Leonardo Sakamoto*
O ministro do Esporte, Aldo Rebelo, pediu para a Fifa que ingressos dos jogos da Copa do Mundo no Brasil sejam vendidos com desconto para populações indígenas e pessoas de baixa renda.
O tempo (ou o cargo ocupado) faz maravilhas com as pessoas.
Relembrar é viver: em 2009, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por 10 a 1, manter a demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol, no Norte de Roraima. Uma boa decisão judicial que foi um alívio frente a uma enxurrada de más notícias para quilombolas, ribeirinhos, caiçaras, camponeses, sem-terra e indígenas que estampam o notíciário diariamente. Na época, o então deputado federal Aldo Rebelo divulgou uma nota repudiando a decisão, dizendo que ela agridia o interesse nacional e projetava incertezas quanto à unidade da nação.
É notória a boa relação do ex-presidente da Câmara com os militares. E sabe-se que há muita gente nas forças armadas cuja mentalidade não avançou desde a Guerra Fria, ostentando aquela paranóia da invasão estrangeira ou de que as terras indígenas vão se tornar países independentes por estarem perto da fronteira. Como se a experiência da reserva Ianomâmi, bem maior e fronteiriça, não tivesse mostrado o contrário. E como se as forças armadas não tivessem livre acesso a qualquer parte do território nacional.
Aldo, na época, soltou uma nota incisiva, da qual destaquei alguns trechos: “O Supremo abre um precedente para que sejam implantados no Brasil um Estado multinacional e uma nação balcanizada, pois confere a tribos indígenas que fazem parte do povo brasileiro o esdrúxulo status de minorias apartadas do todo nacional, com prerrogativas negadas a outros estratos que há cinco séculos amalgamam a formação social do país”.
“O respeito aos direitos dos indígenas não pode implicar o esbulho dos não índios que há muito tempo fincaram a bandeira do Brasil naquela região.”
“Os índios beneficiados foram isolados da nação. Os índios e não índios prejudicados podem recorrer à resistência não violenta na defesa de seus direitos históricos. E o Congresso Nacional, última instância da soberania popular, tem o dever de reparar este erro calamitoso do Executivo e do Judiciário.”
Erro calamitoso pois, como todos sabem, homens brancos, principalmente arrozeiros, são uma espécie pré-cabralina que já habitava Roraima antes da chegada desses índigenas.
Garantir os mínimos direitos a esses povos, que amargaram séculos de genocídio, não os isola do resto da nação. Pelo contrário, decisões como essa, por mais que não sejam perfeitas, ajudam a torná-los, de fato, brasileiros, por lhes conferirem dignidade.
Diante disso, o ministro deveria se perguntar o que essas populações preferem: as terras que lhes são de direito, para poderem plantar e sobreviver, ou ingressos baratinhos para a Copa?
Ou talvez ele esteja propondo ingressos baratos para os indígenas porque, no ritmo em que as coisas andam em Estados como Mato Grosso do Sul (que têm tocado um genocídio, a conta-gotas, de suas populações tradicionais em nome do desenvolvimento agropecuário), em breve não vão sobrar lá muitos para dar prejuízo aos organizadores dos jogos.
*Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política; Professor de Jornalismo na PUC-SP e ex-professor na USP; Coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.
http://blogdosakamoto.uol.com.br/2011/11/08/o-que-os-indios-preferem-terras-ou-ingressos-para-copa/