O estudo divulgado ontem foi feito em convênio com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Para o IBGE, o impacto do Bolsa-Família foi o principal fator para a redução do número de brasileiros que passam fome. O aumento do salário mínimo seria o segundo motivo.
“A queda foi muito importante, mas ainda há 11,2 milhões de pessoas que precisam ser vistas e cuidadas”, diz a gerente da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE, Maria Lucia Vieira. “O objetivo é eliminar essa preocupação”.
O secretário executivo do ministério, Rômulo Paes de Sousa, avalia que “o ganho foi excepcional para um período tão curto”. Segundo ele, o objetivo do governo é acabar com a fome no País, mas a “supressão completa desse temor leva tempo”. Para Sousa, a permanência de mais de 11 milhões de pessoas na situação grave deve ser relativizada. “A questão da insegurança alimentar aparece inclusive no país mais rico do mundo, os Estados Unidos”, afirma. “Quando comparamos o Brasil com países que têm economia semelhante e investimento também em política social, como o México, a nossa situação é muito mais favorável”, argumenta.
Segundo a pesquisa, apenas 65,8% dos brasileiros estavam em condição de segurança alimentar em 2009, ante 60,1% em 2004. Ou seja, no ano passado mais de um terço da população (34,2%) estava em situação de insegurança. São pessoas que apresentavam alguma restrição alimentar ou, pelo menos, preocupação com a possibilidade de ocorrer restrição por falta de dinheiro para comprar comida. Esse grupo se dividia em três categorias: 20,9% com insegurança leve, 7,4% com moderada e 5,8% na situação grave (11,2 milhões de pessoas). Do total na última classificação, 1 milhão eram crianças de 0 a 4 anos. Em 2004, a situação grave atingia 8,2% da população.
O representante do ministério citou dados do México para afirmar que, lá, 62% encontram-se em situação de insegurança alimentar (leve, moderada e grave). “Nos EUA, a insegurança alimentar moderada e grave era de 5,7% em 2008, antes da crise”, afirma Rômulo. “A informação que temos é que a situação piorou em função da crise, por causa do aumento do desemprego.”
O IBGE aponta forte associação entre condição alimentar e rendimento das famílias: 58,3% dos domicílios do País na situação de insegurança moderada ou grave tinham até meio salário mínimo per capita ou nenhum rendimento. O estudo também mostra que os porcentuais de insegurança alimentar são mais altos nos domicílios com maior densidade por dormitório.
A gerente da pesquisa ressalta que a redução ocorreu principalmente nos domicílios onde havia crianças, na região Nordeste e na área rural. “O foco do Bolsa Família são domicílios com limitação de renda e com crianças”, explica ela. “Se o programa social estiver sendo encaminhado adequadamente, o impacto deve ter sido até mais importante do que o do salário mínimo”, diz Maria Lucia.
O IBGE aplicou um questionário com 14 perguntas sobre insegurança alimentar nos domicílios investigados na Pnad. As respostas foram dadas com base na experiência dos entrevistados nos três meses anteriores. Não foi calculado, porém, o porcentual de famílias com insegurança alimentar que eram atendidas pelo Bolsa Família em 2009.
Revisão
O diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Francisco Menezes, defendeu uma “revisão permanente” do benefício do programa. “Acho que o Bolsa Família teve papel grande, porque existem famílias que não têm renda ou ela é muito baixa. Nesse sentido, está bem focado. Mas hoje o valor médio transferido é de até R$ 94, ainda abaixo da linha de pobreza extrema”, avalia.
“Defendo uma revisão permanente. Hoje, isso ocorre às vezes. Deveria ser tal como é com salário mínimo, a cada ano. Ainda não é suficiente, mas ajuda muito.” Para Menezes, o resultado do estudo mostra que o “progresso foi muito significativo, porque não é fácil fazer a redução”.
“Vejo com esperança quando a presidente eleita diz que o foco principal dela vai ser enfrentar a pobreza extrema. Isso é factível, mas vai exigir não só continuidade dessas políticas como capacidade de integração cada vez maior para que se possa de fato erradicar a insegurança alimentar grave.”
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