International Herald Tribune – A ‘pegada’ do uso da água

a pegada do uso da água

Um relatório sobre o uso da água apresentado no mês passado pela Coca-Cola, em conjunto com a Nature Conservancy, apontou que 518 litros de água doce são necessários para produção de apenas um litro de seu suco de laranja Minute Maid, enquanto 35 litros são necessários para produção de meio litro de Coca-Cola.

A crescente conscientização sobre quanta água é necessária para produzir os bens de consumo diários está inspirando um maior interesse na “pegada de água” –semelhante à pegada de carbono– como ferramenta para analisar e guiar o desenvolvimento de novas tecnologias, investimento em infraestrutura de água e políticas para lidar com a crescente demanda por água.

Conceitualmente, a pegada de água é semelhante à pegada de carbono –um indicador de impacto baseado no volume total de água doce direta ou indireta usada na produção de um bem ou serviço.

Mas há uma diferença. Diferente do carbono na atmosfera, os recursos de água doce são localizados, não globais. Reportagem de Tanaya Macheel, no International Herald Tribune.

“Água não é carbono”, disse Jason Morrison, diretor de programa do Pacific Institute, uma organização de pesquisa em Oakland, Califórnia, que estuda questões de sustentabilidade de recursos. “Independente do que você possa dizer a respeito da validade dos créditos de carbono, será extremamente difícil ter um sucesso semelhante na área de água, porque, em termos volumétricos, um volume de água tem um significado diferente em uma parte do mundo em comparação a outra.”

Ainda assim, em julho, a Veolia Water North America, uma empresa de água e esgoto com sede em Chicago, e parte da empresa francesa Veolia Environnement, apresentou seu índice de impacto de água. A empresa disse que era o primeiro indicador a fornecer um levantamento abrangente dos efeitos da atividade humana sobre os recursos de água.

“As atuais pegadas de água se concentram quase que exclusivamente no volume”, disse Laurent Auguste, o presidente da empresa. O volume, ele disse, é “um bom indicador para aumentar a conscientização, mas é insuficiente para representar o impacto sobre um recurso de água”.

O volume de água necessário para produção de uma caixa de suco de laranja ou uma garrafa de Coca-Cola, por exemplo, pode ser fixado; mas o efeito de fato sobre um recurso de água doce, e o meio ambiente local, pode variar enormemente –incluindo a quantidade utilizada de energia e matérias-primas e os contaminantes químicos e outros resíduos criados no processo.

Para dar uma visão mais ampla, o índice da Veolia integra outras variáveis, incluindo estresse do recurso, qualidade da água e necessidades concorrentes de consumo, com ferramentas de medição existentes baseadas em volumes de água.

Mas alguns analistas questionam a utilidade dessa abordagem.

Claudia Ringler, uma pesquisadora sênior do Instituto Internacional de Pesquisa de Política Alimentar, com base em Washington, disse que a pegada de água é um bom conceito na teoria, mas nem tanto na prática.

“É quase impossível realizar uma análise abrangente”, disse Ringler. “É preciso ter muito cuidado antes de tirar conclusões baseadas nela.”

David Zetland, um economista especializado em questões agrícolas e de recursos da Universidade da Califórnia, em Berkeley, disse que a determinação da pegada teria pouca utilidade a menos que, para começar, seja cobrado pela água um preço de acordo com seu valor.

Se a água for cobrada pelo preço que vale, ele disse, o preço dos bens de consumo refletiria a quantidade de água usada para produzi-los. Como a maioria dos consumidores não entenderia a pegada, ou não se importaria, disse Zetland, eles quase sempre prestariam mais atenção ao preço daquilo que compraram do que a um certificado no rótulo.

Do ponto de vista das empresas produtoras, ele acrescentou, se a oferta de água for gratuita, ou quase gratuita, a pegada de água e os investimentos em eficiência de água permaneceriam supérfluos. “A pegada de água não tem valor operacional, econômico ou social para as empresas se o custo do trabalho e equipamento para reduzir o consumo de água ultrapassar o custo da água economizada”, disse Zetland.

O problema básico, ele disse, é que o preço da água raramente reflete seu valor ou escassez. “O preço da maioria dos produtos combina o valor para os consumidores com o custo de produção e entrega”, disse Zetland. “Como o preço da água reflete apenas o custo da entrega –a água em si é gratuita– nós não pagamos um preço que reflita seu valor ou escassez.”

Mesmo assim, nem todos os especialistas são tão desdenhosos. Apesar de a pegada de água ainda estar em sua infância e não haver um comum acordo sobre que variáveis devem ser levadas em consideração, ferramentas como o índice Veolia poderiam ajudar a mapear os riscos relativos associados ao uso da água em locais específicos, disse Morrison, o diretor de programa do Pacific Institute.

Já que os riscos ligados à água provavelmente se tornarão mais pronunciados com o passar do tempo, ele disse, “há muito valor na medição da pegada de água, independente de como seja definida”.

Um relatório recente do instituto, preparado para o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, avaliou diferentes ferramentas para levantamento do uso da água e apontou que muitos, apesar de ainda estarem evoluindo, seriam essenciais para as empresas em seus levantamentos de risco, impacto e gestão de água, acrescentou Morrison.

A pegada de água também gerou interesse nos mercados como possível motivador para um uso mais inteligente da água. Os mercados de água são cheios de distorções, disse Ringler, a pesquisadora do Instituto Internacional de Pesquisa de Política Alimentar, e é quase impossível criar um mercado internacional realmente competitivo. Mas há exemplos de mercados de água domésticos bem-sucedidos, ela acrescentou, citando as bacias de rios na Austrália e no Chile.

Michael Van Patten é presidente-executivo e fundador da Mission Markets, uma empresa de serviços financeiros que opera a Earth, uma bolsa de créditos ambientais regulada pela Autoridade Reguladora da Indústria Financeira nos Estados Unidos. “Poderá levar vários anos, mas o potencial é imenso”, ele disse. “O mundo sabe que temos um problema imenso de água e ninguém sabe como resolvê-lo. Esta é uma forma de tratar dele.”

O plano de Van Patten é desenvolver créditos negociáveis a partir das compensações de projetos de água localizados. Eles poderiam ser comprados por empresas, países ou comunidades com efeito direto sobre o suprimento de água. Apesar de não existir regulamentação nos Estados Unidos para motivar um mercado desses, programas de crédito, se administrados de modo apropriado, poderiam ajudar a encorajar a proteção ambiental ao reduzir os custos envolvidos, disse Christian Holmes, um consultor de energia e meio ambiente da Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional.

Ainda assim, disse Charles Iceland, um associado do Instituto de Recursos Mundiais, a água é um instituto altamente político, e decisões de alocação não podem ser tomadas apenas com base na eficiência econômica.

“Seja qual for o sistema de gestão concebido, ele deve contar com equidade”, disse Iceland, “para que as pessoas tenham seu direito humano à água”.

http://www.ecodebate.com.br/2010/11/25/international-herald-tribune-a-pegada-do-uso-da-agua/

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