CONDEPI – Comitê Nacional de Defesa dos Povos Indígenas de Mato Grosso do Sul é criado e será lançado hoje, 25/11

Art. 1º – Fica criado o Comitê Nacional  de Defesa dos Povos Indígenas de Mato Grosso do Sul com sede na cidade de Campo Grande-MS, com objetivo de defender a população indígena contra todas as formas de violência, seja por ação ou omissão, seja por parte de particulares ou do poder público.

Art. 2º – Constituem os compromissos das entidades e órgãos que integram o Comitê Nacional  de Defesa dos Povos Indígenas de Mato Grosso do Sul:

I – a defesa dos direitos à vida, da integridade física e mental, da liberdade e da segurança pessoal dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul.

II – a defesa dos povos e das pessoas indígenas na sua integridade como povos distintos, na preservação e divulgação de seus valores culturais e de sua identidade étnica dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul.

III – a defesa da posse e das demarcações de terras indígenas e do amplo acesso aos recursos nelas existentes.

Art. 3° – A forma de atuação, de coordenação e os demais regramentos internos serão deliberados na primeira reunião presencial, no dia 24-11-2011, na sede da OAB-MS, e submetidos para consulta de todas as entidades ausentes e sediadas fora de Campo Grande, via internet, com prazo não inferior a três dias. A resposta à consulta que vise alteração da proposta inicial será submetida na segunda reunião e votada, já considerado o voto a favor do proponente e daqueles que se manifestarem via e-mail até uma hora antes da reunião.

JUSTIFICATIVA

As entidades que abaixo subscrevem deliberaram por criar o Comitê Nacional de Defesa da População Indígena de Mato Grosso do Sul pelos motivos que passam a elencar abaixo:

De acordo com o Censo 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Mato Grosso do Sul tem o 2º maior número absoluto de habitantes indígenas do país, são 79.29 habitantes indígenas, o que representa 9% da população indígena do país.

No cálculo de proporção, o Estado tem a 6ª maior proporção de brancos, com 47,3% e a 3ª maior de índios, com 13% contra 11,2% de indígenas de Roraima e 4,84% de indígenas do Amapá.

Entretanto, apesar de terceiro em população proporcional, Mato Grosso do Sul, de acordo com o ultimo[1] relatórios do CIMI, concentrou 55% dos casos de assassinatos de indígenas no País nos últimos oito anos, sendo disparado o primeiro do Brasil.

Em 2008 foram 70%; em 2010, 57% e nos primeiros nove meses deste ano, 27 indígenas foram assassinados dos 38 assassinatos ocorridos no País, o que representa 71% da totalidade.

Conforme o relatório, neste período, foram registradas aproximadamente 190 tentativas de assassinatos, 176 suicídios e mais de 70 conflitos por terras.

O Estado concentra 31 acampamentos indígenas com “mais de 1200 famílias vivendo em condições subumanas à beira de rodovias ou sitiados em fazendas”

Dessas etnias, o povo Kaiowá Guarani é o mais numeroso e o que mais tem sido vítima da sonegação dos direitos humanos fundamentais.

O número elevado de suicídios, alcoolismo, jovens indígenas sendo usados como “mulas” para o tráfico de drogas, exploração da mão-de-obra indígena de forma degradante nas usinas de álcool.

De acordo com dados do INFOPEN de dezembro de 2010, o Estado de Mato Grosso do Sul detém a segunda maior população carcerária indígena do Brasil , com mais de 100 índios encarcerados nas prisões do estado sem assistência jurídica adequada.

Pelas contas do Conselho Indigenista, nos últimos oito anos, 250 indígenas foram assassinados em Mato Grosso do Sul e muitos crimes ainda se encontram sem solução, com investigações inconclusas e mandantes não responsabilizados.

O caso mais recente de violência contra os povos indígenas, que consta no relatório do CIMI, é o do Guarani Teodoro Ricardi, de 25 anos, que foi violentamente espancado até a morte, no dia 27 de setembro, na terra indígena Y`poi, localizada no município de Paranhos, Sul do Estado. A fazenda São Luiz (território Y’poi), onde estão acampadas cerca de 70 famílias Guarani e Kaiowá, é mais uma área de conflito envolvendo proprietários e indígenas. Conforme o relato do CIMI, o ataque ao índio aconteceu por volta das 19 horas do dia 27, quando ele voltava para o acampamento vindo da cidade, a 40 quilômetros da fazenda. A comunidade e os familiares de Teodoro precisaram acionar o Ministério Público Federal e à Justiça Federal para garantir o sepultamento na propriedade rural.

A morte da estudante Lurdesvone Pires é outro caso. A terena foi uma das vítimas do atentado contra o ônibus que transportava índios da Terra Indígena Cachoeirinha, ocorrido no dia 3 de junho. No atentado, foram lançadas pedras e um coquetel molotov no ônibus, que transportava 30 alunos indígenas que cursam o ensino médio em Miranda, cidade localizada a 203 quilômetros de Campo Grande.

Além de Ludesvone e Teodoro, outras mortes revelam a violência que permeia a disputa entre fazendeiros e índios. Em novembro de 2009, dois professores indígenas da etnia Kaiowá Guarani – Genivaldo Vera e Rolindo Vera – desapareceram após confronto com seguranças de uma propriedade em Paranhos. Conforme informações da Polícia Federal, os índios teriam entrado em luta contra homens armados, possivelmente seguranças da fazenda. Passados mais de um ano e meio, apenas um corpo foi localizado e não há informações mais concretas sobre a investigação e a identificação dos mandantes. E ainda:

  • Em 2007, em Coronel Sapucaia, a índia Julite Lopes, 70 anos, foi morta a tiros por seguranças particulares durante desocupação da área indígena Kurussú Ambá, localizada a cinco quilômetros do município.
  • Em 07 de julho de 2007, um dos líderes do mesmo acampamento, Ortiz Lopes, também foi assassinado e, em 2010, três anos depois, Osvaldo Lopes. Não houve, em Mato Grosso do Sul, o julgamento dos responsáveis pela morte dos indígenas.
  • Em dezembro de 2005 o líder indígena Dorvalino Rocha, 39 anos, foi morto a tiros em Antônio João, fronteira com o Paraguai, pela milícia armada. Um dos seguranças contratados, João Carlos Gimenes, foi preso pela Polícia Federal e confessou o crime. A empresa de segurança havia sido contratada por fazendeiros do município.
  • O cacique Marcos Verón, em 13 de janeiro 2003, foi mais uma das vitimas. O líder Guarani Kaiowá foi morto por homens armados que espancaram e atiraram nos índios do acampamento. À época com 72 anos, Verón foi encaminhado com traumatismo craniano para o hospital, não resistindo aos ferimentos. No dia 25 de fevereiro deste ano, o júri popular condenou a pena de 12 anos e três meses Estevão Romero, Carlos Roberto dos Santos e Jorge Cristaldo Insabralde por tortura e sequestro. Os três, no entanto, foram inocentados pelo assassinado do líder guarani.
  • Dados do Mapa da Violência 2011 do Ministério da Justiça revela que a taxa de suicídios em Mato Grosso do Sul teve um crescimento vertiginoso, puxada pelos casos envolvendo índios. Dos cem casos registrados no Brasil no ano de 2008, cinqüenta e quatro foram no Estado. No ranking nacional de maior taxa de suicídios, estão em dois municípios pertencentes à área de conflito indígena, Amambai e Paranhos[1]. A taxa de suicídios na população em geral de Mato Grosso do Sul em dez anos cresceu 39,3%.  O índice de suicídios foi de 5,6 casos por cem mil habitantes em 1998 passando para 7,8 em 2008. Quando a taxa é estratificada para a população jovem, o aumento chega a 95,3%.
  • A violência também é crescente entre os próprios índios, revelando uma realidade difícil no cotidiano das aldeias. O uso de bebida alcoólica, drogas e a cooptação da mão de obra indígena para o trabalho nas usinas são outros fatores que tem gerado consequências como desagregação social e cultural, além de mudança nos hábitos dos indígenas – fenômenos que não fazem parte do modo de ser e de viver dos povos indígenas – que lidam com essa situação com muita dificuldade.
  • Dados do Ministério do Trabalho e Emprego de 2007 apontam que boa parte dos 1.634 trabalhadores libertados das condições degradantes de trabalho em Mato Grosso do Sul naquele ano pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego são indígenas. Neste mesmo ano, só em Brasilândia, cidade localizada a 358 quilômetros de Campo Grande, ocorreu o segundo maior resgate de trabalhadores do país. Na fazenda DEBRASA, unidade da Companhia de Açúcar e Álcool, 1.011 indígenas estavam alojados em condições precárias. No ano anterior, em Iguatemi, município distante 454 quilômetros da Capital, 150 índios da etnia terena também trabalhavam sob condições análogas à escravidão.

É importante salientar que as terras tradicionalmente ocupadas por indígenas em Mato Grosso do Sul foram expropriadas e alienadas pelo estado na década de 40 do século passado como forma de colonização do território nessa região. Expulsar os indígenas e fixar os fazendeiros nessas áreas para legitimar a política oficial de povoamento resultou em um processo de confinamento e redução dos territórios indígenas, sendo extremamente nociva e desumana para as etnias submetidas a essa medida.

O que se deu no passado, no então estado de Mato Grosso, é que as terras tradicionalmente ocupadas pelas comunidades indígenas foram consideradas terras devolutas, alienadas e tituladas indevidamente. Esse erro precisa ser reparado hoje, uma vez que a população indígena vem crescendo e encontra-se confinada em pequenas áreas, o que a motiva a reivindicar seus antigos territórios.  O Estado brasileiro continua omisso em buscar uma alternativa jurídica que evite injustiças a qualquer um dos lados que reclamam por direitos, o que estimula a violência e o conflito direto entre fazendeiros e indígenas, em continuo acirramento.

Prova desse acirramento contínuo foi o que ocorreu no ultimo episódio de barbárie, visto que, um grupo de cerca de 40 pistoleiros, armados e encapuzados, invadiu no dia 18/11 (apenas alguns dias após a divulgação do ultimo relatório do CIMI) de manhã um acampamento de índios guaranis no município de Amambaí. De acordo com informações dos índios, que presenciaram os fatos, o ataque era contra o cacique Nísio Gomes. Ele foi executado a tiros e, segundo depoimentos dos indígenas, teve o corpo arrastado pelos pistoleiros e jogado em uma caçamba de camioneta e levado para local ignorado, o indígena é considerado morto pelos indígenas e desaparecido para as autoridades.

A realidade em Mato Grosso do Sul é uma constante ofensa direta à Constituição Federal principalmente aos artigos 1º, I, III, 3º, I, II, III e IV, 5°, III, VI, XXXV, XXXVI, XLIV, LIV e 231, negativa de vigência aos tratados internacionais de que o Brasil é signatário, e total desrespeito às regras mínimas de direitos indígenas reconhecidos pela ONU na Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

Dessa forma, e pelos motivos acima, a criação do presente Comitê pretende praticar todas as ações legais e pacificas necessárias para que os direitos humanos dos índios sul-mato-grossenses sejam respeitados.

ASSINAM:

1. CIMI (Conselho Indigenista Missionário)
2. CUT – MS
3. Centro de Defesa dos Direitos Humanos Maçal de Souza
4. MST-MS
5. 12ª Defensoria Pública Cível de Segunda Instância
6. RENAP (Rede Nacional de Advogados(as) Populares)
7. COPAI/OAB
8. CNBB – CRJP/01
9. Comissão de Direitos Humanos/OAB
10. Conselho Estadual Indígena de Mato Grosso do Sul
11. Conselho Municipal Indígena de Campo Grande
12. Comissão de Cultura da Câmara de Vereados de Campo Grande
13. Coletivo de Mulheres Negras
14. Fórum Nacional de Mulheres Negras
15. Associação Rede Criança
16. GT Combate ao Racismo Ambiental da RBJA
17. CEDEFES – Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva – Belo Horizonte – MG
18. Centro de Agricultura Alternativa (CAA) Norte de Minas – MG
19. Fórum Carajás –São Luís – MA
20. Rede Nacional de Advogad@s Populares (Renap Maranhão) – MA
21. Instituto Terramar – Fortaleza – CE
22. Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) – Belém – PA
23. Dignitatis – João Pessoa – PB
24. INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos – Brasília – DF
25. Rede Nacional de Advogad@s Populares (Renap Ceará) – CE
26. CEPEDES – Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul/BA
27. Terra de Direitos
28. Comissão Pastoral da Terra – CPT Nacional
29. Justiça Global
30. Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR) – BA
31. CEDECA Ceará – Centro de Defesa da Criança e do Adolescente – CE
32. Rede Nacional de Advogad@s Populares (Renap Rio Grande do Norte) – RN
33. Grupo de Estudos em Direito Crítico, Marxismo e América Latina – GEDIC (UFERSA/UERN) – RN
34. Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto
35. ANCED – Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente
36. ANADEF – Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais
37. Rede Alerta contra o Deserto Verde
38. ABRANDH –  Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos
39. Advogados sem Fronteira


[1] Divulgado em 31-10-2011 em Campo Grande.

[2] As cidades com maior incidência de suicídio de índios estão em áreas de conflito e disputa pela posse das terras como Amambai – taxa 49,5 suicídios para cada cem mil habitantes, dez vezes maior que o índice nacional que é 4,9 – e Paranhos – com taxa de 35 casos para cada cem mil.

 

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