De modo geral as mulheres avaliam que as práticas de violência ocorridas no âmbito familiar e comunitário devem ser tratadas preferencialmente no âmbito local, sem a interferência de agentes externos e da legislação estatal (direito positivo). De outro lado, reconhecem que estão diante de um grande desafio: o desafio de desconstruir os discursos que justificam essas práticas alegando ser um “costume”, algo que têm suas raízes e fundamentos em valores “tradicionais”, na “cultura”.
Entre setembro de 2008 e agosto de 2010 o tema da violência familiar e doméstica reuniu cerca de 460 mulheres indígenas em treze seminários regionais.
Com o apoio da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) e do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), em colaboração com o movimento de mulheres indígenas no país, os seminários foram uma oportunidade para que as participantes conhecessem e tirassem suas dúvidas em relação ao texto da Lei Maria da Penha; reconhecessem as diferentes formas que a violência assume na vida cotidiana (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral); e avaliassem se e em que circunstâncias específicas essa lei pode ser útil e acionada por elas.
De modo geral as mulheres avaliaram que as práticas de violência ocorridas no âmbito familiar e comunitário devem ser tratadas preferencialmente no âmbito local, sem a interferência de agentes externos e da legislação estatal (direito positivo).
De outro lado, reconheceram que estão diante de um grande desafio: o desafio de desconstruir os discursos que justificam essas práticas alegando ser um “costume”, algo que têm suas raízes e fundamentos em valores “tradicionais”, na “cultura”.
A esses treze seminários seguiu o denominado Encontro Nacional de Mulheres Indígenas para a Proteção e Promoção dos seus Direitos.
Realizado entre os dias 17 e 19 de novembro passado, no Hotel Águas Quentes, localizado a aproximadamente 80 km de Cuiabá (BR 364), na Serra de São Vicente, o encontro reuniu oitenta mulheres indígenas com um propósito: avaliar os resultados dos 13 seminários regionais e tirar encaminhamentos de como seguir esse debate. E mais, definir como fazer para que a proteção e a promoção dos direitos das mulheres indígenas sejam incorporadas nas políticas públicas e nos instrumentos legais do Estado brasileiro. Uma tarefa nada fácil, diga-se de passagem!
Analisada a legislação brasileira específica, contando para isso com a colaboração do advogado Vilmar Guarani, foi constatado – ainda no primeiro dia do encontro – que nem a Lei 6.001 (Estatuto do Índio, de 1973), nem os projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional – como, por exemplo, o Substitutivo ao Projeto de Lei 2057, de 1994 – contempla o reconhecimento dos direitos das mulheres indígenas.
E mais, pasmem, nem mesmo o texto produzido pela Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) em 2009, o denominado Estatuto dos Povos Indígenas, que foi objeto de debates acalorados em um seminário nacional e em dez oficinas regionais, envolvendo um total aproximado de 1.150 mulheres e homens de diferentes povos, contempla uma única vez a palavra “mulheres”.
Ao final ficou óbvio às participantes que os direitos especiais das mulheres indígenas ainda têm uma longa caminhada até se tornar algo (de fato) reconhecido, considerado e incorporado nas decisões e no desenho das políticas públicas. E mais, que isso tem que ser conquista também no interior do movimento indígena, em cujas estruturas é marcante a presença masculina.
O encontro seguiu no segundo dia com debates em grupos: era hora de definir o que fazer diante desta situação.
Os relatos, idéias, propostas que permearam os debates nos grupos mostrou, vamos dizer dessa forma, que o buraco é mais embaixo.
Dos debates surgiu que o Estado brasileiro deve considerar as especificidades de gênero e geracionais em todas as políticas sociais destinadas aos povos indígenas. Isso inclui as ações de fortalecimento organizacional, gestão ambiental e as chamadas atividades produtivas.
Outra questão destacada foi a da necessidade do reconhecimento das indígenas que vivem em contexto urbano como sendo sujeitos de direito específicos, em pé de igualdade com as indígenas que vivem nos territórios (indígenas) reconhecidos pelo Estado. E mais, que o Estado brasileiro deve adotar medidas a fim de assegurar às mulheres, crianças e idosos indígenas a proteção contra todas as formas de violência e discriminação.
Foi proposto que os resultados e demandas que emergiram do encontro fossem encaminhados à Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) e ao Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), para que ai fosse debatido.
No caso da CNPI, o presidente da FUNAI, Marcio Meira, adiantou na sua fala na abertura do encontro que o pleito das mulheres indígenas seria muito bem recebido na próxima reunião na semana de 13 a 17 de dezembro. Nossa expectativa é de que saia daí, ao menos, encaminhamentos concretos para preencher as lacunas identificadas na legislação indigenista.
No caso do CNDM, a informação que chega da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM) é de que a pauta da última reunião deste ano, prevista acontecer no dia 9/12, está praticamente tomada por outros pontos e demandas, mas que faz todo sentido o tema ser pauta da primeira reunião do conselho em 2011.
De outro lado, e não obstante os esforços empreendidos pela SPM ao longo dos últimos três anos, há duas lacunas que necessitam ser preenchidas, e o quanto antes, para fazer avançar a luta pela proteção e promoção dos direitos das mulheres indígenas: uma é o vazio de representação indígena na atual composição do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher; outra é a não existência de qualquer diretriz específica de enfrentamento à violência contra as mulheres indígenas.
A realização em 2011 de mais uma Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres abre um interessante cenário para a mobilização do movimento de mulheres indígenas pautar essas e outras demandas.
Mas cá entre nós, para que tudo isso floresça com vigor, mais do que “apoios”, o que está faltando mesmo é um pouco mais de pró-atividade e desprendimento de parte das mulheres e do(s) movimento(s) de mulheres indígenas. O espectro da tutela ronda, com novas e variadas formas e maneiras de sedução.
http://www.inesc.org.br/noticias/noticias-do-inesc/2010/novembro/mulheres-indigenas-na-luta-pela-protecao-e-promocao-dos-seus-direitos