Por Joceline Gomes
Pessoas sobem a pé, sob os 33 graus de União dos Palmares, a Serra da Barriga. Lá no alto, acontece desde cedo uma das maiores celebrações à memória de Zumbi dos Palmares. Dança, capoeira, manifestações de religiosos de matriz africana e muita liberdade. É 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, e o Parque Memorial Quilombo dos Palmares está em festa.
O dia começou com um cortejo das Mulheres do Axé, que começou na base da Serra e foi até o platô onde se encontra o Parque. Os participantes subiram cantando em homenagem aos orixás, e, principalmente, a Zumbi. Enquanto religiosos e visitantes seguiam o íngreme trecho a pé, como fazem tradicionalmente todo ano, carros, motos e vans levantavam poeira à frente e atrás da multidão. Todos queriam pisar o solo sagrado de onde Zumbi dos Palmares coordenou a resistência e a luta contra a escravidão. O percurso é longo, sobretudo se feito a pé, mas a paisagem e a memória compensam o sacrifício.
OFERENDAS – Devotos de religiões de matriz africana se reuniram, ainda pela manhã, na Lagoa Encantada dos Negros, para onde levaram flores, tambores e atabaques para prestar uma emocionante homenagem a Zumbi dos Palmares e aos orixás Oxum, Iemanjá, Nanã e Buruquê. Os religiosos se concentraram em volta da árvore Irôco, onde entoaram cânticos, bateram palmas e dançaram ao som das batidas afro-brasileiras. Ao final da cerimônia, as ialorixás e os babalorixás jogaram flores na Lagoa, pedindo prosperidade, sucesso e muita força.
Às 11h, autoridades religiosas, governamentais (dos âmbitos municipal, estadual e federal), representantes da sociedade civil e das comunidades quilombolas de Alagoas participaram de um cortejo até a estátua de Zumbi dos Palmares, localizada bem no centro do Parque Memorial. Uma salva de tiros e a execução de um hino à bravura de Zumbi pela banda militar simbolizaram a homenagem das forças armadas ao heroi da resistência negra.
DISCURSOS – No palco principal, as autoridades discursaram e agradeceram a presença de todos neste dia de festa, celebração e reflexão sobre o negro na sociedade brasileira. Mãe Lindalva Rodrigues, representando os religiosos, saudou os antepassados e os elementos da natureza, e lembrou que o Parque é importante não só porque foi onde Zumbi lutou mas também porque foi o primeiro lugar onde houve liberdade religiosa, igualdade e respeito aos direitos humanos.
Adriano José, da União de Negros pela Igualdade Racial (Unegro), ressaltou que o 20 de novembro é um dia de vitórias, mas também de luta. Reforçou a necessidade da afirmação do negro na sociedade e de políticas públicas voltadas para a educação. O representante das comunidades quilombolas, Manoel Oliveira, listou algumas dificuldades pelas quais as comunidades passam, fez sugestões de melhorias e citou os programas governamentais que podem atender às demandas das comunidades.
Representando o Governo Federal e a Fundação Cultural Palmares, Maurício Reis reforçou a necessidade de respeito às religiões de matriz africana e à cultura afro-brasileira e mencionou as ações da Palmares em benefício do Parque Memorial. Em nome do governador de Alagoas, o secretário de estado de cultura, Osvaldo Viégas, descreveu os eventos que o governo apoiou para o mês da Consciência Negra e, citando as palavras do governador, que não pode comparecer, parabenizou todos os negros por sua trajetória árdua de luta desde a época de Zumbi.
Areski Damara de Omena Freitas Júnior, prefeito de União dos Palmares, onde fica o Parque Memorial, reiterou a importância que a memória de Zumbi tem para o município. Afirmou que a prefeitura pretende sempre preservar e valorizar esse importante personagem da história brasileira por meio de ações e eventos, como a festa da cidade em comemoração ao Dia da Consciência Negra. Durante a cerimônia, ainda foram premiados os três primeiros colocados da XXIX Corrida da Consciência Negra.
ATRAÇÕES – Ao longo da tarde, os mais de mil visitantes puderam conferir mais de 10 atrações no palco principal, montado em frente à estátua de Zumbi dos Palmares. Os grupos de capoeira foram uma atração a parte. Eles chegavam e abriam rodas ao longo de todo o Parque. A liberdade é total na terra de Zumbi. Um roda de capoeira no palco principal reuniu os melhores mestres de capoeira locais, com Mestre Cláudio, representante da Fundação Cultural Palmares em Alagoas, à frente dos vocais.
O grupo Filhos de Zumbi preparou o público para as apresentações que se seguiriam. Seus animados tambores anunciaram a grandiosidade do evento. O grupo seguinte, Malungos do Ilê, apresentou dançarinos vestidos em homenagem a orixás, e textos antirracistas sobre os fortes tambores. O público vibrava, aplaudia e se emocionava com as frases, produzidas por educadoras sociais e também percussionistas do grupo.
A apresentação do grupo Sururu de Capote foi surpreendente. Logo no início, uma mulher com uma grande saia parecia levitar sobre o palco. Os fortes tambores e o figurino inovador chamaram a atenção do público. O grupo Muzimba, basicamente instrumental, apresentou jovens com um colorido figurino, e misturou vários ritmos afro-brasileiros.
Tambores marcados, coreografia elaborada e muita energia: a apresentação do grupo Ara Fun Fun impressionou os visitantes do Parque, e também homenageou orixás. Último grupo a se apresentar em Serra da Barriga, o Quintal Cultural trouxe músicas irreverentes, poesias e muita descontração na despedida das celebrações no Parque.
As apresentações emocionaram o público, que teve a oportunidade de interagir com as mais diversas manifestações da cultura afro-brasileira no solo sagrado onde o maior ícone da resistência negra travou suas batalhas. A festa ficou para a história, assim como Zumbi dos Palmares. Ano que vem tem mais, mas a luta pela liberdade e pelo respeito à população negra continua todos os dias.
http://www.palmares.gov.br/003/00301009.jsp?ttCD_CHAVE=3079