No programa Vozes da Liberdade, Xavier Plassat, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), destaca a necessidade de que o enfrentamento ao trabalho escravo seja articulado pelos estados, em sintonia as ações federais
Por Bianca Pyl e Maurício Hashizume
Como parte da programação da segunda edição da Semana Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, a cidade de Belém (PA), capital do Estado do Pará, recebeu o seminário “Trabalho Escravo no Pará, desafios e Propostas para a Erradicação”, na última semana do mês de janeiro.
Durante o evento, frei Xavier Plassat, que coordena a Campanha de Combate ao Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), apresentou o painel “Trabalho Escravo no Brasil e no Pará: Situação e Perspectiva”.
“Temos como meta ficar muito mais vigilantes. Essa situação de trabalho escravo se espalhou pelo país inteiro. Hoje, não há estado ou região que esteja imune ao problema”, realçou o integrante da CPT. Outro ponto problemático na articulação contra o trabalho escravo, na opinião dele, é a desarticulação de estados e municípios. Confira trecho da entrevista concedida por Xavier Plassat ao programa Vozes da Liberdade, da Repórter Brasil.
Repórter Brasil: Como você vê esta semana de combate ao trabalho escravo e como foi o evento realizado no Pará?
Xavier Plassat: Fui a Belém (PA) no evento promovido pela Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 8a Região (Amatra-8), pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). As entidades estão preocupadas com a situação de paralisia que se encontram tanto o Fórum Estadual de Combate ao Trabalho Escravo como a Comissão Estadual de Combate ao Trabalho Escravo (Coetrae).
Para Xavier Plassat, da CPT, situação nos estados é preocupante
E, no Pará, quando foi criada, em 2007, o governo tinha prometido ser o trator entre os estados mais afetados pelo trabalho escravo, iria propor até a criação de um Pacto Federativo de Combate ao Trabalho Escravo, iria tirar do buraco esta luta. E nada foi feito, pelo contrário, a Comissão quase nunca se reuniu e o próprio Plano Estadual não saiu do papel.
Estamos tentando levantar, no Pará e em outros Estados, a problemática de um combate articulado contra o trabalho escravo, dos estados em sintonia com o governo federal. Uma das falhas importantes é que, de certa maneira, o ator federal é o único [a atuar], com várias instituições. Mas o ator estadual e o ator local estão completamente fora ou raramente envolvidos.
Os poucos exemplos positivos que apontam o contrário ocorrem no Piauí e no Mato Grosso. Mas, fora isso, acontece pouca coisa. É um esforço grande que a gente tem que fazer para aproximar as políticas e programas de ação concreta perto de onde acontecem os fatos, perto da vítima. Um dos instrumentos importantes que temos que retomar é a Carta-Compromisso contra o Trabalho Escravo, assinada por vários governadores – inclusive pelo próprio Simão Jatene (PSDB), que governa atualmente o Pará -, no sentido de assumir a política nacional de combate ao trabalho escravo e ficar vigilante para que nenhuma incoerência na própria política do Estado venha abalar o combate ao trabalho escravo.
É possível identificar alguma possibilidade real de reativar essas articulações ou a situação não mudou muito?
Confesso que estou um pouco dividido. Na sociedade civil, existem, sim, vários grupos e personalidades envolvidas para que isso aconteça. Agora. em relação ao [governo do] Estado [do Pará], eu não sei. Há alguns sinais negativos. O próprio governo tem indicações de nomes de pessoas ligadas ao campo escravagista. Então, estas incoerências tem que ser desmascaradas rapidamente.
Eu vejo a situação complexa em outros Estados, como o Tocantins, onde eu atuo. Praticamente toda a estrutura da Coetrae está sendo remontada, o próprio presidente da Coetrae foi demitido pelo governador. No Piauí, por outro lado, durante o ato público que aconteceu lá, no qual o Fórum Estadual [de Conbate ao Trabalho Escravo] entregou uma carta destacando os compromissos que precisam ser assumidos, a palavra do governador foi extremamente positiva e comprometida com metas a ser alcançadas.
Qual o recado à sociedade com essas mobilizações?
Esta semana nasce em memória de um símbolo trágico do combate ao trabalho escravo, porque ao mesmo tempo simboliza a impunidade e a ligação entre o agronegócio e a escravidão contemporânea. Estou falando do evento trágico da Cahacina de Unaí (MG), que abriu a semana do dia 28 de janeiro.
Temos como meta ficar muito mais vigilantes. Essa situação de trabalho escravo se espalhou pelo país inteiro. Hoje, não há estado ou região que esteja imune ao problema. Precisamos fazer uma mobilização muito maior, para detectar, para observar, para se informar e denunciar; e uma mobilização para cobrar o fim da impunidade que é dramática, que todo dia tenta nos demonstrar que trabalho escravo não é crime, Ninguém vai para cadeia.
No lançamento do Atlas Político-Jurídico, em Açailândia (MA), tivemos uma prova cabal: eles levantaram dezenas de casos de trabalho eescravo nos últimos anos e quando se conta o número de condenações penais é irrisório, ou seja, a mensagem que é passada é que no fundo não passa de uma mera irregularidade trabalhista. Mas não é isso. Trabalho escravo é um crime, sim, lamentável e trágico, que está ceifando vidas, dignidade, liberdade. A conscientização da sociedade a mobilização tem que ser muito maior e nós temos que achar os instrumentos políticos para converter essa indignação em transformação.
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