Que sociedade civil é esta, que sugere medidas envolvendo “capital humano”? Que entidades são essas, que defendem a “transição para uma economia verde”? Que proposta é essa, apresentada na notícia com tom de hegemônica? Enfim, que Rio+20 será essa, e a serviço de quem? TP.
Vinte anos depois da ECO 92, o Rio de Janeiro sediará nova conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável. Brasil proporá fundo mundial para garantir renda mínima, alimentação, moradia e acesso à água aos mais pobres
Márcia Maria Cruz
Belo Horizonte — Purificação do ar, polinização das espécies vegetais, irrigação por meio da chuva. Você já parou para pensar no valor dos serviços prestados pela natureza? A maior parte das pessoas nem sequer imagina que tudo que aparentemente é gratuito poderá ter um custo a pagar. O tema será um dos assuntos tratados na Rio+20, conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável que ocorrerá no ano que vem no Rio de Janeiro, entre 28 de maio e 6 de junho.
O governo brasileiro deverá apresentar documento com as contribuições brasileiras para o debate. As propostas, que foram construídas por meio de consulta pública, não apresentam metas a serem cumpridas, mas contemplam pontos considerados relevantes para atingir o desenvolvimento sustentável. Uma das propostas é a criação da Bolsa Verde Global, que, a exemplo de alguns programas implementados pelo governo brasileiro, garantiria renda mínima, segurança alimentar, moradia digna e acesso à água à população pobre em todo o mundo.
Tendo como eixo central o desenvolvimento sustentável, a Rio+20 não tratará apenas de temas relacionados ao meio ambiente. O desenvolvimento sustentável envolve ações no setor econômico que se tornam ainda mais importantes frente à crise financeira dos países desenvolvidos, que coloca em estado de alerta também os países em desenvolvimento.
Ao tratar de sustentabilidade, é indispensável implementar ações no setor social, que engloba desde a busca por estabilidade dos empregos, o combate à fome e à pobreza, até o acesso aos bens mais básicos para a população mundial no campo da educação, da saúde e do transporte público.
Também preponderante, a questão ambiental recebe atenção especial dado o processo de aquecimento global e consequente mudança climática. “Iremos discutir propostas para a redução nas emissões de gás de efeito estufa, mitigação de impactos, adaptação às mudanças climáticas e formas de compensação de carbono”, informa o ambientalista Gustavo Nappo, da Rede da Juventude pelo Meio Ambiente e Sustentabilidade. Ele se refere às ações implantadas não só por governos, mas também por grupos organizados da sociedade civil com o propósito de reduzir a quantidade de gases de efeito estufa na atmosfera, seja por meio de plantio de novas árvores ou pelo controle e redução da emissão dos poluentes.
Modelo global
A proposta de criação da Bolsa Verde Global foi destacada pelo Instituto Ethos, que apresentou documento ao governo brasileiro e à Organização das Nações Unidas (ONU). A entidade considera que há esgotamento do modelo de globalização econômica, o que torna necessário apresentar outro rumo para a economia e a política, baseado nos princípios de desenvolvimento sustentável.
No documento, o Instituto Ethos faz uma retrospectiva do cenário econômico em relação às três conferências que antecederam a Rio+20: Estocolmo, em 1972; Rio, em 1992, e Johannesburgo, em 2002. Em Estocolmo, o mundo estava em meio a duas crises do petróleo, que resultaram na desregulação da economia. Já na ECO 92, a economia global entrava no auge do neoliberalismo, cujas premissas não contribuem para o desenvolvimento sustentável. A conferência em Johannesburgo, em 2002, foi marcada pela financeirização da economia.
De acordo com a carta de intenções do instituto, embora a Rio+ 20 esteja sendo realizada em momento de crise financeira mundial, iniciada em 2008, é o momento para fazer a transição para uma economia verde. Nesse sentido, a entidade defende o estabelecimento de agenda de transição para esse novo modelo. Também propõe a precificação do carbono e criação de mercado interno de carbono, bem como o pagamento por serviços de ecossistemas.
A diretora da Associação Brasileira das Organizações em Defesa dos Direitos e Bens Comuns (Abong), Aldalice Moura da Cruz Otterloo, a proposta de uma bolsa verde global não é clara nem mesmo para o governo brasileiro que a apresentou. Segundo ela, é importante ampliar o debate principalmente sobre o mercado de carbono. “Virou moda denominar tudo de verde. Mas é necessário dar vários passos para uma economia verde. Prova disso é o modelo de desenvolvimento que está sendo proposto para a Amazônia, que tem como foco a mercantilização da natureza”, ponderou Aldelice, que também integra o Fórum da Amazônia Oriental.
Procurado pela reportagem, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério de Desenvolvimento Social não detalharam a proposta do governo. Cada pasta atribuiu à outra a responsabilidade de falar sobre o tema. Porta-voz oficial do governo em relação às discussões da Rio+20, o Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) também não esmiuçou a proposta brasileira.
Campanha
A ONU lançou ontem, no Rio de Janeiro, a campanha O Futuro que Queremos, que busca mobilizar a sociedade civil para a conferência. “Na Rio + 20, renovaremos o compromisso político para que o desenvolvimento seja sustentável (em um mundo) com 7 bilhões de habitantes”, disse Kiyo Akasaka, secretário-geral adjunto da ONU para Comunicação e Informação.
Fique por dentro
AS PROPOSTAS DO GOVERNO BRASILEIRO
O documento do governo brasileiro assenta suas propostas nas premissas de desenvolvimento sustentável, erradicação da pobreza e inclusão social. Diz também que a governança mundial precisa resolver o problema da miséria, respeitando os limites do planeta.
» Criação de uma “bolsa verde global” pela qual os países garantiriam àquelas pessoas abaixo da linha da pobreza uma renda mínima, segurança alimentar, moradia digna e acesso à água;
» Uso das compras públicas e do crédito bancário para promover práticas amigáveis ao meio ambiente, entre as empresas;
» Abertura maior, por parte dos órgãos mundiais multilaterais, ao setor privado, que engloba não só empresas, mas também movimentos sociais e entidades sem fins lucrativos.
A PROPOSTA DO INSTITUTO ETHOS
O grupo de empresas e entidades entende que a principal tarefa da Rio+20 é contruir:
» A articulação entre a Rio+20 e a busca de soluções para a crise;
» Uma agenda de transição para uma economia verde, includente e responsável;
» Uma atuação dos governos no sentido de formular planos nacionais de desenvolvimento sustentável;
» Um novo marco institucional no âmbito da Organização das Nações Unidas;
» Internalização de algumas diretrizes nas economias nacionais, bem como na política nacional e internacional.
No âmbito das economias nacionais, são sugeridas medidas como:
» Novo padrão nacional de contabilidade e mensuração do desenvolvimento, redefinindo o conceito de prosperidade nacional para além do PIB, medindo capitais naturais, sociais, humanos e financeiros;
» Precificação do carbono e criação de mercado interno de carbono, com adoção de um padrão local para calcular o valor do poluente;
» Pagamento por serviços de ecossistemas;
» Estabelecimento de padrões mínimos de operação, em termos de trabalho decente, práticas socioambientais sustentáveis e ciclo de produção fechado.
Tais padrões devem ser válidos para empresas públicas nacionais, concessionárias e múltis, bem como para companhias nacionais que operem internacionalmente.
Enviada por Ricardo Verdum.