As diversas mesas que trataram do assunto denunciaram a estratégia desses atores e seus objetivos principais: especulação, produção de commodities agrícolas, biomassa, entre outros. E, para atingir tal meta, as corporações e governos lançam mão de diversas formas de atuação. Uma delas é a incidência no debate sobre as mudanças climáticas.
Aparentemente, o fracasso das negociações para o corte das emissões de gás carbônico é, sob o ponto de vista corporativo, o melhor cenário, pois, assim, vem à tona o plano B: novas tecnologias que supostamente mitigam as alterações no clima do planeta. Dessa forma, o padrão de consumo e desenvolvimento das potências ocidentais poderia permanecer intocado.
Com o objetivo de alertar sobre a ameaça que esse discurso representa no contexto da Cúpula Rio +20, prevista para 2012 no Rio de Janeiro, a organização ETC Group realizou nesta quarta-feira (9) o debate “Rio + 20: a apropriação da Terra?”. Nas exposições dos debatedores, ficou clara a preocupação de que, por meio das novas tecnologias, poucas corporações passem a controlar toda a vida no planeta. O primeiro processo relacionado a elas, a apropriação massiva das terras, já começou.
O primeiro palestrante, Pat Mooney, diretor-executivo do ETC , iniciou sua fala afirmando que o desejo por trás de tal retórica é, principalmente, dois: centralizar a tomada de decisões sobre a mudança climática e vender tecnologias “verdes” para solucionar os problemas. “Eles dizem: é verde! É bom! Mas o que eles propõem não é verde”. Segundo ele, entre tais “soluções” tecnológicas, despontam três tipos: a nanotecnologia, a biologia sintética e a geoengenharia. A nanotecnologia, que tem como princípio básico a construção de materiais a partir dos átomos, recebeu, no ano passado, de acordo com Mooney, 15 bilhões de dólares em recursos de governos e empresas. “Propõe-se reciclar e reduzir nossos dejetos enquanto aumenta-se o nível de renda e consumo”.
Biologia sintética
Já a biologia sintética procura produzir qualquer material a partir da biomassa. “Eles costumam dizer: qualquer coisa que o dinossauro [petróleo] pode fazer, as plantas também podem”. Mooney explicou que esse é um nível bem acima da chamada biotecnologia. “Biotecnologia é pegar um gene de uma espécie e introduzir em outra. Isso é muito primário. O que eles estão dizendo agora, com a biologia sintética, é que eles podem construir seu próprio DNA a partir de um carbono vivo”. Por carbono vivo, entende-se biomassa.
Dessa forma, a porta estaria aberta para o controle total sobre a produção agrícola do planeta. “O capitalista diz: ‘você não percebe que só 23,8% da biomassa anual do mundo é commodity?’ Isso significa que os outros 76,2% ainda podem ser apropriados”. Segundo o especialista, inúmeras empresas petrolíferas e o Departamento de Energia dos Estados Unidos estão investindo pesadamente nessa tecnologia.
Por último, de acordo com Mooney, há algo ainda mais “assustador”: a geoengenharia, ou seja, a manipulação de elementos do clima para combater o aquecimento. Entre as modalidades, exemplificou, está a de introduzir nanopartículas sobre a superfície dos oceanos para que se criem certos tipos de plânctons que absorvam o excesso de gás carbônico no planeta. “O que estão dizendo é: não se preocupem com o clima. Nós não precisamos mudar nosso estilo de vida. Criaremos novas tecnologias para solucionar os problemas”.
Modo de vida estadunidense
Já Naomi Klein, escritora e ativista canadense, deu início a sua exposição com um alerta: “a privatização da Terra não é ficção científica. Está acontecendo”. Segundo ela, depois do fracasso da Cúpula do Clima de Copenhague, realizada em dezembro de 2009, tal processo se acelerou, e o “plano B” foi posto em prática. Naomi lembrou que durante a ECO-92, realizada no Rio de Janeiro, o então presidente estadunidense George Bush (1989-1993), presente no evento, deu uma entrevista na qual afirmou que seu país queria se envolver nas discussões, mas que gostaria de deixar algo claro: o modo de vida estadunidense não estava em negociação. “Nestes últimos 20 anos, não apenas esse modo de vida não se alterou, como houve sua globalização”.
De acordo com a ativista, a ideia de que se possa interferir com sucesso no clima do planeta é considerar que seu ecossistema é muito simples. “Não podemos simplesmente desligar a temperatura. Claro que não temos esse tipo de controle. O que sabemos é que temos que reduzir drasticamente as emissões”.
Para Naomi, as novas tecnologias permitem que se privatizem novas fronteiras, que não são mais físicas.
A canadense aproveitou também para criticar alguns grupos ambientais que, segundo ela, são “parte do problema”. “O símbolo do movimento ambiental moderno é a Terra vista do espaço. Essa visão de astronauta é ruim. Sob essa perspectiva, a ideia da solução por meio da tecnologia começa a fazer sentido, enquanto na superfície, as pessoas sofrem na pele os efeitos da alteração climática. Minha esperança é a de que na Rio + 20 tais grupos voltem do espaço”.
O último a falar foi o ativista do Mali, Mamadou Goïta, diretor-executivo da organização IRPAD África (Instituto de Pesquisa e Promoção de Alternativas em Desenvolvimento). Na sua fala, ele priorizou a discussão sobre a África no contexto da mudança climática e das novas tecnologias que são vendidas como soluções. “A África tem muito o que ensinar ao mundo em relação ao enfrentamento dessa situação”, disse. Ele explicou que em todo o continente existem exemplos de novas técnicas e instrumentos utilizados pelos agricultores para lidar com os efeitos da alteração do clima, como novos materiais e a produção de novas espécies de sementes. “O ponto-chave é a diversidade. Produzimos sementes para ser compartilhada: não é o lucro sendo maximizado, mas os riscos sendo minimizados”, afirmou.
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