Por André Miranda, Agência O Globo
RIO – Foram três décadas até que o Brasil criasse sua Comissão da Verdade. Mas o grupo, que foi instaurado oficialmente há 15 dias para investigar as violações de direitos humanos cometidas durante o regime militar, de longe não representou a única demora em se tratando da ditadura brasileira. Diferentemente dos vizinhos Argentina e Chile, que também sofreram com abusos de governos militares, as artes nacionais pouco se debruçaram nos anos seguintes sobre casos e histórias relacionadas ao período. As razões, de acordo com quem viveu a época, envolviam o medo de repressões mesmo após o fim do regime, as tradições alegóricas da estética brasileira e também as características da própria ditadura no país. Mas esse panorama vem mudando.
Em cartaz nos cinemas, “Uma longa viagem”, de Lúcia Murat, é um documentário pessoal sobre a história da família da diretora: enquanto ela estava presa no Brasil, seu irmão Heitor rodava o mundo em delírios provocados pelo uso excessivo de drogas. No mês de maio, Paulo José encenava no Rio a peça “Murro em ponta de faca”, um texto de Augusto Boal sobre um grupo de exilados que já havia sido dirigido pelo próprio ator em 1978 – na ocasião, com direção musical de Chico Buarque. Já nas livrarias, duas novas obras mostram a atualidade do tema: o romance “Sucursal do inferno” (editora Prumo), do escritor e dramaturgo Izaías Almada, é uma sátira sobre o período a partir de uma investigação jornalística que aborda democracia e demônios; e “Ditadura no ar”, de Raphael Fernandes e Abel, é uma série independente de quadrinhos que dá um tom noir às histórias do regime.
– Houve muita coisa escrita, muitos registros de memória num primeiro momento de pós-anistia, mas depois houve uma certa rejeição ao período. Era como se fosse um pouco feio falar daquilo, como se fosse algo a se esquecer, como se fosse brega. Senti que não era moderno falar sobre ditadura – afirma Lúcia Murat, cujo primeiro filme sobre o tema, “Que bom te ver viva”, foi lançado em 1989. – E também havia muito medo. Eu achava que iriam jogar uma bomba na minha casa quando o “Que bom te ver viva” chegou aos cinemas. Hoje, o que mais me gratifica é ver que há um grupo de jovens desenvolvendo ações de denúncia. Eles é que foram às ruas se manifestar a favor da Comissão da Verdade. (mais…)
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