Thiago Lucas Alves da Silva[i] (escrito em Setembro de 2010)
“Eu não sou contra o progresso, eu sou a favor do progresso.
Mas sou mais a favor da vida!”
(Moradora do conjunto João XXIII e vizinha da TKCSA)
A Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA) – empresa do grupo alemão Tkyssenkrupp (73,13% das ações), em parceria com a VALE (26,87%), com financiamento do BNDES e isenção de impostos concedida pelo poder público, custou 5,2 bilhões de euros e tem sido propalada (pelos governos federal, estadual e municipal), juntamente com o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – COMPERJ -, como as duas grandes obras que mudarão significativamente o quadro industrial da região metropolitana do Rio de Janeiro.
Situada na região mais pobre e violenta do município do RJ – a Zona Oeste – a TKCSA conseguiu seduzir grande parte da população local com a falácia da geração de milhares de empregos (hoje, existem 1600 empregos diretos dos 3500 prometidos), do progresso e do desenvolvimento, porém essas promessas estão indo por água abaixo, pois antes mesmos de ter começado suas atividades, essa empresa deixou um rastro de problemas sociais e ambientais.
Além de não gerar a quantidade de empregos prometidos para aqueles que vivem no seu em torno (a empresa chegou a trazer mão-de-obra da China, e muitos dos trabalhadores que estão no canteiro de obra são de empresas terceirizadas, trabalhando em condições precárias), a TKCSA tem conseguido gerar desemprego, pois a obra tem inviabilizado o sustento de várias famílias de pescadores artesanais e maricultores que vivem na Baía de Sepetiba.
O cenário tende a piorar quando de fato a siderúrgica estiver funcionando plenamente[ii], assim como o complexo portuário, que poderá comprometer o já castigado ecossistema da região e o que há de resistência sociocultural no local.
Segundo relato de moradores que vivem próximos ao canteiro de obra da empresa, têm tornado-se cada vez mais frequentes problemas como enchentes (especialmente no canal de São Francisco), falta de água e energia elétrica para os moradores de Santa Cruz, Sepetiba e Itaguaí.
Cabe destacar que tal projeto siderúrgico terá a capacidade de produzir 5 milhões de toneladas de placas de aço e sua produção será voltada para o mercado externo (o setor automobilístico da Europa e dos EUA), tal como boa parte do lucro gerado, que será enviado para a Alemanha, país sede da TKCSA.
A localização espacial do empreendimento levou em consideração o fato da área permitir a ampliação do terminal portuário[iii], a boa logística de transporte, como o acesso a rodovias e ferrovias, e a proximidade com a principal matéria-prima para a siderúrgica (o minério de ferro), que será trazido de Minas Gerais por ferrovia (a MRS Logística possui um eixo ferroviário próximo que já atende a CSN). A TKCSA terá como vizinhas empresas de grande porte como a GERDAU, a CSN, a Votorantim, a LLX, FURNAS (Usina Termelétrica) e outras.
O canteiro de obras da TKCSA tem 9 km2 (equivale ao tamanho dos bairros do Leblon, Ipanema, Copacabana e Leme, na Zona Sul do RJ, juntos), tendo sido embargado e interditado mais de uma vez por diferentes órgãos, mas a obra nunca parou efetivamente. Os pescadores, moradores locais, ambientalistas, sindicatos e outros movimentos sociais têm denunciado sistematicamente que o complexo siderúrgico está situado numa região costeira e de manguezal.
A área onde está a CSA deveria ter sido licenciada pelo IBAMA por ser costeira e de preservação permanente (APP), sujeita a proteção segundo o Código Florestal Brasileiro. A empresa só possui a licença emitida pela Feema[iv] (órgão ambiental estadual) contrariando aquilo que está disposto na lei. Entretanto, os representantes da empresa continuaram tranquilamente dando andamento à obra que foi inaugurada no dia 18 de junho de 2010, com a presença do governador do estado do Rio, Sérgio Cabral, do prefeito da cidade, Eduardo Paes e do presidente Lula.
Para além dos problemas gerados pela construção da siderúrgica, o seu funcionamento irá causar um sério risco para a população da região. A própria Secretaria Estadual do Ambiente revelou que haverá um crescimento de 76% nas emissões de gás carbônico na cidade do Rio de Janeiro, pois a usina irá produzir 9,7 milhões de toneladas de CO2, o que corresponderá a 12% do que é emitido por todo o estado atualmente (O GLOBO – 06/11/2009), o que acarretará uma maior incidência de problemas respiratórios na população local.
Mas não é somente a TKCSA que tem planos para a nossa região (ver figura 2). O maior capitalista brasileiro da atualidade, o Sr. Eike Batista, empresário mais rico do Brasil e um dos mais ricos do mundo, tem investido no escoamento ferroviário do minério de ferro para o futuro terminal portuário através da sua empresa LLX. Para isso, ele tem feito escavações (“furado”, literalmente) num morro na Ilha da Madeira para instalar uma esteira por onde passará o minério para ser exportado pelo porto.
Só que neste local moram várias famílias que vivem ali há anos e que já estão sofrendo os primeiros impactos do empreendimento do Sr. Eike Batista. Ele já mandou fechar ruas e explodir rochas (segundo moradores locais, muitas estão caindo nas casas e provocando acidentes), tudo por causa do dinheiro, do lucro que será gerado com os investimentos industriais.
Entretanto, os moradores da Zona Oeste/RJ e os movimentos sociais não se intimidaram e já começam a resistir, realizando uma marchar pela Avenida João XXIII até os portões da TKCSA. Pequenas matérias têm sido divulgadas em periódicos de caráter popular ou de classe, como o jornal do SEPE regional e palestras sobre os impactos socioambientais gerados pela TKCSA têm sido realizadas em pré-vestibulares comunitários, igrejas, sindicatos regionais, além da divulgação de vídeos que podem ser acessados no youtube, ou seja, uma grande rede social tem sido construída para evitar e denunciar as mazelas causadas pela empresa.
Num período onde a questão socioambiental esta cada vez mais em voga devemos nos questionar até que ponto grandes projetos industriais como o da TKCSA, marcado por desrespeitos às leis ambientais e trabalhistas, produtor de grandes impactos socioambientais, pode ser relevante para moradores de áreas tão pobres como aqueles que vivem na Zona Oeste do Rio de Janeiro, uma região marcada pela carência de serviços públicos básicos como saúde, educação e lazer, além da violência cotidiana nos conflitos entre traficantes, milicianos e a polícia militar.
Com isso, algumas questões podem ser levantadas: até quando os interesses do capital nacional e internacional irão se sobrepor às demandas sociais? Até quando o desenvolvimento será sinônimo de grandes empresas nacionais/internacionais? Será o capital responsável por promover as melhorias sociais de que a população da Zona Oeste tanto precisa? Porque a população local não foi consultada efetivamente sobre a criação da TKCSA? Quais os reais “benefícios” que serão gerados pela TKCSA para a Zona Oeste? Irá a TKCSA, segundo a sua própria propaganda institucional promover o desenvolvimento regional sustentável? As novas tecnologias que serão utilizadas na TKCSA irão significar menor dano ambiental para a região? Será que o eixo industrial Santa Cruz-Itaguaí se tornará uma nova Cubatão/SP? Por que parte da área (que pertencia a CNEM) não foi utilizada para assentar os trabalhadores rurais sem terra ligados ao MST que viviam há cinco anos na mesma e produziam alimentos para serem vendidos no mercado local a preços mais baratos? Muitas são as perguntas, mas poucas são as respostas.
—-
[*] Esse texto é fruto dos relatos de moradores do bairro e/ou funcionários de empresas terceirizadas que atuam no canteiro de obras da TKCSA. Agradeço, especialmente, ao aluno Paulo Roberto Azevedo Soares pelo fornecimento de materiais informativos sobre as transformações espaciais da região e ao professor Renato Simões pela leitura da primeira versão do texto.
[i] Morador da Zona Oeste do Rio de Janeiro, Professor de Geografia da Rede Municipal de Educação do RJ (lecionando em Santa Cruz) e Mestre em Ciências Sociais (Desenvolvimento, Sociedade e Agricultura) pelo CPDA/UFRRJ.
[ii] Segundo denúncia de moradores locais e constatada pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) – a TKCSA em consequência de uma falha na linha de produção de ferro-gusa ocorrido no dia 06/07/2010, foi responsável pela emissão de óxido de ferro particulado no ar, que pode acarretar problemas respiratórios na população. Segundo a secretária do Ambiente, Marilene Ramos: “É inaceitável que a CSA, uma siderúrgica moderna, onde tudo foi pensado para que funcionasse perfeitamente, cometa um erro dessa magnitude” (www.g1.com acessado em 29/08/2010). Para agravar ainda mais a situação, a TKCSA não comunicou antecipadamente ao Instituto Estadual do Ambiente (Inea) que estava enfrentando problemas com o alto-forno, o que poderia ter minimizado o problema. Ainda na inspeção dos técnicos do Inea foi constatado dois defeitos, sendo o mais grave de concepção no alto-forno de fabricação alemã, que não permite que a produção alcance a capacidade máxima, de 7,5 mil toneladas. Além disso, a coifa que faz a sucção do material particulado, resultante do resfriamento do ferro líquido incandescente, também apresentou um erro de projeto. Devido a esses problemas a siderúrgica já foi multada em R$ 1,8 milhão.
[iii] O atual porto de Itaguaí é o quarto maior do Brasil em movimentação ficando atrás dos portos do Rio (no centro), de Santos e de Vitória. Até o momento, segundo dados da companhia Docas responsável pela administração do complexo portuário são escoados e recebidos no porto cerca de 400 contêineres diariamente. A perspectiva é a de que os números tornem-se ainda mais expressivos nos próximos anos por causa dos investimentos industriais que estão sendo realizados na região.
[iv] Atualmente a Feema (Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente), a Serla (Superintendência Estadual de Rios e Lagoas) e o IEF (Instituto Estadual de Florestas) fazem parte de em uma única estrutura no governo estadual, a do Instituto Estadual do Ambiente (Inea).
Fotos:
Figura 1. http://processo-industrial.blogspot.com acessado em 30/08/2010
Figura 2. Jornal Extra – Caderno da Zona Oeste – 15/05/2010
Figura 3. www.nucleosocialista.org/Sepetiba/Ilha_Madeira_chuva_pedras.html. Acessado em 30/08/2010
Fontes para consultas:
- Jornal Brasil de Fato – 17/03/2010
- Jornal O Globo – 06/11/2009 e 13/06/2010
- Jornal Extra – Caderno da Zona Oeste – 15/05/2010
- Jornal da Regional IX – SEPE – 31/03/2010
- CSA – Promovendo o desenvolvimento regional sustentável – boletim informativo
- www.pacs.org.br
- www.nucleosocialista.org
- QUINTELA, Sandra. Veneno no seu pulmão – Rio de Janeiro mais perto de Cubatão. Extraído do site: www.pacs.org.br em 11/07/2010 às 14:51.
- http://confapesca.org.br
- www.thyssenkrupp-csa.com.br/
- http://www.ecodebate.com.br/2009/12/16/companhia-siderurgica-do-atlantico-audiencia-publica-recolhe-queixas-sobre-obras-da-maior-siderurgica-da-america-latina/
- VIEGAS, Rodrigo Nuñez. Conflitos ambientais no Rio de Janeiro: Um estudo dos casos do projeto da usina termelétrica (UTE) de Sepetiba e do projeto da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA). Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia UFRJ/ IFCS, 2007
- LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo & Zborowski, Marian Barbosa. Conflitos Ambientais na Baía de Sepetiba: o caso dos pescadores artesanais frente ao processo de implantação do complexo siderúrgico da Companhia Siderúrgica do Atlântico – ThyssenKrupp CSA. IV Encontro Nacional da Anppas, Brasília – DF, Junho de 2008.
Vídeos:
- http://www.youtube.com/watch?v=li-ZOHHNqyE (vídeo sobre a Baía de Sepetiba)
- http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1327711-7823-MORADORES+DE+SANTA+CRUZ
- http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2010/08/csa-e-vistoriada-e-multa-pode-chegar-r-2-milhoes-diz-secretaria.html (vídeo sobre a TKCSA)
- http://www.youtube.com/watch?v=Fsflg6pPtOA&feature=player_embedded (vídeo sobre o LLX – Projeto do Porto Sudeste )
- http://www.youtube.com/watch?v=fXk9b26OZcc&feature=related (vídeo sobre o Arco Metropolitano)
- http://www.youtube.com/watch?v=4VZk8GS-2NE&feature=related (vídeo sobre a LLX – Porto do Açu)