demanda específica dos povos indígenas dessa região. Durante esse período a SSL desenvolveu os projetos intitulados: Saúde e Educação para os Hupd’äh; Saúde e Sexualidade da Mulher Indígena do Rio Negro integrado numa rede internacional denominada REDSIAMA, Avaliação do Impacto no Processo de Sedentarização dos Povos Hupd’äh do Rio Tiquié, Alternativas Nutricionais de Sustentabilidade para os Povos Hupd’äh, envolvendo médicos, enfermeiras, antropólogos, cientistas sociais, educadores e agrônomos.
Em 2004, a SSL participa dos levantamentos dos principais problemas de saúde especificamente do povo Hupd’äh, que vivem na região interfluvial dos rios Uaupés, Tiquié e Papuri, estimados em mais de 1500 pessoas. Dentre os principais problemas levantados se destacam: as altas taxas de mortalidade infantil, alta prevalência de tracoma, parasitoses intestinais, diarréias, desnutrição e as doenças respiratórias. Considerando que os problemas de saúde guardam íntima relação com um amplo espectro de fatores relacionados à qualidade de vida (padrão adequado de alimentação e nutrição, de habitação, saneamento, de oportunidades de educação ao longo da vida, entre outros) e; no caso dos Hupd’äh, com as suas especificidades culturais, a SSL desenvolveu diversas iniciativas no sentido de evidenciar as precárias condições de vida e saúde desse povo e assim buscar alternativas na elaboração de políticas públicas pertinentes às necessidades dos Hupd’äh. Dentre essas, a articulação interinstitucional, local e nacional, para a questão do controle do tracoma, que resultou em treinamentos para profissionais de saúde para o diagnóstico precoce, tratamento e implantação do programa de controle da enfermidade; alternativas estruturais no sistema de ensino público para os Hupd’äh e a proposta de estudo e adoção da grafia da língua hup para, concretamente, demonstrar que é possível valorizar os saberes tradicionais, respeitar as especificidades culturais, facilitar a interação entre a população e os representantes dos serviços de saúde; e, promover a cidadania e a inclusão social em contextos interculturais.
O Projeto “Saúde e Educação”, concluído em 2006, possibilitou a estruturação da organização dos serviços de saúde, de forma articulada com os serviços oficiais de saúde FUNASA/MS, no âmbito do DSEI RN, para 600 Hupd’äh de seis comunidades da região do médio rio Tiquié, catalisando o processo de implantação do curso para a formação de professores Hupd’äh, junto à Secretaria Municipal de Educação de São Gabriel da Cachoeira, a partir da realização do Censo Escolar dos Hupd’äh, e de diversas medidas de intervenção locais nas políticas públicas de educação, possibilitando então o inicio da formação de Agentes Indígenas Hupd’äh de Saúde. Além disso, o projeto logrou realizar o estudo da língua Hup, tendo como produto concreto, a elaboração e distribuição do dicionário Hup-Português e a primeira cartilha de alfabetização na referida língua. Soma-se a esses resultados, o aumento na participação social dos Hupd’äh, inexistente até então, com a inclusão de dois Hupd’äh no Conselho Local de Saúde de Pari-Cachoeira, localidade de referência para a região do médio Tiquié. Em 2006, a SSL realiza durante a IV Conferência Nacional de Saúde Indígena, o lançamento oficial de um dicionário da língua Hupd’äh com frases para profissionais de saúde, após de vários anos de trabalho, com várias aldeias Hupd’äh na discrição fonética e fonológica da língua dos Hupd’äh, bem como atividades especificas na área da educação, e nos processo de ensino e aprendizagem entre os Hupd’äh do Rio Tiquié. Nesse mesmo ano a SSL apóia, juntamente com FOIRN, a realização de cursos de magistério indígena para os Hupd’äh, Yohup e Dâw em forma modular com recursos do MEC através da gestão da Secretaria Municipal de Educação de São Gabriel da Cachoeira.
Dando continuidade às ações de apoio junto ao povo Hupd’äh, em 2007 desenvolve um projeto, para realizar uma análise sobre o impacto do processo de sedentarização nas condições de vida e saúde dessa população, assim como criou mecanismos de discussão, num processo participativo com as comunidades Hupd’äh, buscando propostas de alternativas sustentáveis a partir de subsídios ambientais. Essa estratégia de intervenção do projeto já considerava o diagnóstico preocupante das condições de saúde das comunidades Hupd’äh, realizado nos anos 2000 e 2004. Seus objetivos específicos visavam facilitar a iniciativa comunitária e apoiar as famílias Hupd’äh na opção pela agricultura familiar, contribuindo com alternativas sustentáveis discutidas com as próprias comunidades, e melhoria das condições de saúde, promoção de qualidade de vida, alteração do estado sedentário pelo qual se transformaram e valorizando os recursos existentes em seu território, bem como o modo de vida tradicional. Em 2010, a SSL com financiamento do Ministério do Meio Ambiente no âmbito do Projeto para o Desenvolvimento de Povos Indígenas (PDPI), inicia o projeto “Alternativas Econômicas e Nutricionais de Sustentabilidade para os Povos Hupd’äh do Rio Tiquié”, com término previsto para março/2013.
Na vertente específica da assistência á saúde, observações tanto de antropólogos como de profissionais de saúde que atuam com esse povo indicam que estes detêm os piores índices de saúde da região do Alto Rio Negro. Os registros da SSL no período de 1996 a 2004 demonstram que os Hupd’äh, especialmente, os que habitam as grandes comunidades, apresentam quadros graves de desnutrição clínica, tuberculose, doenças de pele com destaque para a escabiose, parasitoses intestinais com eliminação de grandes quantidades de vermes, entre outros problemas. Em estudo realizado para a confirmação da presença de tracoma, observou-se que a doença é hiperendêmica na região e que os Hupd’äh detêm os maiores índices de tracoma ativo (Relatório da SSL, 1998).
No período de 2000 a 2004, Marina Machado, enfermeira da SSL, descreve em relatórios a FUNASA, e em sua dissertação de mestrado (2005), um estudo sobre essa população, onde foram realizados 4.632 diagnósticos em primeiro atendimento que se distribuíram em 16 grupos de causas classificados de acordo com a 10ª Revisão da CID. Dentre estes grupos, sete somaram 94% dos problemas de saúde identificados tanto a partir das demandas dos Hupd’äh como pela busca de casos. O quadro de morbidade da população apresenta as Doenças Infecciosas e Parasitárias como as mais importantes, com 40% do total de diagnósticos. Nesse grupo, parasitoses intestinais corresponderam a 43,7% das enfermidades registradas, seguidas do tracoma (24,7%), da escabiose (23%), de micoses superficiais (6%). As diarréias infecciosas, a malária vivax, a tuberculose e a pediculose contribuíram com 2,6% dos diagnósticos. Sinais e Sintomas Anormais foram reportados em 16% dos diagnósticos, entre os quais a cefaléia foi o sintoma mais referido com 40% das queixas. A tosse crônica aparece com a expressiva proporção de 27,6%, seguida das epigastralgias (12,4%), fraqueza (7,3%) e dores musculares (6,3%).
Os demais sinais e sintomas registrados foram: vômitos, vertigem e zumbidos, suspeitas de malária e outros sintomas inespecíficos que corresponderam a 6,4% do total dos registros. Em relação às suspeitas de malária, possivelmente dizem respeito a febres sem confirmação diagnóstica. As Doenças do Aparelho Respiratório alcançaram o terceiro posto (12%) entre as doenças diagnosticadas nos Hupd’äh. As gripes e as pneumonias responderam por 93,1% dos diagnósticos, neste grupo, sendo que a proporção de gripes foi 46% e a de pneumonias 47,2%; as amigdalites representaram 5% e a sinusite aguda 2%. As enfermidades do Sistema Osteomuscular e do Aparelho Digestivo corresponderam, cada uma, a 8% dos diagnósticos, ocupando a quarta posição entre os problemas de saúde mais identificados entre os Hupd’äh. As artralgias crônicas e agudas corresponderam a 57% das queixas, a lombalgia a 33%, seguida da cervicalgia (3,5%) e de outras afecções não especificadas (6,7%). Em relação ao Aparelho Digestivo, as diarréias agudas corresponderam a 71% das causas de adoecimento, as dores de dentes aparecem com 21% dos diagnósticos e os diversos tipos de hérnia com 6,5%.
Os problemas relacionados à Pele e Tecido Subcutâneo corresponderam a 6% das causas de doenças, sendo que os ferimentos, de qualquer espécie, exceto os provocados por uso de armas, representaram 49% das queixas atendidas, seguidos dos abcessos (32%) e piodermites (19,7%). Finalmente, as Doenças do Olho e Anexos corresponderam a 4% dos diagnósticos realizados nas comunidades Hupd’äh. As conjuntivites foram responsáveis por 79,4% das queixas. A cegueira e a baixa acuidade visual representaram 8% das enfermidades, seguidas dos casos de pterígio (6,5%), das dores oculares (5%) e das cataratas (1,5%). Foram detectados oito casos de cegueira. As demais causas de adoecimento somaram 6% dos diagnósticos realizados nas comunidades, com predomínio da desnutrição energético-protêica, anemias nutricionais e otites. Também contribuíram para a composição do quadro epidemiológico as infecções urinárias, complicações de parto e a hipertensão arterial. Essa pesquisa apresentou as seguintes conclusões:
- O perfil demográfico dos Hupd’äh mostra que a população é extremamente jovem e sua estrutura etária sugere que tenha experimentado altos níveis de natalidade e mortalidade;
- As taxas de natalidade (33,4) e de fecundidade (3,4) aferidas na pesquisa mostram-se mais baixas que as encontradas em outros povos indígenas brasileiros;
- O perfil de morbimortalidade dos Hupd’äh dos rios Tiquié e Uaupés é caracterizado pela presença de doenças infecciosas e parasitárias, respiratórias e digestivas as quais são importantes tanto nos diagnósticos realizados no primeiro atendimento nas comunidades quanto na análise da mortalidade;
- Estas doenças incidem principalmente nas crianças menores de cinco anos causando a morte de parcela expressiva deste extrato da população, sendo que o Coeficiente de Mortalidade Infantil médio foi de 116, 3 óbitos para cada mil nascidos vivos;
- A organização dos serviços de saúde ainda é deficitária, sendo os principais problemas a descontinuidade dos repasses financeiros da FUNASA para o DSEI-RN e a falta de uma política adequada para a contratação, atualização e estímulo a permanência de profissionais de saúde. Estes problemas contribuem para a manutenção de doenças passíveis de controle e prevenção e para alta mortalidade entre os Hupd’äh;
- Pesquisas com abordagens etnoepidemiológicas são necessárias para a melhoria dos serviços de saúde prestados aos Hupd’äh considerando as suas especificidades culturais e as próprias diretrizes da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas.
Em 2009, Carolina Batista, (médica/SSL) em viagem de campo no Projeto Saúde Sexual e Reprodutiva entre os Hupd’äh do Médio Tiquié/ Red Siama, relata:
“O ano 2009 foi um ano muito difícil na realização das ações de saúde no Alto Rio Negro, em parte por uma dificuldade na operacionalização das ações do DSEI, que alegando falta de motores do popa, reduziu suas atividades ao chamado “Plano de Emergência”, tendo limitado sua presença a apenas oito dos 19 Pólos-Base, chamado por eles de “pontos estratégicos”. Em função desta situação, as equipes estiveram muito pouco presentes nas comunidades e quando se encontravam nestas, não realizavam as atividades e programas normalmente, pois estavam em situação de emergência. As comunidades Hupd’äh, como são localizadas em locais desprovidos de Pólos Base, foram ainda menos assistidas e apresentaram indicadores de saúde condizentes com uma falta de assistência e medidas preventivas de saúde.Tal fato foi relacionado, pelos Hupd’äh, aos altos índices de doenças infecciosas e parasitárias desenvolvidas pelos mesmos assim como um detrimento geral da situação de saúde vivenciada por eles, incluindo um aumento no numero de óbitos entre esta população. Neste ano, houve um aumento da taxa de mortalidade infantil no DSEI, ocorrida principalmente entre os Hupd’äh. De acordo com dados do SIASI (Sistema de Informação em Saúde Indígena) do DSEI-RN, foram declarados 20 óbitos entre os Hupd’äh, em sua maioria ocorrida em crianças. Não há adequação cultural na abordagem aos Hupd’äh, principalmente em relação aos assuntos de saúde da mulher e estes são negligenciados.”
Em 2010, os relatórios de Fernanda Roder (enfermeira,SSL), ainda no Projeto Saúde Sexual e Reprodutiva entre Os Hupd’äh do Médio Tiquié/ Red Siama, agrega dados de avaliação nutricional das crianças Hupd’äh, menores de cinco anos, desde que já haviam observações dos consultores da SSL em anos anteriores , veiculando informações sobre desnutrição e doenças infecciosas evitáveis , informações essas repassadas para o DSEI RN no período. Foi também realizado um estudo para Avaliação Nutricional e Deficiência Energético Protéica (DEP) de uma amostra de 35 crianças Hupd’äh, menores de 5 anos,residentes nas aldeias Hupd’äh de Barreira Alta, Nova Fundação e Taracuá Igarapé, no Médio Rio Tiquié, no período de outubro e novembro de 2010. Segundo a SSL, “Para o estudo foram pesadas as crianças presentes na comunidade, identificadas pelos AIS, portanto o cálculo foi baseado no número de crianças presentes no momento da coleta e não no total de crianças existentes nas comunidades com essa faixa etária.
Os resultados apontam para um índice muito alto de desnutrição nessas áreas. Nas três aldeias avaliadas, 85,4% das crianças menores de 5 anos apresentam algum grau de desnutrição, desde leve (24,4%), moderada (39,0) até grave ( 22%). em relação a peso por idade. Isso indica um sério problema a deficiência energético protéica nas crianças desta região. Sendo prioritário identificar estratégias eficazes para sua prevenção e controle. A deficiência energético protéica conduz a amplas conseqüências na saúde e no desenvolvimento, afetando não só a esfera biológica, mas a esfera social e produtiva da sociedade como um todo e está associada à mortalidade infantil.Quando persiste por tempo prolongado pode ter repercussões importantes na altura. E é observado na tabela que apenas 5% destas crianças tem estatura adequada em relação à idade. Mas esse é um índice de avaliação que precisa ser melhor discutido com populações indígenas.
Em agosto de 2011, o antropólogo Renato Athias após uma viagem na região, relata as autoridades sanitárias e a FUNAI, a situação alarmante dos suicídios que estão ocorrendo na área dos rios Tiquié e Japu (Uaupés). Nessa ocasião, foram anotados 21 suicídios ocorridos entre os anos 2008 e 2011 nessas povoações, nove suicídios ocorridos apenas no Rio Japu. Ainda em julho se 2012 a antropóloga Lírian Monteiro, faz novo alerta apresentando dados de 2011 e 2012 de suicídios ocorridos nessa mesma área. Essa é uma questão que precisa de uma investigação criteriosa, com especialistas, no sentido de entender esses suicídios.
Em uma compilação dos dados e informações sobre a situação de saúde vivida pelos povos Hupd’äh habitantes da margem esquerda do rio Tiquié e além da ênfase manifestadamente em todas as ocasiões sobre precárissiama infraestrutura de saúde nas regiões do alto rio Negro, gostaríamos compartilhar 10 pontos, que representam uma síntese de relatórios anteriores da SSL, já apresentados as autoridades do DSEI-RN nesses últimos anos. Essas questões formam um conjunto de problemas que devem ser de imediato abordados para minimizar as situação de saúde desse povo:
- os quadros de natureza infecciosa referentes ao sistemas digestivo e respiratório distribuem-se uniformemente entre as amostras populacionais e afetam particularmente a população infantil na faixa de 1 até 9 anos, apresentando índices alarmantes de prevalência. Igualmente percebem-se, em todas as regiões, outros importantes grupos de patologias constituídos principalmente pelas afecções do sistema músculo-esquelético, distúrbios nutricionais, dermatopatias e oftalmopatias;
- os quadros digestivos associam-se freqüentemente com os diagnósticos de anemia e Deficiência Energético Protéica em graus que variam de moderados à severos. Os números são contrastantes em relação aos demais rios: 33% da população na faixa etária entre 0-14 anos (n = 287 indivíduos) apresenta quadros anêmicos avançados (prevalência de 33 casos por cada 100 habitantes) e 11% apresenta Deficiência Energético Protéica evidente;
- distintamente das demais regiões a população adulta das etnias Hupd’äh/Yohup também apresentam altos índices de anemia e Deficiência Energético Protéica clinicamente evidentes, na faixa etária entre 15 a 50 anos (n = 355 indivíduos) pode-se perceber taxas de prevalência de 30% e 11% para casos de anemia e Deficiência Energético Protéica, respectivamente.
- os dados relativos aos sintomáticos respiratórios demonstram que estes se concentram predominantemente entre indivíduos adultos jovens e a população infantil e parecem indicar um certo agravamento da situação da tuberculose em relação à população do Rio Tiquié como um todo. Esta impressão torna-se evidente em relação aos povos Hupd’äh/Yohup. Agravam estes dados as informações a respeito de casos de TBC pregressa (a maior parte com tratamento incompleto/interrompido);
- necessidade de ampliação da cobertura vacinal, que em algumas e áreas apresenta-se satisfatória, dada as circunstâncias do acesso as aldeias Hupd’äh e Yuhup;
- as oftalmopatias aparecem em todos as regiões como um importante grupo de patologias que necessitam de um enfoque especial, considerando a dimensão do tracoma na região. Os dados colhidos parecem indicar a região do Rio Tiquié (e, particularmente, os grupos Hupd’äh/Yuhup) constituindo o foco mais importante de tracoma, ainda que nas demais áreas do Rio Negro devam ser melhor investigadas;
- a grande freqüência de diagnósticos de deficiências nutricionais, principalmente entre os grupos Hupd’äh e Yohup, constituem-se indicadores precisos das condições gerais de vida e saúde na região do Rio Negro e do nível de desassistência existente;
- além das endemias existentes, a população dos rios convive frequentemente com epidemias de infecções respiratórias, surtos de diarréia e outras doenças tais como a varicela. No dados sobre os Rio Tiquié, constataram-se vários óbitos infantis e adultos;
- o alcoolismo encontra-se em dinâmica crescente entre os povos indígenas da região, sendo o principal produto consumido os destilados de cana-de-açúcar;
- reafirma-se a impressão de insegurança alimentar e ocorrência de fome sazonal nas áreas do Rio Negro, observando-se grandes dificuldades na obtenção de fontes de proteína animal (caça e pesca). Esta situação parece ser mais grave no Rio Tiquié, área de grande pressão demográfica, e pode guardar relação com o panorama epidemiológico desta região.
Tais informações de saúde acumuladas sobre as comunidades Hupd’äh, levaram a SSL, que tem um amplo conhecimento da situação de saúde dessa população, elaborar projetos integrados (recuperação das áreas degradadas e aspectos participativos) que levem a resultados que possam modificar a situação de empobrecimento dessas populações, e a carência alimentar, coadjuvando a promoção da saúde desses povos.
Neste momento, a SSL no cumprimento de sua missão, objetiva, através deste documento, contribuir com informações epidemiológicas para que os órgãos governamentais responsáveis acerca do diagnóstico e dos determinantes sociais da saúde que incidem nas comunidades Hupd’äh do Rio Tiquié, assim como se coloca a disposição em colaborar com a elaboração de propostas para as intervenções emergenciais necessárias na região; seguidas de um Plano Interinstitucional de enfrentamento das necessidades locais por saúde, visando o cumprimento dos deveres constitucionais de garantia dos direitos cidadãos de uma Saúde Indígena, culturalmente adequada, num país pluriétnico como o Brasil.
Agradecemos a atenção, certos de poder contribuir e aguardando os pronunciamentos cabíveis para as medidas urgentes de intervenção no local.
São Paulo, 12 de fevereiro de 2013
Luiz Eduardo Diaz Toledo
Presidente
Maria Elvira Toledo
Assessoria Técnica, Saúde Sem Limites
Renato Athias
Antropólogo, Saúde Sem Limites
Consultores: Carolina Batista, Médica;
Danilo Paiva Ramos, Antropólogo;
Fernanda Roder, Enfermeira;
Lírian Monteiro, Antropóloga;
Marina Machado, Enfermeira;
Norimar Pinto, Médico;
Patrícia Torres, Enfermeira;
Simone Argentino. Enfermeira.
A reportagem original da Pública “Vamos falar sobre o que está acontecendo com a juventude indígena?” foi postada no mesmo dia neste blog, Renato. Somos republicadores oficiais deles, o que significa que recebemos (e postamos) no mesmo dia as matérias lançadas pela Agência. Neste caso, a reportagem pode ser acessada em http://racismoambiental.net.br/?p=196876.
Esse documento acima foi encaminhado em março de 2013. Situação desastrosa que acontece com essa população…. Acabo de ler a reportagem: http://apublica.org/2015/12/vamos-falar-sobre-o-que-esta-acontecendo-com-a-juventude-indigena/ e é de ficar espantado com a situação atual… confiram