Clóvis Cavalcanti*
Durante muito tempo, eu ia com assiduidade à região das praias de Ipojuca, a de Muro Alto, que descobri em 1972, em especial. Todo o espaço ali existente me encantava enormemente e às pessoas com quem fazia programas no lugar (programas que não eram só de fim de semana).
Levei muitos estrangeiros para conhecer as belezas de Porto de Galinhas, Cupe, Gamboa, Suape, Calhetas. Foram tempos memoráveis. Nos contatos com a população, sobressaía uma pobreza altiva. Havia um único residente em Calhetas, por exemplo, pescador, que morava com a mãe. Parecia um homem muito feliz, vivendo com dignidade. O mesmo transparecia de famílias humildes que apareciam em Muro Alto (então uma praia totalmente desabitada e sem estradas de acesso), aos domingos, para o divertimento de colher ouriços do mar, assá-los e comê-los ali. Algumas vezes meus acompanhantes e eu provamos da iguaria. Na vila de Nossa Senhora do Ó encontrávamos as mangas mais deliciosas da Região Metropolitana do Recife. Perto de Suape, os cajus e as mangabas eram fantásticos. Bom, isso é só uma pincelada rápida do que eu poderia sair dizendo sobre a região que hoje simboliza o “progresso” de Pernambuco e na qual só estive duas vezes, muito a contragosto, nos últimos 17 anos.
A última vez, a convite da comunidade franciscana de Ipojuca, foi para dar uma palestra em 3.11.11, sobre os impactos do complexo industrial-portuário de Suape. Aliás, desse mesmo tema tratou um manifesto criticando a obra, que escrevi, foi subscrito por alguns nomes de peso da ciência em Pernambuco e saiu publicado em abril de 1975 no Jornal da Cidade (semanário hoje extinto). O documento, que pode ser encontrado no Google, alertava para realidades trágicas como as que hoje se delineiam no município de Ipojuca e outros vizinhos. A situação observada, de fato, mostra que as populações aí vivendo constituem verdadeiros mártires dos interesses hegemônicos da economia. Pude ver isso no dia 3.11.11, a começar do trânsito infernal que se tem de enfrentar para chegar e sair de Ipojuca. Na palestra que proferi havia umas 200 pessoas, inclusive autoridades do município.
Estas, aliás, foram as únicas que, sem negar os problemas existentes, procuraram fazer uma defesa dos inevitáveis “custos do progresso”.
Depoimentos candentes foi o que o público em geral ofereceu. Algo semelhante está acontecendo no momento, em escala até maior, na Mongólia, para satisfazer a voracidade do absurdo crescimento chinês. É imensa a dimensão do impacto sobre os bens da natureza que lá e aqui se produz. Igualmente, impõe-se um sacrifício humano que destrói pessoas, famílias, comunidades, formas de vida – um bem-estar que jamais será reposto. Tornam-se explicáveis, dessa forma, os protestos constantes que se verificam nas proximidades das obras de Suape. E tornam-se louváveis atitudes, como a do Psol, que tem se empenhado em mobilizar os atingidos pela megalomania de Suape. Uma obra que jamais atrairia para morar em suas proximidades aqueles que a defendem com unhas e dentes.
* Economista ecológico e pesquisador social.
Texto publicado inicialmente no Diário de Pernambuco, em 12/02/2012. Enviado por Heitor Scalambrini Costa.