FSM 2011 – Marcha de abertura explicita lutas da África

Entre 5 e 10 mil pessoas, a imensa maioria, africanas, abriram o Fórum Social Mundial na carona das revoltas no mundo árabe

Igor Ojeda, de Dacar (Senegal)

Como já se esperava, as cores, o ritmo e os cantos africanos predominaram na marcha de abertura do Fórum Social Mundial de Dacar, Senegal, neste domingo (6 de fevereiro). Danças típicas, muito batuque e vestimentas de todas as cores deram o toque especial do continente no maior evento da esquerda mundial.

Mas nem tudo foi festa. Organizações sociais de vários países africanos reivindicavam soluções para inúmeros problemas do continente e do mundo. Cerca de 50 manifestantes estendiam uma faixa exigindo direitos aos refugiados da Mauritânia no Senegal. Sindicalistas marroquinos demandavam “justiça e democracia”. Mulheres senegalesas, muitas das quais jovens, pediam igualdade de gênero em seu país.

Outro grupo defendia que o país-sede do Fórum deste ano caminhasse rumo à soberania alimentar. Vendedores de rua da capital senegalesa protestavam por melhores condições. O rechaço à mercantilização da agricultura e à tomada de terras por corporações também foram preocupações explicitadas durante a marcha. Além disso, grupos internacionais, como o CADTM (Comitê pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo) e a Via Campesina (com representantes do Brasil, como o MST, de Moçambique, África do Sul e Indonésia, entre outros) se fizeram presentes. Mas o elemento comum que animou a manifestação de muitos dos participantes, especialmente entre os grupos provenientes de países subsaarianos, foi a prestação de solidariedade às revoltas na Tunísia e no Egito, que serviam como inspiração para o restante do continente.

“O levante dos povos egípcios e tunisianos é um exemplo para toda a África. É muito importante nos unirmos a eles para encontrar soluções para todas as crises do mundo. Esse é o caminho para a vitória popular”, diz Adama Makosso, de Burkina Faso, que vive há cinco anos no Senegal. Ela, que trabalha na organização internacional Grila (Grupo de Pesquisa e Iniciativas para a Libertação da África), estendia uma toalha com o rosto de Che Guevara. “Che é um homem do passado, mas todas suas ideias, toda sua visão política, são atuais”. Para ela, a África deveria aproveitar esse “grande encontro histórico” para derrubar os ditadores, o capitalismo e o imperialismo.

Capitalismo que é o principal culpado pelas diversas formas de violência contra as mulheres e crianças de todo o mundo, segundo Fatimata Sy Peregal, presidenta do Comitê contra a Violência contra a Mulher do Senegal. De acordo com ela, tal violência, em seu país, é institucionalizada, e é causada por elementos sociais, culturais e religiosos. “Não há acesso à educação, não existem condições nos hospitais… O governo não faz o suficiente para lidar com essa questão”, reclama. Para Fatimata, a participação de sua organização no Fórum é importante porque a violência de gênero é um problema global, ligado ao sistema político que rege o planeta.

Outro grupo que veio ao evento para dar visibilidade a seu problema foi o de Edih Mohamed: a Afapredesa (Associação de Familiares de Presos e Desaparecidos Saarauis). “Viemos tentar conscientizar os povos sobre nossa luta e denunciar a injustiça cometida contra nosso povo”, diz, fazendo referência à ocupação do Marrocos ao Saara Ocidental. Segundo ele, a luta dos saarauis é mundial. “Todos estamos lutando por um mundo melhor, pelos direitos humanos e pela legalidade internacional. Nós saarauis queremos que se respeite a legalidade internacional”.

Nesse sentido, Edih faz uma saudação às revoltas no norte da África. “Qualquer mudança no mundo árabe vai ser para melhor. Os povos árabes estão se autodeterminando agora. O processo iniciado na América Latina com a eleição de Hugo Chávez está chegando aqui agora”, comemora.

Fórum, uma escola

A marcha de abertura, que reuniu de 5 a 10 mil pessoas (segundo cálculo da reportagem), saiu da frente da principal mesquita de Dacar – capital de um país onde 90% da população é muçulmana – e percorreu vários quilômetros até a Universidade Cheikh Anta Diop, sede principal do Fórum Social Mundial. Durante o percurso, muitos senegaleses que trabalhavam nos comércios de ruas e crianças pararam para olhar a manifestação.

O único grupo de fora da África que chamava atenção por seu número era o de brasileiros. Em um determinado momento, integrantes da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e da FUP (Federação Única dos Petroleiros) gritaram o nome de Lula e de Dilma, chamando a atenção dos demais participantes da caminhada.

Na chegada à universidade, um palco abrigou a abertura oficial do Fórum. Falaram representantes senegaleses e Gilberto Carvalho, ministro-chefe da Secretária-Geral da Presidência da República e ex-chefe de gabinete de Lula, mas a estrela da tarde foi o presidente boliviano Evo Morales. Muito aplaudido por todo o público presente, Evo iniciou seu discurso saudando o evento como uma escola onde em parte se formou politicamente. “Me sinto parte disso. Vocês são meus professores”. O presidente da Bolívia falou também sobre a experiência do processo que liderou na Bolívia, alertando sobre a necessidade de se passar da luta social para o poder eleitoral. “Temos que passar da resistência à tomada do poder”.

Quem ouvia com atenção cada palavra de Evo Morales era a boliviana Charo Cárdenas, que mora há 10 anos no Senegal, onde trabalha na ONG Colégio no Hospital, que dá atenção a crianças com câncer. Segurando uma bandeira boliviana e uma whipala (bandeira multicolorida sagrada para os indígenas bolivianos dos Andes), ela diz que a realização de um Fórum Social Mundial na África é essencial, pois o continente é de fundamental importância para o mundo. “Se a América Latina e a África morrerem, as potências também morrerão. A maior parte da riqueza e do suor da humanidade vem desses continentes”, lembra Charo. Para ela, é preciso união dos povos para a luta contra o imperialismo. “A América Latina já despertou. Falta a África”.

http://www.brasildefato.com.br/node/5613

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