Vale ressaltar que, conforme tem se pronunciado alguns especialistas em direito ambiental, existem apenas três formas de licença legalmente constituídas para a construção de qualquer obra deste porte: licença prévia, de instalação e de operação. Em função disso, o Ministério Público Federal entrou com uma ação civil pública, para impedir que essa manobra “específica” se concretize.
Há que se perguntar: sem o licenciamento definitivo, quem assumiria o risco de iniciar um empreendimento? Tal procedimento só se explica se imaginarmos que o Executivo já tem, previamente, certeza de que a obra será autorizada. Através de ações ilegais como esta recém-parida licença, a sombra desse monstruoso empreendimento se projeta como se fosse algo inevitável – ou mais um fato consumado!
Nesta onda de despautérios, o próprio presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Márcio Meira, deixou de lado os pareceres técnicos emitidos pela Coordenação Geral de Gestão Ambiental e pela Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável do órgão que preside e, no Ofício 013/2011, endereçado ao IBAMA, afirma que a FUNAI “não tem óbice” para a Licença de Instalação das obras iniciais do complexo de Belo Monte. Desse modo, o presidente do órgão indigenista oficial, que deveria resguardar e proteger os direitos dos povos indígenas e não os interesses desenvolvimentistas de setores “específicos”, não apresenta nenhuma objeção ao fato de serem iniciadas obras que afetam diretamente a vida dos povos Araweté, Apiterewa, Asurini, Xikrin, Kayapó, Juruna, Xipaia, bem como outros que possuem pouco tempo de contato com as populações vizinhas.
Há quem diga que é uma causa impossível impedir a construção do mega-monstro e que ele seria útil ao desenvolvimento regional – como se fosse possível encontrar algum espectro de vida em algo que é, desde o surgimento, um projeto de morte.
Há quem diga, também, que Belo Monte será uma obra devastadora e nociva, mas que seu impacto poderá ser mitigado se cumpridas as 40 condicionantes prometidas pelo Governo Federal. E o que se propõe, neste caso, é a intensificação das pressões para que algumas medidas compensatórias – relativas ao bem estar, à saúde, à educação – se estabeleçam e sirvam de anestésico para a grande chaga que há de se abrir.
Mas há, no entanto, uma multidão de pessoas que acreditam que a política energética brasileira pode ter outros traçados se for rediscutida e redefinida com participação popular. Para essas pessoas o que importa não é exigir que se cumpram condicionantes e sim que a obra seja interditada, considerada uma idéia insana, dessas que assombram nossos sonhos de um mundo mais justo e democrático. Belo Monte tem sido chamada, e não por acaso, de “Belo Monstro”, pois afeta a vida de populações indígenas, ribeirinhas e camponesas que vivem naquela região. Além dos irreparáveis danos sociais e de um impacto ambiental impossível de prever, ela teria um custo que, nem mesmo de um ponto de vista meramente econômico se justifica: a obra se inicia com R$ 19 bilhões emprestados do BNDES, mas os especialistas já antecipam que custará quase R$ 26 bilhões, dos quais, estranhamente se autoriza o empréstimo de 95,7% pelo mesmo banco. Em outras palavras, quem paga o preço – social, ambiental, econômico é o povo brasileiro.
Resta saber em nome de quê tal projeto é ainda considerado viável, e pode-se supor que existam muitos interesses (alguns, quem sabe, inconfessáveis) envolvidos na autorização de uma obra deste porte. Contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte há incontáveis manifestações protagonizadas pelos povos indígenas e por movimentos populares da região. Além disso, Mais de 600 mil pessoas do Brasil e do exterior também se manifestaram, através de petições organizadas pela Avaaz e Movimento Xingu Vivo para Sempre, dizendo não a esta monstruosidade. As petições foram entregues ao Governo Federal, em uma significativa mobilização realizada em Brasília nos primeiros dias do mês de fevereiro. A presidente da República não quis receber os manifestantes, apenas designou alguns assessores para informar que o diálogo está aberto. Mas que diálogo ela quer estabelecer se, na oportunidade de iniciá-lo, não recebeu os interlocutores?
Ao que parece, a primeira presidente mulher à frente do país pretende traçar em letras garrafais o seu nome no livro dos absurdos, ignorando o debate político e as diferentes posições em relação à Belo Monte. Neste caso, pode-se dizer que a presidente prepara uma espécie de terraplanagem para nivelar, homogeneizar e tornar compacto o solo fértil das controvérsias e lutas que envolvem os processos democráticos. Mas esta não é uma luta vencida, uma vez que há, no país e no mundo, uma multidão que se mobiliza para tornar possível a causa aparentemente improvável de parar Belo Monte!
Porto Alegre, RS, 09 de fevereiro de 2011.
Iara Tatiana Bonin
Doutora em Educação, professora da Universidade Luterana do Brasil
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