“E a vida os e-levou”, por Egon Heck

Egídio Brunetto no protesto contra o massacre de Nísio Gomes em Mato Grosso do Sul, em 25/11/2011. Foto de Damarci Olivi.

Laila amarra a fita preta em meu braço. Faço o mesmo com relação a ela. E as mais de 200 pessoas presentes na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul fazem o mesmo gesto de compromisso com a vida e a justiça, contra a violência, pela terra e pela paz, em luto pelo covarde assassinato do cacique Nisio Gomes Kaiowá Gurani, do Guaiviry e o roubo e ocultamento de seu corpo. Dentre os presentes estava Egidio Brunetto, que três dias depois teria sua vida tragicamente ceifada. Ao dar-lhe um abraço, ele foi logo perguntando: “Está tudo certo! Segunda-feira estarei lá na região da fronteira”.

Hoje Egídio está retornando à fronteira conquistada, chão em que foi assentado, e onde agora será plantado para se tornar semente e força na luta pela terra e a justiça, para sempre. Eterna fronteira, onde sua imagem e exemplo florescerão, e os frutos da terra alimentarão de pão e esperança todos os lutadores da solidariedade e da Vida, de uma nova sociedade.

Já na outra fronteira, com o Paraguai, a marcha indígena contra o genocídio Guarani-Kaiowá, da qual Egidio queria participar, está acontecendo, agora com a força da memória de todos os lutadores, e em especial de Nísio e Egidio, que a vida levou para outra dimensão de futuro. Fui me despedir de Egídio na sede do MST. As bandeiras da Via Campesina e do MST envolviam o caixão. Já de Nísio, a despedida terá que ser silenciosa, distante, na memória e lembrança bonita de seu sorriso e sua luta, pois seu corpo ainda não foi localizado.

O cacique Nisio Gomes e seu filho Valmir, no Acampamento Terra Livre 2006, na Esplanada dos Ministérios, Brasília, DF.

A Marcha continua

Oeste de Santa Catarina. No início da década de 1980 um rapaz inconformado com a opressão no campo, nos estertores da ditadura militar, se juntou aos lutadores da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Tinham todo o apoio de Dom José, então presidente do Cimi, e depois da CPT. Ali mesmo, em Xanxerê, no porão da Casa Paroquial, funcionava a sede do Cimi Regional Sul. Dos “porões da liberdade” e da corajosa audácia da luta pela terra, reforma agrária, demarcação das terras indígenas, surgiu uma das mais belas e profícuas páginas da luta pela vida e justiça na terra.

Santa Catarina e Mato Grosso do Sul, estão hoje unidos na luta pela vida, contra o genocídio e o “agrobanditismo”, como diz o geógrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira, ao se referir ao agronegócio, que semeia a opressão, destruição e morte. Enquanto na fronteira com a Argentina, em Dionísio Cerqueira Egidio é “plantado”, como dizem nossos companheiros(as) Xukuru de Ororubá, os Kaiowá Guarani e seus aliados estão marchando entre os municípios de Amambai e Aral Moreira, na fronteira com o Paraguai. Estarão exigindo o fim das violências, dos assassinatos, do genocídio. Pedem paz, exigem apuração e punição aos assassinos que mataram Nísio e tantas outras lideranças. Irão ficar vigilantes até que seja localizado o corpo de Nísio.

Os dois estados em que o agronegócio e seus políticos são mais organizados e combativos contra os direitos indígenas a terra, estarão unidos na mobilização pela vida e pela justiça. As vidas, lutas e exemplos de Nísio e Egídio certamente não serão em vão. Multidões erguerão suas Memórias na luta, bradando contra a guerra secular e a ignomínia da estrutura fundiária nas mãos do latifúndio, do agronegócio, que tem a terra como objeto de negócio e ambição!

Egon Heck

Povo Guarani Grande Povo
Cimi 40 anos, Equipe Dourados, 30 de novembro 2011.

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