Por Raquel Rolnik*
Sexta-feira passada, a Folha divulgou na coluna da Mônica Bergamo que o governador Geraldo Alckmin e a vice-prefeita Alda Marco Antonio estão planejando enviar viciados em crack que vivem na região da Luz para suas cidades de origem.
Diante de uma ideia “incrível” como esta, é preciso lembrar que a chamada “cracolândia” é produto da política municipal e estadual para o bairro da Luz. Onde existia um bairro, o poder público construiu uma terra de ninguém, demolindo uma parte e degradando a área. A Luz foi simplesmente abandonada pela prefeitura, que parou de recolher o lixo, de cuidar das ruas, da iluminação, fechou o shopping Fashion Luz, que gerava um grande movimento comercial, e com isso essa área, que ficou semi-abandonada, passou a atrair pessoas semi-abandonadas.
O problema das pessoas que vivem nas ruas da região da Luz não é urbanístico; precisa ser enfrentado no âmbito da assistência social e da saúde mental, onde há profissionais capacitados para cuidar dessas pessoas que, pelas mais diversas razões, acabaram numa situação limite entre a vida e a morte. Mas o delicado trabalho que começou a ser feito por profissionais de saúde para aproximar essas pessoas sempre foi desfeito pela ação truculenta da polícia, que bate e ameaça os moradores de rua.
Agora vem o governo do Estado e a prefeitura com a ideia de exportar essa população, enfiando os moradores num ônibus e mandando-os embora, em vez de encontrar lugar para essas pessoas no âmbito das políticas públicas, independente de suas cidades de origem e de como chegaram ao vício.
Que a situação é terrível e precisa de atenção, cuidado e intervenção, está claro. Mas a proposta do governador e da vice-prefeita é ilegal, imoral e desumana, tratando as pessoas como lixo. Não podemos permitir que isso aconteça em São Paulo.
*Raquel Rolnik é urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada.