Renato Santana, de Brasília
O programa de Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas no Brasil, temático e dividido em nove objetivos, é uma das novidades do Plano Plurianual (PPA) 2012 do Governo Federal. A outra, é que este mesmo programa serve para maquiar mais uma redução orçamentária para o setor.
A previsão orçamentária é de R$ 3,676 bilhões. Desse montante, a proposta é que sejam colocados à disposição no ano que vem R$ 793,107 milhões, sendo R$ 690,650 milhões apenas para ações na área da Política de Saúde Indígena.
Em termos comparativos, caso o Congresso Nacional aprove tal orçamento, ele será o maior dos últimos quatro anos. No entanto, só aparentemente.
Conforme nota técnica do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), não há aumento real de investimentos, mas a incorporação da ação de saneamento e, portanto, uma redução efetiva de recursos se comparado com anos anteriores.
“Se somarmos o que está previsto ser gasto em 2012 no programa, mais o orçado na ação de saneamento básico em aldeias indígenas, veremos que o orçamento proposto pelo Poder Executivo para 2012 é cerca de R$ 27,4 milhões menor que o de 2011”, explica a nota.
O orçamento para a saúde indígena já tinha caído de R$ 393 milhões para R$ 346 milhões, do ano passado para 2011 – sem o aporte para saneamento básico.
Sem motivo para redução
No documento, o Inesc se pronuncia estranhando tal redução, posto que os problemas envolvendo os povos indígenas no Brasil – sobretudo na área da saúde – estão longe de serem resolvidos, conforme se atesta em relatórios, denúncias e matérias veiculadas pela imprensa nacional e internacional.
“A redução orçamentária confirma a opção política do governo, na contramão dos direitos e interesses dos povos indígenas. O programa criado esconde isso, essa redução”, diz o secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário, Cleber Buzatto.
Para o missionário, tal opção está presente nos grandes empreendimentos sobre terras indígenas, na paralisação dos procedimentos demarcatórios, na falta de combate à violência contra os povos e se traduz agora no orçamento indigenista.
Entre as crianças indígenas, o Relatório 2010 de Violências Contra os Povos indígenas do Cimi registrou um aumento de 513% de mortes apenas por desassistência – 92 crianças morreram de doenças facilmente tratáveis (19 apenas no Vale do Javari, Amazonas) ante 15 em 2009.
Casos não faltam para justificar que ao contrário de diminuir recursos, o Governo Federal deveria aumentá-los.
Vale do Javari: caso emblemático
De acordo com o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população indígena é composta por 817.963 indivíduos. Deles, 502.783 vivem em aldeias na zona rural. Caso da população de quatro mil indígenas do Vale do Javari (AM). Entre os povos que habitam a região, a situação de saúde é de alta gravidade: 85% dos índios são portadores de algum tipo de hepatite.
“Eu vivenciei a morte de um tio meu e ele dizia para eu cuidar do filho dele, da mulher dele. Dizia que não ia existir nunca mais, mas pedia para ser lembrado porque tinha chegado o fim dele”, relata Kurá Kanamari, indígena daquela terra.
Kurá conta que o tio dizia para ele ser forte e com essa força lembrar o que era bom. “Para mim ele não morreu, mas ele não volta mais. Tem pouco jovem agora lá no Vale do Javari. A maioria das lideranças antigas se foi e muitos não podem trabalhar”, diz o indígena.
A situação de ausência do Estado na região é flagrante. De acordo com a vice-procuradora da República, Deborah Duprat, vários Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) foram estabelecidos, muitos não cumpridos e alguns ainda em execução, mas o imobilismo do Poder Executivo faz com que a situação não melhore.
“Teve uma época em que os índios me disseram que iam denunciar a situação em instâncias internacionais e eu acho ótimo. Talvez seja o caso mais paradigmático de uma omissão monstruosa do Estado. Alguma coisa precisa se fazer porque a situação da saúde lá é alarmante”, afirma a vice-procuradora.
Em meio a tal situação, Kurá tira suas conclusões, alimenta seus medos, mas não perde a esperança e a vontade de continuar lutando contra o que chama de “extermínio silencioso”. Para isso, foi estruturada a Campanha: Povos Indígenas do Vale do Javari: Unidos Pela Saúde; Unidos Pela Vida.
“O governo acha bom nós acabarmos. Não fala nada, não faz nada. Se meu povo tivesse todo sadio, eu seria a pessoa mais feliz do mundo. Não temos tratamento, remédio. Meu povo morre aos montes e tememos nossa extinção. Vamos brigar contra isso até o fim”, revela Kurá.
Enviada por Ricardo Verdum