Para o economista, essa é apenas uma “ponta do Iceberg” da “cidade partida”, na descrição do jornalista Zuenir Ventura, em livro lançado em 1994. Outros números que Nery levantou na pesquisa confirmam que o Rio é uma cidade desigual, onde os pobres, amontoados em 1.020 favelas vivem as agruras de uma dura existência piorada pela presença do tráfico de drogas e das milícia e pela total ausência do Estado. Para o economista, todos os indicadores da pesquisa apontam a inexistência de políticas públicas como a maior responsável pela deterioração da vida dos pobres do Rio.
A baixa renda das favelas , no entender de Neri, tem ligação direta com o quesito educação. A Rocinha registra o menor nível de escolaridade do Rio, de 5,08 anos completos de estudos. O Complexo do Alemão ocupa o segundo lugar desse triste ranking, com 5,36 anos de estudo. A média das demais regiões administrativas da cidade é de 8,29 anos completos de estudos. “A Rocinha e o Alemão estão praticamente 30 anos atrás do resto das regiões administrativas em termos de escolaridade. As duas comunidades, onde a idade média é de 27 anos, não dispõem de um passaporte para o futuro para essa juventude”, ressalta Neri.
A desigualdade de renda, que faz com que o rendimento per capita dos habitantes da Lagoa, um dos bairros mais ricos do Rio, seja 112% superior ao dos moradores do Complexo do Alemão, nada fica a dever à desigualdade educacional dessas comunidades em relação às áreas de renda alta. A proporção de pessoas com curso universitário nas favelas é de 2,75%, quase dez vezes menor que no resto da cidade. Alcança 92% o percentual de crianças de zero a três anos do Complexo do Alemão que nunca frequentaram uma creche.
No quesito renda, na média 80,6% do rendimento de cinco grandes favelas cariocas – Jacarezinho, Maré, Complexo do Alemão, Rocinha e Cidade de Deus – vem do trabalho de seus moradores. No Complexo do Alemão esse percentual atinge 81,9% e na Rocinha, 82%. Esses elevados percentuais indicam ausência de políticas públicas de transferência de renda nessas comunidades, tipo Bolsa Família. “O viés de renda é adverso para o favelado”, constata o pesquisador. Outros indicadores, como a taxa de desemprego média de 19,1% nas cinco grandes favelas, atingindo 19,5% no Complexo do Alemão e 17,2% na Rocinha, ante 9,9% nos bairros ricos apontam para a falta de coesão social da cidade e revela a impossibilidade de mobilidade social dos favelados cariocas.
A ausência do Estado foi reforçada com as notas que os moradores do Alemão e da Rocinha deram para os serviços e outros indicadores nas duas comunidades. O quesito oportunidades de trabalho recebeu nota 2,1 (ruim) dos moradores do Alemão e 2,78 (regular), da Rocinha. Na segurança pública, a nota do Alemão foi 2,51 (regular) e a da Rocinha, 2,38 (ruim). No tocante a unidades de saúde, a nota do Alemão foi de 2,8 (regular) e a da Rocinha, 2,7 (regular). O abastecimento de água ganhou 3,34 (boa) do Alemão e 3,35 (boa) da Rocinha. O escoamento de esgotou levou 3,19 (regular) do Alemão e 2,92 (regular) da Rocinha. Fornecimento de energia elétrica levou 3,39 (boa) do Alemão e 3,37 (boa) da Rocinha.
Na avaliação de Neri, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) têm se revelado uma boa política, liberando territórios do tráfico de drogas. O economista da FGV tem presenciado a experiência da UPP do Morro dos Cabritos, na Lagoa, da qual é vizinho. “Vejo uma grande transformação. Pessoas muito felizes. Se eu como vizinho tive um ganho, imagino eles (da comunidade).” Nery considera que a melhor solução para a segurança do Rio é levar as UPPs para todas as favelas e fundí-las numa UPP única. E por isso comemorou a ocupação da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão.
Para Neri, a principal tarefa do governo estadual é colocar o Estado presente nas comunidades ocupadas pelas UPPs. “O Estado tem que oxigenar estas áreas, levar educação, saúde, lazer e melhorias físicas para essas favelas, para redimir sua ausência de anos nessas comunidades”. Ele não descarta o risco de as milícia tentarem ocupar o espaço do tráfico nas favelas que têm UPPs. “Tem que coibir os dois lados, mas reconheço que a questão é delicada e que deve ser enfrentada com rigor.”
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=38834