CANCUN MESS – Diários da COP16 – 28/11/2010 O clima deve esquentar para o Brasil em Cancun

Lúcia Ortiz

Após ter levado à Copenhague o compromisso voluntário de reduzir as emissões domesticas de gases do efeito estufa até 2020, o Brasil pode perder a moral na COP16 em Cancun este ano, com a exposição das contradições nas políticas nacionais e o risco de aumento das emissões por desmatamento decorrente da possível alteração do Código Florestal

Estamos a um dia do início da 16ª Conferencia das Partes (COP) da Convenção Marco sobre Mudanças Climática das Nações Unidas (CMNUMC), que vai até dia 10 de dezembro, em Cancun, no México. Será uma batalha dura retomar o curso das negociações por um acordo global após o golpe do falso acordo de Copenhague ao fim da COP 15 no ano passado, que pôs as estratégias de mercantilização do clima e das florestas e as débeis promessas voluntárias à frente do necessário compromisso com metas de redução de emissões domésticas de poluentes que devem assumir urgentemente aqueles países historicamente responsáveis pelo aquecimento global para deter seus efeitos catastróficos.

Ao longo da história das negociações, o Brasil foi um país protagonista, capaz constranger a falta de ação dos países industrializados. Assim mesmo, sempre buscando as oportunidades desta posição em benefício próprio, para alavancar recursos para megaprojetos de energia e agrocombustíveis e também para a proteção de suas florestas, cujo desmatamento é a principal fonte das emissões do país.

Na COP15, além de ter impulsionado junto com os Estados Unidos o documento de Copenhague, que não diferencia compromissos dos países emergentes dos industrializados, o Brasil gabou-se em assumir moralmente no nível internacional metas de redução de emissões domésticas até 2020, com a aprovação da Lei nº 12.187 (sancionada com vetos em 29/12/2009) que Instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC.

Mas o tiro pode sair pela culatra. O Brasil acabou endossando a resistência dos Estados Unidos em assumir qualquer compromisso antes dos países emergentes, o que segue bloqueando um acordo global vinculante e efetivo. E agora já não pode mais sustentar as contradições do seu discurso internacional, com a ameaça de alteração da sua principal lei que protege as florestas e com as políticas das falsas soluções de mercado em ebulição no país.

O Governo Lula não conteve as pressões do agronegócio para avançar na alteração do Código Florestal Brasileiro, proposta relatada pelo deputado Aldo Rebelo que ainda precisa da aprovação do Congresso, e a batata quente deve ficar para a presidente eleita Dilma Rousseff. Estudo recente de uma rede de organizações ambientais expôs na semana passada que a redução escandalosa de áreas de proteção de florestas no Brasil que prevê a proposta pode significar a liberação de mais de 25 milhões de toneladas de CO2 eq contidas nas florestas, deixando mais de 70 milhões de hectares isentos de proteção e ignorando em 24 vezes a meta brasileira de redução de emissões em 2020, de aproximadamente 1 bilhão de toneladas de CO2 eq comprometida[1].

Mas a grande contradição das negociações internacionais é que a retirada da proteção do Estado à rica biodiversidade do país é estratégia chave para gerar adicionalidades requeridas na emissão de créditos de carbono e abrir espaço para os mecanismos de mercado (como o de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação de florestas – REDD), sobre os quais o Brasil rendeu-se também em Copenhague, abandonando sua resistência histórica. Nas palavras do Embaixador Luis Alberto Figueiredo, que lidera o time de negociadores do Itamaraty em Cancun, “o problema não está nos mercados de carbono”, hoje nos centro das apostas da maioria das partes da conferencia, desde que não legitimem estratégias de compensação de emissões não reduzidas[2]. Mas quem compra créditos de carbono, senão para deixar de investir em medidas de redução da poluição, sejam países, estados, municípios, indivíduos ou corporações? E quem lucra, senão os setores exportadores de bens naturais que jogam na estratosfera cenários de aumento de emissões e crescimento econômico para então vender supostas reduções e agregar lucro aos seus negócios que agora tem a oportunidade de pitar-se de verde?

O PNMC do Brasil, além de estabelecer metas de redução de emissões, vetou ao mesmo tempo artigos que previam a redução progressiva do uso de combustíveis fósseis em meio à febre do pré-sal. Criou formalmente o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões – MBRE, a ser operacionalizado “em bolsas de mercadorias e futuros, bolsas de valores e entidades de balcão organizado, autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM, onde se dará a negociação de títulos mobiliários representativos de emissões de gases de efeito estufa evitadas certificadas”. Seus planos setoriais estão repletos de falsas soluções compensatórias. Está difícil manter a pose e convencer às populações afetadas do país e do mundo de que o tema do aquecimento global é levado a sério e não apenas como uma oportunidade de negócios especulativos usurpadores do útil consenso gerado sobre a catástrofe climática.

No setor de energia, o Brasil busca investimentos públicos em “mitigação” para a construção de grandes hidrelétricas na Amazônia como a usina de Belo Monte, reduto de populações indígenas no rio Xingu[3], nada adicionais aos negócios de sempre (business as usual) e para a expansão das monoculturas de agrocombustíveis. Tanto no plano de Agricultura como de Siderurgia, enfoque específico é dado para a expansão das monoculturas de árvores que trariam supostas vantagens de captura de carbono ou de substituição de fontes não renováveis de energia (carvão mineral ou do desmatamento) em comparação à cenários futuros de aceleração da expansão dos negócios da celulose e exportação de minerais e aço, com graves impactos sócio-ambientais já conhecidos e denunciados pelo movimentos sociais no país. Ambos os setores se empenham na alteração da lei florestal, tanto para reduzir as áreas de reserva legal que, segundo o presidente da União da Industria Canavieria (ÚNICA), Marcos Yank, “ameaça milhares de hectares de cana”[4], como para substituir a floresta nativa em áreas de reserva ou proteção permanente por “plantações comerciais de arvores exóticas”, o que também prevê a alteração da lei.

Para Amigos da Terra Brasil, a manutenção do Código Florestal, que permite a proteção da biodiversidade através do seu manejo comunitário e uso sustentável, somada à implementação de políticas públicas efetivas de crédito, assistência técnica e seguridade em resposta aos impactos já sentidos das mudanças climáticas, e fomento aos mercados locais para viabilizar a produção de alimentos saudáveis na agricultura familiar, que é a base da soberania alimentar do país, é a solução real onde o Brasil pode contribuir para esfriar o planeta, reconhecendo os setores que de fato contribuem com a preservação do meio ambiente.

Estaremos atentos às posições do Brasil na COP16, monitorando e pressionando às negociações por avanços urgentes no enfrentamento das mudanças climáticas e, junto às dezenas de milhares de manifestantes, em Cancun e em muitos Cancuns pelo mundo, dando seguimento à construção do Movimento Global por Justiça Climática.

Acompanhe os relatos diários de Cancun em www.amigosdaterrabrasil.wordpress.com.

Correspondente: Lúcia Ortiz – [email protected]/ skype: lucia_natbrasil

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